PRE PROJETO DE RESOLUÇÃO 91/2025
Projeto de Resolução nº 91/2025
Susta os efeitos do Decreto de Numeração Especial nº 628, de 25 de agosto de 2025, que declara como empreendimento estratégico, para fins de licenciamento ambiental especial, as obras de implementação do Rodoanel Metropolitano de Belo Horizonte.
A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais aprova:
Art. 1º – Ficam sustados os efeitos do Decreto de Numeração Especial nº 628, de 25 de agosto de 2025, que declara como empreendimento estratégico, para fins de licenciamento ambiental especial, as obras de implementação do Rodoanel Metropolitano de Belo Horizonte.
Art. 2º – Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação.
Sala das Reuniões, 28 de agosto de 2025.
Beatriz Cerqueira (PT), presidenta da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia – Ana Paula Siqueira (REDE) – Andréia de Jesus (PT) – Bella Gonçalves (PSOL) – Betão (PT) – Celinho Sintrocel (PCdoB) – Cristiano Silveira (PT) – Doutor Jean Freire (PT) – Hely Tarqüínio (PV) – Leleco Pimentel (PT) – Leninha (PT) – Lohanna (PV) – Luizinho (PT) – Professor Cleiton (PV).
Justificação: O presente projeto de resolução tem por objetivo sustar os efeitos do Decreto de Numeração Especial nº 628, de 25 de agosto de 2025, que declarou como empreendimento estratégico, para fins de licenciamento ambiental especial, as obras de implementação do Rodoanel Metropolitano de Belo Horizonte.
A vigência desse decreto institucionaliza um mecanismo de afronta ao devido processo legal, à legislação ambiental e, sobretudo, aos direitos fundamentais das populações atingidas pelo projeto. Ao dispensar o rigor e a integralidade do licenciamento ambiental ordinário, cria-se um atalho incompatível com a ordem constitucional, o que impõe a necessidade de sua sustação. Trata-se de medida que viola frontalmente os princípios da precaução, da prevenção e da publicidade administrativa, configurando grave retrocesso ambiental e social.
O Rodoanel Metropolitano de Belo Horizonte, desde sua origem, está marcado por vícios insanáveis. O governo de Minas Gerais propõe investir R$ 4,5 bilhões, por meio de Parceria Público-Privada – PPP –, na construção, implantação, operação e manutenção da obra. Desse montante, R$ 3,5 bilhões decorrem de compensação paga ao Estado em razão de um dos maiores crimes socioambientais da história do Brasil e do mundo: o crime da mineradora Vale S.A. em Brumadinho, que ceifou 272 vidas humanas, destruiu centenas de comunidades e comprometeu toda a bacia do Rio Paraopeba. É inconcebível que a dor e a tragédia desse crime sejam transformadas em justificativa para financiar uma obra que ameaça reproduzir novas violações, como remoções forçadas, destruição ambiental e ruptura de laços comunitários.
Não por acaso, a população vem se organizando e caracterizando essa obra como autoritária, ecocida e eleitoreira. O modelo de PPP proposto pelo governo prevê que caberá à concessionária realizar as desapropriações. Pergunta-se: uma empresa cujo objetivo é a maximização da lucratividade será capaz de executar essa tarefa eminentemente estatal de forma justa, levando em consideração as necessidades socioeconômicas das famílias e a boa aplicação dos recursos públicos? Ao inserir um terceiro interessado nessa relação complexa, aumenta-se o risco de maiores gastos para o erário e de mais violações de direitos. Não se trata de uma obra concebida para atender os interesses da população, mas sim para beneficiar grandes empresas, em especial mineradoras.
O projeto, ademais, carece de estudos prévios que fundamentem sua necessidade. O traçado previsto, com aproximadamente 100 quilômetros de extensão, atravessa 11 municípios da Região Metropolitana de Belo Horizonte – RMBH –, impondo riscos de remoção a milhares de pessoas e atingindo comunidades tradicionais, territórios quilombolas, sítios arqueológicos e áreas de preservação ambiental. Compromete ainda a segurança hídrica da região, ameaçando nascentes essenciais ao abastecimento público.
Tivemos nesta Casa audiências específicas sobre o Rodoanel em que movimentos sociais, entidades e ambientalistas apresentaram dados robustos que embasam a oposição ao empreendimento. Prefeituras como Nova Lima, Contagem, Betim e Belo Horizonte trouxeram ponderações que merecem a atenção do governo estadual, porém foram ignoradas. A Prefeitura de Nova Lima alertou que a abertura de dois túneis nas Serras do Rola Moça e da Calçada poderá extinguir pelo menos 40 nascentes. A Secretaria de Meio Ambiente de Belo Horizonte destacou que a capital depende prioritariamente de mananciais da Bacia do Paraopeba, sensivelmente ameaçados. Já a secretária de Contagem questionou os impactos das barreiras que dividirão comunidades, prejudicarão o acesso a serviços públicos e comprometerão a proteção da represa Vargem das Flores.
A obra, ao ignorar planos diretores municipais em seus aspectos ambientais e urbanísticos, compromete fortemente a segurança hídrica da RMBH. Não por acaso, a população denuncia que o chamado “rodominério” acumulará danos socioambientais sobre os já produzidos pelo crime da Vale. Bairros serão separados, cidades cortadas e, em troca, a obra promete apenas uma redução de 12% no tráfego do Anel Rodoviário, transferindo os problemas de trânsito e segurança para toda a região sem solucioná-los em essência.
Além disso, o governo realizou leilão e a assinatura do contrato com a empresa INC SPA, sem a realização de estudos prévios de impacto ambiental e de critérios locacionais, sem apoio popular e sem a anuência de prefeitos diretamente atingidos. Pairam sérias dúvidas sobre o valor, o tempo e a própria viabilidade técnica da obra, que envolve túneis e viadutos caríssimos e de execução complexa.
Outro ponto alarmante é o sistema de pedágio. O governo anuncia como “baixo custo” a cobrança de R$ 0,35 por quilômetro rodado para veículos de passeio, no modelo free flow, reajustável anualmente. Na prática, isso significa R$ 35,00 para quem percorrer os 100 km do Rodoanel. Mesmo com a previsão de descontos para usuários frequentes, os valores seguem exorbitantes. Para comparação: entre Belo Horizonte e São Paulo, no trecho de quase 600 km da Fernão Dias, as 8 praças de pedágio somam R$24,00. Ou seja, o pedágio do Rodoanel Metropolitano, portanto, será quase 9 vezes mais caro. Trata-se de uma proposta que onera severamente a mobilidade da população, em especial, da classe trabalhadora e, desmente a narrativa oficial de acessibilidade tarifária.
Não se trata, portanto, de uma decisão técnica, mas de uma escolha política que insiste em um modelo rodoviarista ultrapassado, caro, poluidor e excludente, ao mesmo tempo em que desconsidera alternativas como a reforma do atual Anel Rodoviário e investimentos em transporte ferroviário de passageiros.
Some-se a isso a violação reiterada ao direito de Consulta Prévia, Livre e Informada, previsto na Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT. Estima-se que 47 comunidades tradicionais possam ser atingidas, entre elas os quilombos dos Arturos (Contagem), de Pinhões e dos Fechos (Santa Luzia). A ausência de consulta constitui grave ilegalidade e inconvencionalidade.
O decreto em questão, ao declarar o empreendimento como estratégico e submetê-lo a regime especial de licenciamento, busca legitimar e acelerar um processo viciado e contestado, transformando em norma a violação de direitos e o desrespeito à legislação ambiental. Trata-se de um atalho autoritário que fere a autonomia dos municípios, afronta o pacto federativo e ameaça bens naturais e culturais que pertencem à coletividade.
Diante desse cenário, é dever desta Casa sustar os efeitos do Decreto NE nº 628/2025, em consonância com sua competência constitucional de controlar atos do Poder Executivo que exorbitem o poder regulamentar ou atentem contra a ordem jurídica. O interesse público, a justiça socioambiental e a dignidade das populações atingidas não podem ser sacrificados em nome dos lucros de grupos econômicos.
Assim, com o presente Projeto de Resolução, reafirmamos o compromisso do Parlamento mineiro com o artigo 225 da Constituição Federal, com a defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, com os direitos dos povos e comunidades tradicionais e com a memória viva das famílias atingidas pelo crime da Vale em Brumadinho e na bacia do Rio Paraopeba, que não pode ser novamente violentada pela imposição de uma obra marcada pela ilegalidade, pelo autoritarismo e pelo desrespeito.
Referências:
Audiência pública realizada em 4/5/2021, pela Comissão de Administração Pública, para debater os impactos sociais e ambientais, decorrentes da construção do Rodoanel, na vida das famílias que moram na Região Metropolitana de Belo Horizonte, bem como se o Estado já possui algum planejamento de ação em prol de um programa social destinado a essas famílias. Inteiro teor da referida reunião disponível em: https://www.almg.gov.br/atividade-parlamentar/comissoes/reuniao/?idCom=1&idTipo=2&dia=04&mes=05&ano=2021&hr=14:00.
Audiência pública realizada em 13/7/2021, pela Comissão de Administração Pública, para debater os impactos sociais e ambientais na vida das famílias que moram na Região Metropolitana de Belo Horizonte, da construção do rodoanel, com vistas a que sejam apresentados o planejamento e os estudos técnicos elaborados pelo governo do Estado. Inteiro teor da referida reunião disponível em: https://www.almg.gov.br/atividade-parlamentar/comissoes/reuniao/?idCom=1&idTipo=2&dia=13&mes=07&ano=2021&hr=14:00.
https://rodoanelbh.com.br/ – Acesso em 28/8/2025.
– Publicado, vai o projeto às Comissões de Justiça, de Transporte e de Meio Ambiente para parecer, nos termos do art. 195, c/c o art. 102, do Regimento Interno.