PL PROJETO DE LEI 204/2023
Projeto de Lei nº 204/2023
Dispõe sobre garantias às famílias ameaçadas de despejo em faixas de segurança sob linha de transmissão da rede elétrica da Companhia Energética de Minas Gerais (CEMIG).
A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:
Art. 1º – Remoções e despejos em áreas sob linha de transmissão da CEMIG devem ocorrer apenas em circunstâncias excepcionais, quando o deslocamento é a única medida capaz de garantir os direitos humanos.
§ 1º – Os deslocamentos não deverão resultar em pessoas ou populações sem teto, sem terra e sem território.
§ 2º – Não deverão ser realizadas remoções que afetem as atividades escolares de crianças e adolescentes, o acesso à educação e a assistência à pessoa atingida, que faz acompanhamento médico, para evitar a suspensão do tratamento.
Art. 2º – Havendo a necessidade incontornável de realização de despejos de famílias que estão em faixas de segurança sob linha de transmissão da rede elétrica da Companhia Energética de Minas Gerais (CEMIG) serão realizados os seguintes procedimentos:
I – Em caso de conflitos coletivos, envolvendo diversas famílias, seja comunicada a Mesa Estadual de Negociação e de Diálogo do Estado de Minas Gerais instituída pelo Decreto 203, de 1º de Julho de 2015, ou outros espaços de mediação de conflito fundiário instituídos, antes da realização de atos que impliquem em desalojamento forçado.
II – Notificação prévia de todas as famílias e realização de reuniões coletivas com as famílias atingidas, com equipe multidisciplinar, para elucidação de todo o processo administrativo e judicial que implica em remoções.
III – Articulação entre a CEMIG e os órgãos de políticas habitacionais de municípios e do Estado de Minas Gerais de maneira a se fixar alternativas de moradia digna para as famílias dando-se prioridade para o reassentamento em condições de igualdade em relação à moradia anterior ou em parâmetros superiores.
IV – Articulação com os órgãos de Assistência Social da localidade para avaliação das políticas sociais de amparo a pessoas em situação de vulnerabilidade e cadastro social das famílias.
V – Garantia do respeito aos princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, assegurando inclusive assistência jurídica integral gratuita aos grupos em situação de vulnerabilidade a ser prestada pela Defensoria Pública Estadual ou Federal.
VI – Escuta e participação ativa dos ocupantes, seus apoiadores, movimentos sociais e assessorias técnicas, na criação das instâncias e procedimentos a serem adotados para soluções garantidoras de direitos humanos.
VII – Participação dos órgãos responsáveis pela política fundiária municipais e/ou estaduais em todo o processo, bem como órgãos do sistema de justiça, favorecendo a adoção de soluções consensuais fundadas em metodologias de mediação de conflitos fundiários.
VIII – Priorização do modo de vida, cultura, usos e costumes dos envolvidos, bem como suas crenças e tradições, respeitando a organização social de cada comunidade afetada, considerando, ainda, a necessidade de consulta prévia, livre, informada e de boa-fé.
Art. 3º – A retirada forçada de populações e a posterior destinação da área para outros fins públicos ou privados consolida a violação de direitos humanos ocorrida, e dá ensejo à reparação de todos os afetados pela privação sofrida, bem como é fundamento para obrigação do Estado de realocação em condições adequadas.
Art. 4º – O uso de violência física, psicológica, simbólica, constrangimento ilegal, ameaça, e qualquer apropriação dos pertences pessoais durante as remoções é ilegal e passível de responsabilização cível, criminal e administrativa, devendo ser observados o direito à intimidade, privacidade, não discriminação e dignidade humana.
Art. 5º – Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Sala das Reuniões, 2 de fevereiro de 2023.
Bella Gonçalves (PSOL)
Justificação: O déficit habitacional em Minas Gerais está entre os mais altos do Brasil, ficando atrás apenas dos estados do Rio de Janeiro e São Paulo. Segundo pesquisa da Fundação João Pinheiro (FJP) - Disponível em: http://fjp.mg.gov.br/wp-content/uploads/2021/04/21.05_Relatorio-Deficit-Habitacional-no-Brasil-2016-2019-v2.0.pdf. - o déficit habitacional em Minas Gerais alcança a marca de 428.000 unidades. No entanto, movimentos sociais estimam que esse número pode atingir 700.000 unidades.
Esse cenário coloca a dezenas de milhares de famílias no Estado de Minas Gerais a necessidade de se estabelecerem em locais fora das áreas formais nas cidades que se apresentam como inviáveis para moradia das camadas populares da sociedade que não possuem poder aquisitivo para arcar com os valores de aluguel ou compra de casa pelo mercado imobiliário. Dessa forma, há muitas famílias que se encontram morando em áreas próximas a torres de transmissão de energia da CEMIG.
Diante desse cenário, as intervenções que visam remover famílias dessas áreas, devem buscar preservar o respeito pela comunidade, sua cultura e os seus valores locais, assim como a valorização do potencial produtivo da comunidade beneficiária e o respeito ao meio ambiente, como elemento de promoção e conquista justiça ambiental.
O presente projeto de lei considera que a CEMIG como empresa estatal possui o dever de exercer sua responsabilidade social tendo a obrigação administrativa de tomar atitudes que protejam e promovam o bem-estar da sociedade como um todo. A construção e apresentação deste projeto é resultado do contato com experiências dos movimentos sociais que trabalham na linha de frente dos despejos forçados no Estado de Minas Gerais.
Certa da importância e da conveniência do projeto de lei ora apresentado, conto com o apoio dos nobres pares para a sua aprovação.
– Semelhante proposição foi apresentada anteriormente pelo deputado Doutor Jean Freire. Anexe-se ao Projeto de Lei nº 3.668/2022, nos termos do § 2º do art. 173 do Regimento Interno.