PL PROJETO DE LEI 4645/2025
Projeto de Lei nº 4.645/2025
Altera a Lei nº 11.544, de 25 de julho de 1994, que regulamenta o § 3º do art. 222 da Constituição do Estado.
A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:
Art. 1º – A Lei nº 11.544, de 25 de julho de 1994, passa a vigorar acrescida do seguinte artigo:
“Art. 3º-A – É vedada, no âmbito do Estado, a internação involuntária de pessoas em situação de rua em razão de dependência química, transtorno mental ou uso de substâncias psicoativas.
§ 1º – O atendimento e o tratamento de pessoas em situação de rua serão realizados preferencialmente em serviços comunitários e de atenção psicossocial, observadas as diretrizes da Rede de Atenção Psicossocial – Raps –, instituída pelo Sistema Único de Saúde – SUS.
§ 2º – O tratamento de que trata o § 1º será pautado no consentimento informado, na autonomia individual e na garantia da dignidade da pessoa humana.
§ 3º – É vedada qualquer forma de recolhimento compulsório, segregação ou confinamento de pessoas em situação de rua em instituições asilares, comunidades terapêuticas ou estabelecimentos congêneres, independentemente de sua denominação.
§ 4º – O Poder Executivo regulamentará o disposto neste artigo, garantindo a participação do Conselho Estadual de Saúde, do Conselho Estadual de Assistência Social e do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos na formulação, implementação e fiscalização das ações voltadas à população em situação de rua.”.
Art. 2º – O Poder Executivo adotará, no prazo de cento e vinte dias, as medidas necessárias à adequação dos programas estaduais de saúde mental e assistência social às disposições desta lei.
Art. 3º – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Sala das Reuniões, 16 de outubro de 2025.
Andréia de Jesus (PT), vice-presidenta da Comissão de Direitos Humanos e vice-presidenta da Comissão de Cultura.
Justificação: A Lei nº 11.544, de 25 de julho de 1994, editada há mais de trinta anos, foi elaborada num contexto anterior à reforma psiquiátrica brasileira e à promulgação da Lei Federal nº 10.216, de 6 de abril de 2001, que transformou o paradigma do cuidado em saúde mental.
O texto original da norma estadual contempla, entre outras medidas, a possibilidade de tratamento em regime de internação hospitalar de pessoas dependentes de drogas sem explicitar as condições e garantias de voluntariedade, o que não mais se coaduna com a legislação e as diretrizes nacionais de saúde mental vigentes.
Ocorre que, nos últimos anos, diversas administrações municipais e estaduais no País adotaram políticas de internação involuntária e recolhimento forçado de pessoas em situação de rua sob o argumento de combate à dependência química. Tais práticas, conforme reconhecem o Ministério Público Federal – MPF –, a Defensoria Pública da União – DPU – e a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro – DPRJ – em nota técnica conjunta (2025), violam frontalmente direitos fundamentais consagrados na Constituição e em tratados internacionais, configurando prisão administrativa disfarçada de tratamento de saúde.
A internação involuntária de pessoas em situação de rua sem indicação médica específica e sem ordem judicial afronta a dignidade e a liberdade da pessoa humana, bem como o art. 196 da Constituição Federal, que reconhece a saúde como direito de todos e dever do Estado, mas não como fundamento de privação da liberdade.
O atendimento em saúde mental deve ser realizado com ênfase na prevenção e no tratamento em serviços comunitários, garantindo a dignidade e a liberdade da pessoa. O projeto de lei ora proposto proibi expressamente a internação involuntária de pessoas em situação de rua em razão de transtorno mental, uso ou dependência de substâncias psicoativas; assegura que o tratamento se dê em liberdade, com base no consentimento informado e no modelo psicossocial comunitário; veda práticas de recolhimento compulsório e confinamento asilar; e determina a participação dos Conselhos Estaduais de Saúde, Assistência Social e Direitos Humanos na formulação e monitoramento das políticas públicas correlatas. Ao restringir a possibilidade de internação involuntária no âmbito do Estado, o projeto não contraria a Lei Federal nº 10.216, de 2001, nem a Lei Federal nº 11.343, de 2006, mas, ao contrário, as complementa, estabelecendo padrão mais protetivo aos direitos humanos, conforme autorizado pelo § 2º do art. 24 da Constituição Federal.
A alteração proposta não impede o tratamento ou a internação voluntária – devidamente indicada por profissional médico e em conformidade com a Lei Federal nº 10.216, de 2001 –, mas impede o uso do aparato estatal para suprimir a liberdade de pessoas em situação de rua sob o pretexto de cuidado ou segurança pública.
Portanto, o projeto de lei moderniza a legislação mineira, adequando-a ao modelo de cuidado em liberdade e aos princípios constitucionais da dignidade, da autonomia e da não discriminação. Nessas condições, este projeto contribuirá significativamente para tornar o Estado referência em políticas públicas de saúde mental humanizadas, inclusivas e baseadas em direitos.
– Publicado, vai o projeto às Comissões de Justiça, dos Direitos Humanos e de Saúde para parecer, nos termos do art. 188, c/c o art. 102, do Regimento Interno.