RQN REQUERIMENTO NUMERADO 12596/2025
Requerimento nº 12.596/2025
Excelentíssimo Senhor Presidente da Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais:
A Comissão de Direitos Humanos, atendendo a requerimento desta deputada aprovado na 22ª Reunião Extraordinária, realizada em 3/7/2025, solicita a V. Exa., nos termos regimentais, seja encaminhado ao presidente da Câmara Municipal de Belo Horizonte – CMBH – pedido de informações sobre os Projetos de Lei Municipais nºs 14, 148, 155, 173, 174 e 227/2025, especificando-se quais são os fundamentos técnicos, jurídicos e de política pública que embasam cada um dos projetos mencionados; em quais comissões da CMBH os projetos tramitaram ou tramitarão e quais pareceres foram ou serão emitidos; se há previsão de realização de audiências públicas com participação das pessoas em situação de rua, movimentos sociais e órgãos gestores; se houve escuta prévia de conselhos, comitês de políticas públicas e movimentos sociais; e quais medidas a CMBH tem adotado para assegurar a compatibilidade dessas proposições com os marcos do Plano Municipal para a População em Situação de Rua – Ciamp-Rua – e com as determinações da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF – nº 976.
Sala das Reuniões, 4 de julho de 2025.
Bella Gonçalves (Psol), presidenta da Comissão de Direitos Humanos.
Justificação: A Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos da População em Situação de Rua da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, comprometida com a promoção da dignidade humana, dos direitos fundamentais e da justiça social, vem, por meio deste, solicitar esclarecimentos formais à Câmara Municipal de Belo Horizonte sobre proposições legislativas em tramitação que afetam diretamente a vida e os direitos da população em situação de rua. Os seguintes projetos, apresentados por diferentes parlamentares, têm gerado profunda preocupação entre organizações da sociedade civil, movimentos sociais, órgãos de defesa de direitos humanos e atores do sistema de justiça: PL 148/2025 – Institui o “Endereço Social” para pessoas em situação de rua (Autores: Pablo, Sargento Jalyson, Uner e Vile); PL 155/2025 – Estabelece multa para pessoas flagradas portando ou consumindo drogas ilícitas (Autor: Sargento Jalyson); PL 227/2025 – Cria o programa “De volta para minha terra” (Autor: Vile); PL 14/2025 – Autoriza o monitoramento da população em situação de rua por reconhecimento facial (Autor: Vile); PL 173/2025 – Dispõe sobre a desobstrução de vias públicas (Autor: Braulio); PL 174/2025 – Trata da internação involuntária (Autor: Braulio). O conjunto dessas proposições evidencia uma tendência preocupante de medidas punitivas direcionadas à população em situação de rua, por meio de práticas de penalização, remoção compulsória e medicalização forçada da pobreza, em dissonância com os marcos normativos nacionais e internacionais de direitos humanos. Destacamos que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADPF 976, reconheceu a existência de um estado de coisas inconstitucional diante das violações sistemáticas de direitos da população em situação de rua no Brasil, determinando aos entes federativos a implementação de políticas públicas integradas, intersetoriais e participativas como única forma legítima de enfrentamento das situações de vulnerabilidade extrema. Nesse sentido, reforçamos que medidas que reforçam a criminalização da pobreza, a segregação institucional e a retirada compulsória de pessoas e de pertences dos espaços públicos caminham na contramão das diretrizes estabelecidas pelo STF, da Política Nacional para a População em Situação de Rua e dos compromissos assumidos pelo Estado brasileiro em convenções internacionais de direitos humanos. Vale ressaltar que, nos últimos anos, a população em situação de rua em Belo Horizonte tem crescido de forma alarmante, impulsionada pela crise econômica e social, agravada pela fragilidade e ausência de políticas públicas de moradia, trabalho, emprego, renda e proteção social. Tal cenário tem empurrado milhares de pessoas para as ruas da capital mineira, expondo uma situação de vulnerabilidade extrema. É urgente que o município implemente medidas concretas, como: ampliação de sanitários públicos, guarda-volumes, lavanderias; programas de geração de trabalho e renda; políticas de moradia na modalidade “Moradia Primeiro”; ampliação e qualificação do acolhimento institucional, com atenção especial a famílias, gestantes e puérperas; ampliação do serviço de Consultório na Rua; acolhimento de egressos do sistema prisional, entre outras ações já reconhecidas na Política Municipal Intersetorial de Atendimento à População em Situação de Rua, que até o momento não vêm sendo plenamente executadas. Diante deste quadro, a adoção de projetos que penalizam, criminalizam ou restringem direitos da população em situação de rua, sem o devido diálogo e participação social, representa um retrocesso e uma afronta aos princípios constitucionais da dignidade humana, da função social da cidade e da política pública baseada em direitos. Além disso, é fundamental destacar que propostas que buscam soluções simplificadas para realidades complexas, como o uso prejudicial de álcool e outras drogas entre pessoas em situação de rua, desconsideram os determinantes sociais, econômicos, institucionais e afetivos que atravessam essa vivência. Ao centralizar a resposta exclusivamente na substância psicoativa, sem propor ações estruturantes de cuidado e garantia de direitos, essas medidas revelam um caráter conservador e punitivista, enfraquecendo a lógica intersetorial de promoção da saúde, moradia e assistência social. Tais abordagens vão na contramão de normativas como a ADPF 976 do STF, a Resolução nº 040/2020 do Conselho Nacional de Direitos Humanos e o Plano Nacional Ruas Visíveis, que apontam a centralidade da articulação de políticas públicas para a superação da situação de rua, e não sua medicalização compulsória ou segregação institucional. A legislação brasileira, Lei nº 10.216/2001, Lei nº 11.802/1995 e Lei nº 12.684/1997, estabelece o cuidado em liberdade como princípio fundamental da política de saúde mental, prevendo a internação apenas como último recurso, após o esgotamento de todas as alternativas terapêuticas no âmbito da Rede de Atenção Psicossocial – RAPS –, sempre mediante avaliação da rede pública de saúde. Modelos de atenção que desconsideram os fatores biopsicossociais e reduzem o cuidado a uma lógica biologicista, entregando o corpo dessas pessoas à decisão médica compulsória, ferem a autonomia, os direitos e a dignidade das pessoas em situação de rua. É necessário, ao contrário, adotar estratégias consistentes, intersetoriais e técnicas, o que inclui o fortalecimento dos Caps, do Consultório na Rua, das Unidades Básicas de Saúde, das Unidades de Acolhimento Institucional, Centros POPs aliados à ampliação de moradia social e acesso à renda. Dessa forma, reafirmamos nosso compromisso com o direito à cidade, à saúde em liberdade, ao cuidado individualizado e à construção de políticas públicas que reconheçam a complexidade da vida nas ruas, promovendo reparação, dignidade e cidadania.