MSG MENSAGEM 148/2021
MENSAGEM Nº 148/2021
Belo Horizonte, 5 de agosto de 2021.
Excelentíssimo Senhor Presidente da Assembleia Legislativa,
Vossas Excelências – Senhoras e Senhores Deputados
Com meus cordiais cumprimentos, comunico a Vossas Excelências – Senhor Presidente e Senhoras e Senhores Deputados –, que, nos termos do inciso II do art. 70 da Constituição do Estado, decidi opor veto total, por inconstitucionalidade e contrariedade ao interesse público, à Proposição de Lei nº 24.823, de 2021, que altera a Lei nº 23.081, de 10 de agosto de 2018, que dispõe sobre o Programa de Descentralização da Execução de Serviços para as Entidades do Terceiro Setor e dá outras providências, e a Lei nº 23.750, de 23 de dezembro de 2020, que estabelece normas para contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público.
Ouvidas a Secretaria de Estado de Fazenda – SEF, a Secretaria de Estado de Governo – Segov, a Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão – Seplag, a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública – Sejusp e as demais secretarias e órgãos afetos à matéria objeto desta mensagem, sintetizo, a seguir, os motivos do veto.
Motivos do Veto
A Proposição tem por finalidade vedar a celebração de instrumentos legais e legítimos de parceria entre a Administração Pública e organizações da sociedade civil em algumas atividades voltadas ou vinculadas a serviços de saúde, educação e segurança.
Observo, contudo, que a referida vedação à Administração Pública por meio de autoria parlamentar viola o princípio constitucional da reserva de competência do Poder Executivo. Lembro que os princípios de reserva de competência pela especialidade funcional dos Poderes e órgãos do Estado são expressões institucionais do princípio constitucional da separação de Poderes. Portanto, as reservas de competência são garantidoras do Estado Democrático-Constitucional de Direito, pois têm por finalidade a racionalização, desconcentração, otimização e controle da titularidade e exercício das funções de Estado, de modo a evitar a acumulação de funções e competências num mesmo Poder ou órgão em prejuízo do interesse público, da sociedade e dos cidadãos.
O conteúdo da Proposição é afeto à discricionariedade administrativa; logo, é de competência exclusiva do Poder Executivo (reserva de administração). A questão objeto desta mensagem tem respaldo em jurisprudência pacificada pelo Supremo Tribunal Federal – STF nos termos do seguinte acórdão:
“Agravo Regimental no recurso extraordinário. Serviços públicos e organização administrativa. Processo legislativo. Iniciativa. Poder Executivo. À luz do princípio da simetria, são de iniciativa do Chefe do Poder Executivo estadual as leis que versem sobre serviços públicos e organização administrativa do Estado.” (STF, RE nº 396.970 AgR/SP,Rel. Min. Eros Grau, DJe 9/10/2009).
Ainda sobre o tema, são relevantes os fundamentos jurídicos adotados pelo STF quando do julgamento do RE nº 534.383:
“(...) Na verdade, a norma ora impugnada possui caráter regulamentar, pois trata de ato administrativo propriamente dito, aspecto procedimental concernente à exploração de serviço municipal. Assim, tem-se também por malferido o art. 84, IV, a, da Carta Política, que determina ser da competência privativa do Chefe do Executivo os atos relativos à organização e ao funcionamento da Administração Pública. (...) Desse modo, a iniciativa parlamentar de lei que versa sobre serviços públicos denota ingerência do Poder Legislativo no âmbito de atuação reservado ao Poder Executivo, constituindo ofensa ao princípio constitucional da reserva de administração, corolário da separação de poderes.” (STF, RE nº 534.383/SP, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 17/12/2012).
A par da inconstitucionalidade apontada, a Proposição acarretará a interrupção imediata dos programas que fazem parte da Política Estadual de Prevenção Social à Criminalidade. Os programas que serão prejudicados em sua execução são desenvolvidos pela Subsecretaria de Prevenção à Criminalidade da Sejusp, por meio do Programa Central de Acompanhamento de Alternativas Penais – Ceapa, Programa de Controle de Homicídios – Fica Vivo, Programa de Inclusão Social de Egressos do Sistema Prisional – PrEsp e Programa Mediação de Conflitos – PMC.
A Lei nº 23.450, de 24 de outubro de 2019 – que dispõe sobre a Política Estadual de Prevenção Social à Criminalidade –, estabeleceu como um dos seus objetivos a promoção, elaboração e coordenação de ações, projetos e programas de prevenção social à criminalidade nos níveis individual e coletivo. Para a consecução desse objetivo é adotado o fomento à criação e à ampliação de redes de prevenção social à criminalidade, inclusive por meio de convênios e parcerias com entidades da iniciativa privada.
Ou seja, a Política Estadual de Prevenção Social à Criminalidade não só permite como estimula o Estado a celebrar parcerias com entidades da iniciativa privada, unindo esforços para o alcance de objetivos comuns.
O intuito é propiciar a consecução dos interesses públicos de modo mais eficiente, não só porque tais organizações atuam com grande profissionalismo, mas também porque os seus métodos de gestão apresentam flexibilidade razoável se comparados aos que tradicionalmente são empregados pelos setores públicos, atualmente engessados e com baixo grau de eficiência gerencial e de qualidade dos serviços prestados aos cidadãos, cidadãs e à sociedade.
Ademais, a Proposição também não se amolda aos enunciados das políticas de segurança pública no plano federal, a exemplo da recente Lei Federal nº 13.675, de 11 de junho de 2018, que cria a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social – PNSPDS – e institui o Sistema Único de Segurança Pública – Susp –, entre outras providências. A PNSPDS indica, como diretriz geral, a adoção de estratégias de articulação entre órgãos públicos, entidades privadas, corporações policiais e organismos internacionais, a fim de implantar parcerias para a execução de políticas de segurança pública e defesa social.
Em Minas Gerais, o fortalecimento das parcerias entre o Estado e a iniciativa privada remonta ao ano de 2004. Com a alteração da Lei de Execução Penal foram estabelecidas as diretrizes para a cooperação entre o Estado e as Associações de Proteção e Assistência aos Condenados – Apacs para a administração de centros de recuperação de presos. Ela prevê que as Apacs – entidades civis de direito privado, sem fins lucrativos, que tenham firmado convênio com o Estado para a administração de unidades prisionais destinadas ao cumprimento de pena privativa de liberdade – são órgãos da execução penal. Às referidas associações cabe o gerenciamento dos regimes de cumprimento de pena das unidades que administrarem, nos termos do convênio firmado com o Poder Executivo estadual.
Segundo informações prestadas pela Sejusp, uma vaga nos estabelecimentos construídos para abrigar os presos (recuperandos) em uma Apac tem custado 1/3 (um terço) do valor da vaga de uma penitenciária dedicada ao sistema comum. Além disso, o processo de execução da pena em uma Apac promove maior dignidade ao detento e a seus familiares do que o modelo tradicional das penitenciárias, sendo, portanto, muito mais condizente com as diretrizes dos Direitos Humanos e as da boa gestão pública.
Observo, ainda, que, segundo informação disponibilizada na página eletrônica do Tribunal de Justiça de Minas Gerais – TJMG –, estima-se que a reincidência entre os egressos das unidades Apacs é de cerca de 15% (quinze por cento) enquanto que a dos oriundos do sistema comum alcança 70% (setenta por cento). O TJMG também informa que o sistema Apac possui como pilares a participação da sociedade, o trabalho e a valorização humana.
Tendo por base os dados acima mencionados e diante dos resultados relacionados à não reincidência muito superiores aos do sistema comum, destaco que foi aprovado nesta Casa Legislativa Proposição de Lei de autoria parlamentar que resultou na Lei nº 22.864, de 8 de janeiro de 2018. A referida norma destina 20% (vinte por cento) dos recursos referentes à criação de vagas no sistema prisional para as entidades civis de direito privado sem fins lucrativos que tenham firmado convênio com o Estado para a administração de unidades prisionais destinadas ao cumprimento de pena privativa de liberdade.
Por fim, ressalto que as experiências bem-sucedidas no setor de segurança podem ser igualmente reproduzidas no âmbito da educação e da saúde, com ganhos gerenciais efetivos e com aumento substancial da qualidade dos serviços públicos a serem prestados aos cidadãos e cidadãs. Saliento que a sociedade mineira tem expectativas de modernização dos serviços públicos que lhe são disponibilizados, fim último do Estado. Os modelos legais e gerenciais que nos são oferecidos na atualidade já nos possibilitam algum avanço na modernização da gestão, do financiamento, do controle e da qualidade dos serviços públicos. Aliás, as experiências exitosas em Minas Gerais e em todo os entes federativos brasileiros na adoção de modelos alternativos de gestão compartilhada de serviços públicos entre o Estado e a sociedade civil e a iniciativa privada remontam a governos de diferentes matrizes ideológicas desde 1988.
Em suma, a participação de organizações da sociedade civil, em corresponsabilidade com o Estado, está assentada em marcos legais, precedentes judiciais de tribunais superiores, controle institucional e por práticas administrativas exitosas que resultam em benefício da qualidade do serviço prestado à sociedade e na eficiência administrativa, em sintonia com o art. 37 da Constituição da República.
Portanto, o veto à Proposição tem fundamento na sua inconstitucionalidade e na contrariedade ao interesse público.
Em conclusão, Senhor Presidente e Senhoras e Senhores Deputados, esses são os motivos de inconstitucionalidade e de contrariedade ao interesse público que me levam a vetar totalmente a Proposição acima, os quais submeto à elevada apreciação das Senhoras e Senhores Membros da Assembleia Legislativa.
Na oportunidade, reitero meu apreço e consideração a Vossas Excelências – Senhor Presidente e Senhoras e Senhores Deputados – e ao Povo Mineiro.
Romeu Zema Neto, Governador do Estado.