Deputados defendem restrições para leite importado
Produtores rurais apontam importação de leite e juros altos como principais causas de número recorde de pedidos de recuperação judicial.
- Atualizado em 10/11/2025 - 19:21Um projeto de lei que proíba a reconstituição do leite em pó importado para venda como leite fluido foi uma das soluções propostas pelos deputados da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) para socorrer produtores agropecuários, em uma crise que resulta em um número recorde de recuperações judiciais. Em 2024, foram 2.273 solicitações desse tipo, um aumento de 61,8% em relação a 2023. O assunto foi discutido em audiência pública da Comissão de Agropecuária e Agroindústria, nesta segunda-feira (10/11/25).
A ideia de proibir a reconstituição do leite em pó importado partiu do deputado Antonio Carlos Arantes (PL), que disse ter se inspirado em uma proposta semelhante aprovada no Paraná.
O objetivo do Projeto de Lei (PL) 4.765/25, recém-apresentado, é conter a importação excessiva de leite de outros países do Mercosul, uma das principais causas da queda do preço do produto. “No Paraná isso já foi aprovado. O preço do leite está tão baixo por causa da importação desenfreada do Uruguai e da Argentina”, afirmou o deputado.
As queixas, no entanto, vão além da cadeia produtiva do leite. O presidente da Comissão de Agropecuária, deputado Raul Belém (Cidadania), iniciou a audiência pública fazendo um resumo dos problemas que afetam produtores em geral. “Elevação dos custos de produção, oscilação dos preços, impacto climático, crédito insuficiente e juros elevados. A elevação do número de pedidos de recuperação judicial mostra que muitos já ultrapassaram um limiar crítico de endividamento”, afirmou o parlamentar.
Alguns dos casos citados de pedidos de recuperação judicial em Minas Gerais atingem grandes instituições e empresas. O Grupo Patense, de Patos de Minas (Alto Paranaíba), que fabrica ração para fazendas e pets, óleo para indústria de beleza e biocombustíveis, e que possui uma dívida superior a R$ 2 bilhões, é a segunda maior recuperação judicial do agronegócio do Brasil.
O presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Unaí (Noroeste), Ricardo Almeida, também citou um caso em sua região de uma recuperação judicial que envolve quase R$ 700 milhões. “Paracatu (Noroeste) tem uma de mais de R$ 1 bilhão”, afirmou ele. Almeida criticou o comportamento do Banco do Brasil, que, segundo ele, impõe regras muito duras aos produtores em dificuldade.
“O Banco do Brasil criou uma comissão de recuperação desses créditos. São juros de quase 17% ao ano, com alienação fiduciária de imóveis rurais”, afirmou Almeida, referindo-se a uma regra que permite execução extrajudicial de dívidas, por meio da qual a instituição financeira toma a fazenda sem necessidade de recorrer à Justiça.
A cobrança de uma renegociação mais justa também foi feita pelo deputado Dr. Maurício (Novo).
O presidente da Cemil e da Fecoagro Leite Minas, Vasco Praça Filho, também apontou os juros como um dos piores problemas para o setor agrícola. “Temos as piores taxas de juros do mundo. Nos Estados Unidos o juro é 3,5% por cento ao ano. Aqui nós estamos com 20%”, afirmou.
Produtores de leite acusam Argentina e Uruguai de concorrência desleal
No entanto, as principais críticas foram para a importação de leite em pó, que é reconstituído para concorrer com o leite nacional. “O Brasil está importando 210 milhões de litros por mês. É o mesmo que a produção da Italac com a Piracanjuba juntas”, afirmou Vasco Filho, referindo-se a duas das maiores produtoras de leite brasileiras.
A analista de Agronegócios da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais, Mariana Mendes, afirmou que já foi comprovado que Argentina e Uruguai estão vendendo leite ao Brasil por um preço menor do que praticam em seus países, o que configuraria dumping. Mesmo assim, segundo ela, o governo brasileiro vem resistindo a reagir. “A Argentina se nega a comprar açúcar do Brasil”, afirmou Vasco Filho, cobrando uma atitude semelhante do Brasil.
Outra queixa de Vasco Filho foi com relação ao aumento da alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). “Somos 6 mil cooperados. Pagamos 200 milhões de impostos em 2025. No ano que vem, serão 11 milhões a mais de despesa só de IOF”.
Além de medidas para conter a importação de leite, o deputado Raul Belém também defendeu que Minas ofereça linhas de crédito emergenciais com garantias públicas, parcelamentos especiais de tributos estaduais, suspensão temporária de execução fiscal e ampliação do seguro rural.
Burocracia ambiental, estradas e energia deficientes são gargalos
Rowena Betina Pettrol, presidente da Associação dos Produtores Rurais e Irrigantes do Noroeste de Minas (Irriganor), avaliou que a região tem três grandes gargalos: escoamento da produção, fornecimento ineficiente de eletricidade e atuação deficiente da área ambiental do Estado.
Segundo ela, o Noroeste é hoje a terceira maior área irrigada do Brasil e os produtores regionais enfrentam o aumento do custo dos insumos frente à redução do preço dos alimentos produzidos ali, principalmente feijão, milho e soja. Em relação ao escoamento, Pettrol lembrou que várias rodovias estaduais não estão pavimentadas. Sobre a eletricidade, ela citou problemas de oscilações de tensão e interrupção do fornecimento (chegando a até quatro dias).
Por fim, a gestora afirmou que a atuação da Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Semad) tem prejudicado fortemente o Noroeste. “Os servidores estão em greve há 2 meses e os processos ambientais, incluindo licenciamentos, estão todos parados”, lamentou. Ela defendeu a aprovação de PL do deputado Gustavo Santana (PL) que retira a obrigação do produtor rural com área maior que mil hectares de apresentar os estudo e relatório de impacto ambiental (EIA-Rima) para projetos em sua propriedade.
Produção recorde X perda de renda
Concordando com Rowena, a deputada Lud Falcão (Pode) enfatizou o contrassenso que é o País obter uma produção recorde de grãos neste ano, de 350 mil toneladas, ao mesmo tempo em que o produtor de grãos fica mais pobre, pois a rentabilidade caiu muito. “Como pagar bem ao trabalhador na fazenda se a cada R$ 3,00, R$ 1 é gasto com impostos?”, questionou.
Para reduzir os problemas dos produtores de leite, ela propôs políticas públicas de incentivo ao consumo de leite. Nesse sentido, destacou seu projeto que institui ressarcimento a quem tiver perda de leite ou outro produto devido a falta de energia elétrica. Também solicitou ao governo de Minas que construa novas subestações de energia no Alto Paranaíba e no Noroeste.
Feliciano Nogueira de Oliveira, superintendente de Inovação e Economia Agropecuária da Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento, ressaltou que o agro continua positivo em Minas: “O PIB do agro mineiro aumentou 20% no último ano, chegando a R$ 235 bilhões, superando a produção do minério".
Dados deficitários
Outro entrave para o setor foi apontado por Geraldo Magela da Silva, assessor institucional do Sistema Ocemg, que é a Organização das Cooperativas de Minas Gerais. De acordo com ele, há uma deficiência grave de produção de dados no Brasil. Destacou que no Estado há 199 cooperativas agropecuárias, com 213 mil cooperados, 95% deles pequenos produtores, e movimentação financeira em 2024 de R$ 53 bilhões. Nos setores de café e leite, as cooperativas respondem, respectivamente, por 53% e 25% da produção.
Ao final da reunião, o deputado Raul Belém anunciou requerimentos de visitas ao vice-presidente da República, Geraldo Alckimin; aos ministros da Agricultura, Carlos Fávaro e do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira; e à presidente do Banco do Brasil, Tarciana Medeiros. O objetivo dos encontros é debater com essas lideranças as condições aviltantes dos empréstimos oferecidos aos produtores rurais mineiros, com elevada taxa de juros e obrigatoriedade da alienação fiduciária de propriedades.