PL PROJETO DE LEI 2861/2024
Projeto de Lei nº 2.861/2024
Dispõe sobre o reconhecimento dos direitos do Rio Paraopeba no Estado e o seu enquadramento como ente especialmente protegido e dá outras providências.
A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:
Art. 1º – Ficam reconhecidos os direitos intrínsecos do Rio Paraopeba como ente vivo e sujeito de direitos, bem como de todos os outros corpos d´água e seres vivos que nele existam naturalmente ou com quem ele se inter-relaciona, incluindo os seres humanos, na medida em que coexistem em um sistema interconectado, integrado e interdependente no âmbito do Estado de Minas Gerais.
Art. 2º – Dentre os direitos do Rio Paraopeba e outros entes relacionados no art. 1º, ficam reconhecidos os direitos de:
I – manter seu fluxo natural e em quantidade suficiente para garantir a saúde do ecossistema;
II – nutrir e ser nutrido pela mata ciliar, pelas vegetações e pela biodiversidade;
III – existir com suas condições físico-químicas adequadas ao seu equilíbrio ecológico;
IV – inter-relacionar-se com os seres humanos por meio da identificação biocultural, de suas práticas espirituais, de lazer, de pesca artesanal, agroecológica e cultural;
V – recuperação de danos ambientais, devendo ser adotadas medidas eficazes para restaurar seu ecossistema nos casos de poluição, degradação e outros impactos negativos.
Art. 3º – O Rio Paraopeba e os seres inter-relacionados devem ser protegidos e manifestarem suas necessidades e vozes por guardiões legais, que servirão como sua representação pública, atuando como conselheiros do Poder Público e da comunidade no exercício destes direitos.
§ 1º – São considerados como guardiões legais do Rio Paraopeba todas as pessoas físicas e as organizações da sociedade civil que atuem e contribuam para garantir os direitos expressos nesta lei.
§ 2º – Os guardiões legais terão garantidos espaços de voz e fala nos órgãos colegiados de gestão e gerenciamento de recursos hídricos existentes e que atuem na bacia hidrográfica do Rio Paraopeba, em número máximo de representantes e em tempos compatíveis para expressar suas considerações de forma a atender o disposto no caput do artigo 3º desta Lei.
§ 3º – O Poder Público deverá garantir mecanismos de participação pública nas decisões relacionadas ao Rio Paraopeba, incluindo a consulta às comunidades locais e à sociedade civil em processos de gestão e tomada de decisões.
Art. 4º – O Poder Executivo deverá implementar medidas para a conservação da biodiversidade do Rio Paraopeba, protegendo espécies nativas e habitats naturais, e promovendo a recuperação de áreas degradadas.
Art. 5º – Será garantido o direito à vida do Rio Paraopeba e dos ecossistemas que dele dependem, reconhecendo sua importância para o equilíbrio ambiental e o bem-estar das gerações presentes e futuras.
Art. 6º – O Poder Executivo regulamentará esta lei no prazo de 90 (noventa) dias, contados da data de sua publicação.
Art. 7º – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Sala das Reuniões, 18 de setembro de 2024.
Beatriz Cerqueira (PT), presidenta da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia.
Justificação: O Rio Paraopeba possui 510 km de extensão, sua bacia hidrográfica abrange 12.054 km² e 48 municípios. Seus principais afluentes incluem os Rios Macaúbas, Camapuã, Betim, Manso e o ribeirão Serra Azul. Os três últimos são represados para formar os reservatórios que compõem o Sistema Paraopeba: Vargem das Flores, Rio Manso e Serra Azul, que garantem o fornecimento de água para cerca de 3,5 milhões de pessoas da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Este Rio é um dos principais afluentes do Rio São Francisco. A nascente do Rio Paraopeba está localizada no município de Cristiano Otoni e sua foz encontra-se na represa de Três Marias, no município de Felixlândia, ambos em Minas Gerais.
Seu nome, originário da língua tupi, significa “rio largo”, por meio dos termos “pará” (rio) e “popeba” (largo).
O Rio Paraopeba desempenha um papel fundamental para o meio ambiente e para as comunidades que dele dependem. No entanto, tem sido alvo de diversas ameaças, incluindo a contaminação provocada por atividades industriais, mineradoras e, sobretudo, pelo desastre de caráter criminoso ocorrido em 25 de janeiro de 2019, quando houve o rompimento da barragem de Córrego do Feijão, de propriedade da Vale S.A. Um dos maiores crimes socioambientais da história do país que despejou 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração na bacia do rio Paraopeba. A lama percorreu mais de 300 km, afetando mais de 20 municípios e atingindo centenas de milhares de pessoas.
Em face desse cenário de graves violações e crescentes ameaças ao equilíbrio ambiental e às interações ecológicas, o presente projeto de lei visa reconhecer os direitos do Rio Paraopeba, para fomentar ações e políticas que protejam sua integridade e promovam sua preservação. Ao garantir o direito à preservação, recuperação, participação popular, conservação e vida do Rio, busca-se contribuir para a proteção do meio ambiente e para o bem-estar dos seres vivos humanos e não humanos que vivem em sua bacia hidrográfica.
Os Direitos da Natureza, também chamados de direitos da Mãe Terra ou da Pachamama, partem da visão biocêntrica ou ecocêntrica, inserem-se no contexto de um novo paradigma ético e jurídico, que reconhece a Natureza como detentora de direitos e não como extensão de direitos humanos, de forma utilitarista e passível de ser explorada indiscriminadamente. Não se trata, portanto, do direito humano à natureza, mas do direito da natureza ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Tal perspectiva inspira-se na cosmovisão dos povos originários, que reconhece a interdependência entre os seres e elementos naturais, sejam eles minerais, vegetais, animais ou humanos.
A promulgação da Constituição Federal do Equador em 2008 figura como o marco da institucionalização dos Direitos da Natureza, repercutindo desde então em diversos países, tais como Bolívia, Argentina, Nova Zelândia, Indonésia, Índia, Colômbia, EUA e Brasil. Nos municípios brasileiros de Bonito e Paudalho, em Pernambuco, Florianópolis em Santa Catarina e Serro em Minas Gerais, já foram aprovadas legislações que reconhecem os Direitos da Natureza. Nos estados de São Paulo, Pará, Santa Catarina, Paraíba e Bahia, tramitam proposições nesse sentido. Nesta Casa Legislativa, tramita a PEC nº 12/2023 que propõe acrescentar dispositivos à Constituição do Estado de Minas Gerais, atribuindo à natureza direitos plenos, intrínsecos e perpétuos, inerentes à sua existência no planeta.
Importante destacar que, dada a relevância dos rios, os cursos d'água foram os primeiros elementos naturais a serem reconhecidos como sujeitos de direitos neste movimento que está se fortalecendo mundialmente. O Rio Laje, localizado no município de Guajará-Mirim, em Rondônia, foi o primeiro Rio brasileiro a ter direitos reconhecidos por lei.
Por essas razões, conto com o apoio dos nobres colegas para a aprovação deste projeto de lei em benefício do Rio Paraopeba e de todos os seres vivos que dele dependem.
Fontes de pesquisa:
https://www.ana.gov.br/sar/outros-sistemas-hidricos/paraopeba. Acessado em 1º de agosto de 2024.
https://comites.igam.mg.gov.br/conheca-a-bacia-sf3. Acessado em 1º de agosto de 2024.
https://www.mg.gov.br/pro-brumadinho/pagina/historico-do-rompimento-das-barragens-da-vale-na-mina-corrego-do-feijao. Acessado em 1º de agosto de 2024.
NAVARRO, E. A. Dicionário de tupi antigo: a língua indígena clássica do Brasil. São Paulo. Global. 2013. p. 591.
GUDYNAS, Eduardo. Direitos da Natureza: ética Biocêntrica e Políticas Ambientais. Editora Elefante; 1ª edição.
– Publicado, vai o projeto às Comissões de Justiça e de Meio Ambiente para parecer, nos termos do art. 188, c/c o art. 102, do Regimento Interno.