Equidade racial nas escolas depende de formação de professores
Em audiência pública, convidados debateram a formação de docentes e os desafios em especial do racismo religioso.
O desafio de superar o preconceito religioso e a necessidade de melhorar a formação de professores para trabalhar com temas das culturas afrobrasileira e indígena foram as principais questões levantadas em audiência pública nesta quinta-feira (29/5/25). A reunião, realizada pela Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), tratou de ações e programas educacionais sobre relações étnico-raciais e a educação escolar quilombola.
Durante o encontro, a pró-reitora da UFMG Shirley Aparecida de Miranda destacou que há legislação que garante o ensino da história e da cultura negra e indígena nas escolas, a Lei Federal 10.639, de 2003, e a Lei Federal 11.645, de 2008, respectivamente. Uma das dificuldades de implementação, porém, seria uma formação docente deficiente, tanto na graduação quanto na educação continuada.
Ela destacou que a Política Nacional de Equidade na Educação, lançada em 2024, traz em seu terceiro eixo a necessidade de se investir na formação de professores para a equidade racial, com a possibilidade de instituições receberem recursos para esse fim. A UFMG, segundo a pró-reitora, já realiza cursos nesse sentido e aguarda financiamento para a inauguração de um centro de formação em educação escolar quilombola.
A UFMG realizou estudo sobre o funcionamento das escolas quilombas mineiras e identificou alguns problemas. Segundo Shirley Aparecida, das 58 escolas que participaram do curso, 12 poderiam ser classificadas como quilombolas, e, portanto, ter acesso a fundos específicos de financiamento, e não tinham tal reconhecimento oficial.
Outro problema apontado pela convidada é a dificuldade de que as escolas nos territórios quilombolas tenham um corpo docente formado por professores quilombolas.
A professora quilombola Luciana de Souza Mattias corroborou com a ideia de que é preciso ter mais docentes vindos desses territórios e atuando nas escolas quilombolas. Moradora do quilombo Família Mattias, em Belo Horizonte, ela explicou que é preciso superar visões estereotipadas do que são esses territórios e entender as especificidades de cada um deles.
A mesma visão foi apresentada em relação à educação indígena. Segundo Agenilton Ramos, indígena e vice-diretor de escola indígena, a raiz cultural é importante para a garantia de que saberes e rituais dos povos façam parte do cotidiano escolar ao lado das disciplinas tradicionais. Para isso, a presença de professores indígenas é primordial.
A deputada Andréia de Jesus apoiou as demandas e lembrou que Minas Gerais já possui uma legislação que incentiva a contratação de professores quilombolas e indígenas para atuarem nos territórios. Ela afirmou que o próximo passo é a realização de concursos específicos para esse público.
Racismo religioso dificulta os debates nas escolas
Para os convidados da reunião, um dos principais desafios atuais para a implementação de um currículo que leve em conta a equidade racial é o racismo religioso. A subsecretária de educação inclusiva de Belo Horizonte, Mara Evaristo, contou a longa história do município com essa luta, que remonta à década de 1990, mas levantou o racismo religioso como um obstáculo que tem crescido e dificultado o debate nas escolas.
O professor da rede municipal de Betim e diretor estadual do Sindicato Único dos Trabalhadores de Educação (SinduUTE) José Luiz Rodrigues contou que recentemente houve uma tentativa de censura no seu município motivada exatamente por racismo religioso. Segundo ele, representantes legislativos municipais pressionaram para retirar das escolas materiais didáticos relacionados às culturas afrobrasileira e indígena.
O episódio levou à formação do Movimento Antirracista de Betim, que congrega mais de 200 organizações, como explicou Daiane Sthefane dos Santos Gomes, que integra o movimento. Segundo a convidada, o material foi comprado este ano em um investimento de mais de R$ 10 milhões e está em ataque por racismo religioso.
Governos federal e estadual apresentam ações por equidade racial
Durante a reunião, representantes das pastas de educação nos governos estadual e federal apresentataram algumas das ações em andamento para a equidade.
No âmbito estadual, Suéllen Cristina Coelho, diretora de Modalidades de Ensino e Temáticas Especiais da Secretaria de Estado de Educação, citou a inclusão de saberes tradicionais na formação escolar e a formação de novos professores para atender essas comunidades. “O conhecimento nos ajuda a construir novas perspectivas”, salientou.
A secretaria também tem desenvolvido estratégias nas Superintendências Regionais de Ensino para o fomento, em cada território, de ações para combater preconceitos.
Já no governo federal, a coordenadora de Projetos na Educação Escolar Quilombola no Ministério da Educação, Solange Nascimento, apresentou as ações em curso em âmbito um ano após a implementação da Política Nacional de Equidade, Educação para as Relações Étnico-Raciais e Educação Escolar Quilombola.
Solange ressaltou que a política é reconhecida como o lugar de fortalecimento de ações concretas para uma educação antirracista, amparada na governança (o acompanhamento da política nos próprios territórios) e investimento, como a formação de professores e gestores.
Ela afirmou, ainda, que o Norte de Minas vai abrigar o primeiro Instituto Federal Quilombola, no Município de Minas Novas, com uma proposta educativa pautada na potencialização dos saberes tradicionais.
Outra demanda apresentada foi a necessidade de incluir o ensino superior no foco da Política Nacional de Equidade. Segundo a pró-reitora da UFMG Shirley Aparecida de Miranda, esse nível de educação ainda não foi contemplado e é essencial para que sejam garantidos avanços materiais, simbólicos e epistêmicos na educação inclusiva. Ela falou da importância, por exemplo, de compreender e atuar para garantir a permanência de estudantes quilombolas no ensino superior.

