PL PROJETO DE LEI 1820/2023
Projeto de Lei nº 1.820/2023
Estabelece políticas públicas para pessoas com coagulopatias hereditárias no Estado.
A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:
Art. 1º – Fica assegurado a todos os pacientes com coagulopatias hereditárias o direito de realizar a profilaxia domiciliar, sendo dever do Estado fornecer o material necessário para o procedimento.
§ 1º – Para cumprimento do disposto no caput, o responsável pela infusão domiciliar deverá receber treinamento prévio fornecido por médico ou enfermeiro capacitado.
§ 2º – Entende-se por responsável, qualquer pessoa indicada pela pessoa com coagulopatia hereditária ou seu responsável legal.
Art. 2º – Deverão ser desenvolvidas e promovidas campanhas de conscientização sobre as coagulopatias hereditárias, incluindo a elaboração de cartilhas informativas para aumentar o conhecimento sobre seus tipos, sintomas, cuidados e tratamentos.
Art. 3º – Serão equiparadas às pessoas com deficiência, para a concessão de benefícios sociais promovidos pelo poder público estadual, as pessoas com diagnóstico de coagulopatias hereditárias.
§ 1º – Para fazer jus aos benefícios, o interessado deverá apresentar laudo fornecido por médico credenciado pelo Sistema Único de Saúde – SUS – ou da rede privada devidamente inscrito no seu respectivo órgão ou conselho de classe, atestando sua condição e o respectivo CID da doença.
§ 2º – Deverão ser observadas as demais condições estabelecidas para a concessão do benefício solicitado.
Art. 4º – Os estabelecimentos públicos e privados deverão garantir a preferência no atendimento de pessoas com coagulopatias hereditárias.
Parágrafo único – Deverá ser afixada em local visível e de fácil acesso uma placa contendo informações sobre o que são coagulopatias hereditárias, assegurando a preferência ao atendimento de pessoas nessa condição.
Art. 5º – As despesas decorrentes da execução desta lei correrão à conta de dotações orçamentárias próprias, consignadas no orçamento e suplementadas se necessário.
Art. 6º – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Sala das Reuniões, 4 de dezembro de 2023.
Doutor Jean Freire, Líder da Minoria (PT).
Justificação: As coagulopatias hereditárias são doenças da coagulação. As mais comuns são a hemofilia tipo A e B e a doença de Von Willebrand. A hemofilia é uma doença hemorrágica predominante de herança genética. Ela se caracteriza pela deficiência do fator VIII (hemofilia A) ou do fator IX (hemofilia B), o que impede a coagulação do sangue, causando sangramentos externos e internos (musculares, articulares, cerebrais e nas cavidades abdominais).
A hemofilia afeta mais de 12 mil pessoas no Brasil, com maior frequência em mais de 97% do sexo masculino e cerca de 35% de crianças e jovens até 19 anos. As hemofilias A e B ocorrem, respectivamente, na proporção de 1:10.000 e 1:40.000 nascimentos de crianças do sexo masculino, não apresentando variação racial ou étnica. Assim, de acordo com a sua prevalência na população brasileira, a hemofilia é considerada uma doença rara, definida pelas normas estabelecidas pela política pública para doenças raras e, portanto, merece a mesma atenção.
As doenças raras são caracterizadas por uma ampla diversidade de sinais e sintomas, variando não só de doença para doença, mas também de pessoa para pessoa acometida pela mesma condição. Manifestações relativamente frequentes podem simular doenças comuns, dificultando o diagnóstico, causando elevado sofrimento clínico e psicossocial aos afetados, bem como às suas famílias. Geralmente, as doenças raras são crônicas, progressivas e incapacitantes, podendo ser degenerativas e levar à morte, afetando a qualidade de vida das pessoas e de suas famílias.
Além disso, muitas delas não possuem cura, sendo o tratamento um acompanhamento clínico, fisioterápico, fonoaudiológico, psicoterápico, entre outros, com o objetivo de aliviar os sintomas ou retardar seu aparecimento. Embora individualmente raras, como grupo, elas acometem um percentual significativo da população, resultando em um problema de saúde relevante.
A hemofilia é classificada de acordo com o nível de atividade coagulante do fator deficiente: leve (5% a 40%), moderada (1% a 5%) e grave (inferior a 1%). A manifestação clínica mais frequente nos pacientes com hemofilia grave são as hemorragias em músculos esqueléticos, principalmente as hemartroses, que podem ser ocasionadas por trauma ou de forma espontânea; 80% dos sangramentos são articulares, provocando deficiências físicas e dores permanentes. Contudo, inexiste política de reconhecimento doença como deficiência, o que seria uma medida de proteção e inclusão para esses pacientes.
As hemartroses de repetição em uma mesma articulação (articulação-alvo) podem levar à degeneração articular progressiva, denominada artropatia hemofílica, podendo ocorrer em quaisquer articulações. As articulações mais acometidas em ordem decrescente de frequência são: joelhos, cotovelos, tornozelos, quadris e ombros. Na hemofilia grave, a frequência desses episódios hemorrágicos varia com a idade, sendo mais constantes e graves na infância e adolescência.
O tratamento da hemofilia consiste na reposição do fator da coagulação por meio dos concentrados de fator plasmático ou recombinante ou do uso de anticorpos monoclonais, medicamentos de alto custo, adjuvantes na profilaxia dos sangramentos, fornecidos pelo Ministério da Saúde. Não há cura para as hemofilias; os objetivos de tratamento são prevenir e tratar hemorragias para evitar diagnósticos tardios, artropatias incapacitantes com dano tecidual, melhorando assim a qualidade de vida e a sobrevida.
A prevenção ou tratamento das hemartroses e outros episódios hemorrágicos na hemofilia envolvem a infusão intravenosa do fator de coagulação deficiente, que pode ser feita em ambiente hospitalar, ambulatorial ou domiciliar. Atualmente, existem duas modalidades de tratamento na hemofilia, com maior concentração de fatores de coagulação: tratamento sob demanda e tratamento profilático.
O tratamento sob demanda refere-se à infusão do concentrado do fator de coagulação após o episódio hemorrágico; nesse caso, a reposição deve ser repetida diariamente até que os sinais e sintomas cessem. O tratamento profilático subdivide-se em três modalidades: (1) a profilaxia primária, referindo-se ao tratamento de reposição administrado de maneira periódica e ininterrupta, antes da ocorrência da segunda hemartrose e dos 3 anos de idade; (2) a profilaxia secundária de longo prazo, referindo-se ao tratamento de reposição em geral para tratamento de sangramentos frequentes; e (3) a profilaxia terciária, referindo-se ao tratamento de reposição administrado de maneira periódica, comprovada a doença articular condral.
Mais recentemente, existem medicamentos que não são fatores de coagulação, mas anticorpos monoclonais, representando um grande avanço no tratamento, principalmente nos bebês e crianças com hemofilia A. Um desses medicamentos, com registro na Anvisa, mas atualmente disponível para uma pequena parcela dos pacientes, é o Emicizumabe, que permite a injeção subcutânea e não venosa a cada uma a três semanas. Isso representa a possibilidade de vida plena principalmente para as crianças com difícil acesso venoso e suas famílias.
A magnitude das manifestações hemorrágicas nas hemofilias varia conforme a gravidade do caso. Assim, em pacientes com as formas graves da doença, as primeiras hemorragias geralmente ocorrem antes do segundo ano de vida. As simples atividades da vida diária, como caminhar e correr, podem produzir hemorragias internas nas partes do corpo onde há muita atividade e esforço. Tudo isso acarreta perda de emprego ou impacto negativo no trabalho, para os próprios pacientes e seus familiares.
Dessa forma, o presente projeto de lei busca estabelecer uma política abrangente e integrada para garantir acesso ao tratamento adequado, conscientização, educação e benefícios às pessoas diagnosticadas com coagulopatias hereditárias, promovendo, assim, a igualdade de oportunidades, o bem-estar e a qualidade de vida dessas pessoas.
– Publicado, vai o projeto às Comissões de Justiça, de Saúde e de Fiscalização Financeira para parecer, nos termos do art. 188, c/c o art. 102, do Regimento Interno.