PRE PROJETO DE RESOLUÇÃO 118/2021
Projeto de Resolução nº 118/2021
Susta os efeitos da Deliberação Covid-19 nº 130, de 3 de março de 2021, que “institui o Protocolo Onda Roxa em Biossegurança Sanitário-Epidemiológico – Onda Roxa – com a finalidade de manter a integridade do Sistema Estadual de Saúde e a interação das redes locais e regionais de assistência à saúde pública, em razão da pandemia de Covid-19”
A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais aprova:
Art. 1º – Ficam sustados, em conformidade com o art. 62, inciso XXX, da Constituição do Estado de Minas Gerais e art. 100, inciso XVII e § 1º, do Regimento Interno da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, os efeitos da Deliberação Covid-19 nº 130, de 3 de março de 2021, que “institui o Protocolo Onda Roxa em Biossegurança Sanitário-Epidemiológico – Onda Roxa – com a finalidade de manter a integridade do Sistema Estadual de Saúde e a interação das redes locais e regionais de assistência à saúde pública, em razão da pandemia de Covid-19”.
Art. 2º – Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação.
Sala das Reuniões, 24 de março de 2021.
Sargento Rodrigues, presidente da Comissão de Segurança Pública (PTB).
Justificação: O governo do Estado, por meio do Comitê Extraordinário Covid-19, editou a Deliberação Covid-19 nº 130, de 3 de março de 2021, que “institui o Protocolo Onda Roxa em Biossegurança Sanitário-Epidemiológico – Onda Roxa – com a finalidade de manter a integridade do Sistema Estadual de Saúde e a interação das redes locais e regionais de assistência à saúde pública, em razão da pandemia de Covid-19”.
A norma em questão, ao instituir a denominada “onda roxa” no Estado, impõe medidas restritivas ao exercício das atividades econômicas – permitindo apenas o funcionamento das atividades consideradas essenciais – e à livre circulação das pessoas –, impondo “toque de recolher” de 20h às 5h, ou seja, a proibição de que as pessoas permaneçam na rua em um determinado horário, medidas estas que ofendem os direitos fundamentais de reunião, de locomoção e de exercício do trabalho e da atividade econômica, previstos no art. 5º, incisos XIII, XV e XVI da Constituição da República.
A esse respeito, destacam-se os seguintes dispositivos da Deliberação Covid-19 nº 130, de 2021:
“Art. 3º – Os Municípios, no âmbito de suas competências, devem suspender todos os serviços, comércios, atividades ou empreendimentos, públicos ou privados, que não sejam essenciais nos termos desta deliberação.
Parágrafo único – A suspensão de que trata o caput não se aplica:
I – às atividades de operacionalização interna dos estabelecimentos comerciais, desde que respeitados os protocolos sanitários dispostos no Plano Minas Consciente;
II – às atividades comerciais que se realizarem por meio de aplicativos, internet, telefone ou outros instrumentos similares, e de entrega de mercadorias em domicílio ou de retirada em balcão, vedado o consumo no próprio estabelecimento; (Redação do inciso dada pela Deliberação Covid-19 nº 136 de 10/3/2021).
III – às atividades internas necessárias à transmissão de quaisquer eventos sem público. (Inciso acrescentado pela Deliberação Covid-19 nº 136 de 10/3/2021).
(…)
Art. 7º – Fica determinado, a partir da implementação da Onda Roxa, além de outras medidas definidas pela Secretaria de Estado de Saúde – SES a proibição de:
I – funcionamento das atividades socioeconômicas entre 20h e 5h, observado o disposto no § 3º; (Redação do inciso dada pela Deliberação Covid-19 nº 136 de 10/3/2021).
II – circulação de pessoas fora das hipóteses previstas nesta deliberação; (Redação do inciso dada pela Deliberação Covid-19 nº 136 de 10/3/2021).
III – circulação de pessoas sem o uso de máscara de proteção, em qualquer espaço público ou de uso coletivo, ainda que privado;
IV – circulação de pessoas com sintomas gripais, exceto para a realização ou acompanhamento de consultas ou realização de exames médico hospitalares;
V – realização de visitas sociais, eventos, encontros e reuniões de qualquer natureza, públicos ou privados, ressalvado o disposto no inciso III do parágrafo único do art. 3º. (Redação do inciso dada pela Deliberação Covid-19 nº 136 de 10/3/2021).
§ 1º – Será permitida a circulação de pessoas para:
I – o acesso a atividades, serviços e bens previstos nesta deliberação; (Redação do inciso dada pela Deliberação Covid-19 nº 136 de 10/3/2021).
II – o comparecimento, próprio ou na condição de acompanhante, a consultas ou realização de exames médico-hospitalares, quando necessário;
III – o comparecimento ao local de trabalho ou a realização das atividades e dos serviços permitidos nos termos desta deliberação. (Redação do inciso dada pela Deliberação Covid-19 nº 136 de 10/3/2021).
§ 2º – Na hipótese do § 1º, poderá ser exigido pelo poder público a apresentação de documento que comprove o vínculo profissional com a atividade essencial ou a necessidade do deslocamento. (...)”
Os direitos fundamentais, por serem considerados cláusulas pétreas, não podem ser restringidos, ainda mais por ato infralegal, nos termos do art. 60, § 4º, da Constituição da República.
A calamidade pública ou a emergência em saúde pública, decorrente da pandemia de Covid-19, é uma situação gravíssima que demanda pronta atuação do Estado, todavia, em observância ao princípio da legalidade, não são válidas a imposição, via ato infralegal, de restrições típicas de estados de exceção sem a configuração do estado excepcional ou do permissivo legal para tanto.
É importante destacar que a emergência em saúde, ainda que em situação de calamidade pública, não é suficiente para impor um “toque de recolher” aos cidadãos, até porque esta medida sequer é prevista nos estados de defesa e de sítio (institutos privativos do presidente da República), como se extrai dos arts. 136, 137 e 139 da Constituição da República, sendo admitida apenas, no estado de sítio, a obrigação de permanência em localidade determinada quando ineficazes as medidas adotadas anteriormente no estado de defesa.
Outro ponto a ser levado em consideração é que medida restritiva, tal qual o “toque de recolher”, deve estar amparada em comprovação científica que a abalize, ou seja, é necessário, por exemplo, justificar a correlação entre a restrição de circulação noturna das pessoas e a contenção da pandemia para a sua adoção.
Sobre o tema, já se pronunciou o Tribunal de Justiça do Paraná: “Habeas Corpus. Ato coator abusivo emanado do chefe do Poder Executivo municipal. Imposição de 'toque de recolher' em razão da pandemia do coronavírus – Covid-19 (art. 2 º do decreto municipal n. 082/2020). Restrição na liberdade de ir e vir. Constrangimento ilegal verificado. Inexistente fundamento legal ou científico que avalize, ao momento, o ato constritivo da liberdade de ir e vir. Matéria já dirimida pelo STF, que confirmou entendimento deste relator. Superveniente revogação habeas corpus nº 0016440-55.2020.8.16.0000 do Decreto municipal n. 082/2020. Perda de objeto. Habeas Corpus Prejudicado. (TJPR – 2ª C. Criminal – 0016440-55.2020.8.16.0000 (decisão monocrática) – Rel.: Desembargador José Maurício Pinto de Almeida – J. 30.04.2020)”.
No mesmo sentido é a jurisprudência do STF: “Ementa: Agravo regimental na suspensão de tutela provisória. Decisão em que se indeferiu o pleito suspensivo. Pretensão de imposição de restrições à circulação de ônibus interestaduais por parte do Estado da Bahia. Medida excepcional que depende de evidências e estudos científicos para embasá-la, os quais são inexistentes no caso. Risco de lesão à ordem ou à saúde públicas não demonstrado. Agravo regimental não provido. 1. Em tempos de pandemia, os inevitáveis conflitos federativos decorrentes da adoção de providências tendentes a combatê-la devem ser equacionados pela tomada de medidas coordenadas e voltadas ao bem comum, sempre respeitada a competência constitucional de cada ente da Federação para atuar dentro de sua área territorial, com vistas a resguardar sua necessária autonomia para assim proceder. 2. É inviável, assim, que a imposição de restrições à circulação de ônibus interestaduais seja feita sem a prévia análise de informações estratégicas da área de saúde, conforme previsto no art. 3º, § 1º, da Lei nº 13.979/20. 3. Ausência de demonstração, ademais, do alegado risco de lesão à ordem administrativa estatal ou à saúde pública a fundamentar a pretendida concessão da medida de contracautela. 4. Agravo regimental não provido. (STP 299 AgR. Relator(a): Min. Dias Toffoli. Julgamento: 16/9/2020. Publicação: 26/10/2020)”.
Por outro lado, não se pode olvidar que a Lei Federal nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, não impôs medida genérica de suspensão de atividades privadas ou “oque de recolher”, apenas autorizou, em seu art. 3º, que o poder público adotasse as seguintes providências interventivas, de modo a evitar contaminação ou propagação epidêmica: isolamento social (de pessoas doentes ou contaminadas), a quarentena (restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas de contaminação das pessoas que não estejam doentes) e a restrição de locomoção interestadual ou intermunicipal.
Nota-se que a referida lei federal pressupõe para a aplicação das medidas restritivas (isolamento ou quarentena) a presença de evidências ou indícios de contaminação (doença ou suspeita de doença), sendo essa a única justificativa permissível para embasar o poder de coerção estatal. Admite-se apenas restrições genéricas, incondicionadas ou preventivas para evitar o deslocamento de pessoas entre as unidades federativas.
Registra-se, também, que a referida lei federal em seu art. 3º, § 9º, permite tão somente que os decretos locais disponham sobre quais são as atividades essenciais, mas não sobre quais atividades podem vir a ter seu funcionamento suspenso por risco sanitário.
À luz de uma leitura constitucional, é preciso, ao se estabelecer medidas restritivas para contenção de situação de emergência em saúde pública, observar o princípio da proporcionalidade, de forma a preservar um mínimo de autonomia econômica das pessoas e a possibilitar a sua subsistência pessoal e familiar.
Nos termos de entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal na ADI nº 6341, os estados e municípios podem dispor sobre medidas sanitárias complementares, regulamentando, por exemplo, os limites de atendimento do comércio local. Entretanto, essas restrições devem ser impostas por legislação própria. E, na ausência de lei, ato infra legal que estabeleça as medidas restritivas exorbita do seu poder regulamentar e configura ato normativo autônomo, capaz de ser sustado nos termos do art. 62, XXX, da Constituição do Estado.
São os motivos ora apresentados que levaram à apresentação do Projeto de Resolução, requerendo a adesão dos demais pares.
– Semelhante proposição foi apresentada anteriormente pelo deputado Bruno Engler. Anexe-se ao Projeto de Resolução nº 117/2021, nos termos do § 2º do art. 173 do Regimento Interno.