PL PROJETO DE LEI 29/2019
Projeto de Lei nº 29/2019
Dispõe sobre a política estadual de controle do acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado e dá outras providências.
A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:
Art. 1º – Esta lei, com fundamento no inciso VI do art. 24 e nos incisos I, II e VII do § 1º do art. 225 da Constituição Federal, dispõe sobre a política estadual de controle do acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado no território mineiro.
§ 1º – O Estado exercerá, nos limites de sua competência, o controle e a fiscalização do acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado, sem prejuízo da legislação federal pertinente.
§ 2º – Esta lei não se aplica:
I – ao patrimônio genético humano;
II – ao consumo próprio e ao intercâmbio de componente do patrimônio genético realizado pelas comunidades tradicionais e pelas populações indígenas, entre si, para seus próprios fins e baseados em sua prática costumeira.
Art. 2º – Para os efeitos desta lei, são adotadas as seguintes definições:
I – acesso ao patrimônio genético: obtenção de amostra de componente do patrimônio genético para fins de pesquisa científica, de desenvolvimento tecnológico, bioprospecção ou conservação, visando a sua aplicação industrial ou de outra natureza;
II – acesso ao conhecimento tradicional associado: obtenção de informação sobre conhecimento ou prática individual ou coletiva, associada ao patrimônio genético, de comunidade indígena ou comunidade local, para fins de pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico ou bioprospecção, visando sua aplicação industrial ou de outra natureza;
III – bioprospecção - atividade exploratória que visa identificar componente do patrimônio genético e informação sobre conhecimento tradicional associado, com potencial de uso comercial;
IV – centro de conservação ex situ: entidade reconhecida pela Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia, que coleciona e conserva os componentes de diversidade biológica fora de seus habitats naturais;
V – comunidade local: grupo humano, incluindo remanescentes de comunidades de quilombos, distinto por suas condições culturais, que se organiza, tradicionalmente, por gerações sucessivas e costumes próprios, e que conserva suas instituições sociais e econômicas;
VI – condições ex situ: manutenção de amostra de componente do patrimônio genético fora de seu habitat natural, em coleções vivas ou mortas;
VII – condições in situ: condições em que os recursos genéticos existem em ecossistemas e habitats naturais e, no caso de espécies domesticadas ou cultivadas, nos meios onde tenham desenvolvido suas propriedades características;
VIII – conhecimento tradicional associado: informação ou prática individual ou coletiva de comunidade indígena ou comunidade local, com valor real ou potencial, associada ao patrimônio genético;
IX – contrato de acesso: acordo entre o órgão estadual competente e pessoas físicas ou jurídicas, o qual estabelece os termos e as condições para o acesso aos recursos genéticos, incluindo, obrigatoriamente, a repartição de benefícios e o acesso e a transferência de tecnologia, de acordo com o previsto nesta lei;
X – diversidade biológica ou biodiversidade: variedade de organismos vivos de todas as origens, compreendendo, entre outros, os ecossistemas terrestres, os ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos de que fazem parte, bem como a diversidade dentro de espécies, entre espécies e de ecossistemas;
XI – diversidade genética: variedade de genes e genótipos entre as espécies e dentro delas, a parte ou o todo da informação genética contida nos recursos biológicos;
XII – ecossistema: um complexo dinâmico de comunidades vegetais, animais e de microorganismos e o seu meio inorgânico que interagem como uma unidade funcional;
XIII – erosão genética: perda ou diminuição da diversidade genética, por ação antrópica ou por causa natural;
XIV – material genético: todo material de origem vegetal, animal, microbiana ou outra que contenha unidades funcionais e hereditariedade;
XV – patrimônio genético: informação de origem genética, contida no todo ou em parte de espécime vegetal, fúngico, microbiano ou animal, em substâncias provenientes do metabolismo desses seres vivos e de extratos obtidos desses organismos vivos ou mortos, encontrados em condições in situ, inclusive domesticada, ou mantidos em coleções ex situ, desde que coletados em condições in situ, no território do Estado;
XVI – produto derivado: produto natural isolado de origem biológica, ou que nele esteja estruturalmente baseado, ou ainda que tenha sido de alguma forma criado a partir da utilização de um conhecimento tradicional a ele associado;
XVII – uso sustentável: utilização de componentes da diversidade biológica de modo e em ritmo tais que não levem, no longo prazo, à diminuição da diversidade biológica, mantendo assim seu potencial para atender às necessidades e aspirações das gerações presentes e futuras.
Art. 3º – A implementação da política estadual de controle do acesso ao componente do patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado obedecerá aos seguintes princípios e diretrizes:
I – preservação da diversidade e da integridade do patrimônio genético existente no território do Estado;
II – proteção do conhecimento tradicional associado ao patrimônio genético;
III – responsabilidade, solidariedade, reciprocidade, prudência e prevenção de riscos no acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado;
IV – reconhecimento da biodiversidade como bem de interesse público;
V – reconhecimento dos valores ecológico, social, econômico, educacional, cultural, turístico e estético da diversidade biológica;
VI – reconhecimento dos direitos relativos ao conhecimento tradicional associado detido por comunidade local ou por população indígena;
VII – incentivo à pesquisa e ao desenvolvimento de tecnologias que possibilitem a utilização do patrimônio genético e do conhecimento tradicional associado em prol da humanidade;
VIII – controle e fiscalização do acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado;
IX – proibição de acesso a componente do patrimônio genético que possa acarretar danos ao meio ambiente e afetar a biodiversidade;
X – participação do Estado nos benefícios econômicos, científicos, tecnológicos e sociais decorrentes das atividades de acesso ao patrimônio genético;
XI – compatibilização do acesso ao patrimônio genético com as políticas, os princípios e as normas relativos à biossegurança, ao meio ambiente e à segurança alimentar.
Art. 4º – Para a consecução da política de que trata esta lei, compete ao Poder Executivo:
I – desenvolver estudos, projetos e programas que visem à conservação, ao monitoramento e à recuperação da biodiversidade do Estado;
II – identificar processos e atividades nocivos à conservação da biodiversidade;
III – estimular a implantação de projetos de conservação da diversidade biológica em condições in situ e ex situ;
IV – promover a capacitação de pessoal para a proteção, a fiscalização, o estudo e o uso sustentável da diversidade biológica;
V – criar cadastro para registro de conhecimentos tradicionais associados ao patrimônio genético;
VI – estabelecer e manter instalações para a conservação e pesquisa ex situ;
VII – apoiar a criação de unidades de conservação que tenham por finalidade promover a preservação de espécies, de habitats e de ecossistemas representativos;
VIII – estabelecer, em sua esfera de competência, sistema de cadastramento, acompanhamento, controle e fiscalização, de:
a) pessoas físicas e jurídicas autorizadas a acessar o patrimônio genético e o conhecimento tradicional associado;
b) atividades de acesso e de remessa de amostra de componente do patrimônio genético;
IX – firmar contratos de acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado.
Art. 5º – O acesso a componente do patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado no território do Estado dependerá de cadastramento prévio da entidade interessada no órgão estadual competente, na forma do regulamento.
§ 1º – O acesso ao conhecimento tradicional associado dependerá de consentimento prévio da comunidade local ou da população indígena.
§ 2º – A anuência para o acesso a componente do patrimônio genético e seu produto derivado só será concedida a instituição de reconhecida idoneidade e capacidade técnica, que exerça atividades de pesquisa e desenvolvimento nas áreas biológicas, agrárias, humanas e afins.
§ 3º – A participação de pessoa jurídica sediada no exterior na coleta de amostras de componentes do patrimônio genético ou de seus produtos derivados ou de informações relativas ao conhecimento tradicional associado somente será permitida quando feita em conjunto com instituição pública nacional, ficando a coordenação dos trabalhos a cargo desta última.
§ 4º – As permissões, as autorizações, as licenças, os contratos e os demais documentos referentes a pesquisa, coleta, obtenção, armazenamento, transporte ou outra atividade similar relativos ao acesso a componente do patrimônio genético no território do Estado, vigentes na data da publicação desta lei, deverão ser cadastrados no órgão estadual competente, na forma do regulamento.
§ 5º – As pessoas físicas ou jurídicas autorizadas a desenvolver trabalhos de acesso a componente do patrimônio genético devem, obrigatoriamente, comunicar ao órgão estadual competente quaisquer informações referentes ao transporte do material coletado, sendo responsáveis civil, penal e administrativamente pelo uso ou manuseio inadequados desse material e pelos efeitos nocivos de sua atividade.
Art. 6º – Havendo perigo de dano grave ou irreversível decorrente de atividades de acesso ao patrimônio genético, o poder público adotará medidas preventivas, podendo sustar a atividade, especialmente nos seguintes casos:
I – ameaça de extinção de espécies, subespécies, raças ou variedades e estirpes;
II – endemismo ou raridade do patrimônio genético;
III – vulnerabilidade na estrutura ou no funcionamento de ecossistemas;
IV – efeitos adversos sobre a saúde humana e animal, a qualidade de vida ou a identidade cultural de comunidade local e de população indígena;
V – outras hipóteses de impacto ambiental indesejável ou dificilmente controlável;
VI – erosão genética ou perda de ecossistema, de seus recursos ou de seus componentes, por coleta indevida ou incontrolada de germoplasma;
VII – descumprimento de normas e princípios de biossegurança ou de segurança alimentar;
VIII – utilização do patrimônio genético com fins contrários aos estabelecidos na legislação pertinente.
§ 1º – A ausência de certeza científica sobre o nexo causal entre a atividade de acesso a componente do patrimônio genético e o dano não poderá ser alegada para postergar a adoção das medidas de que trata este artigo.
§ 2º – As medidas serão fundamentadas, não podendo servir de obstáculo técnico ou restrição comercial de atividade.
§ 3º – A critério do órgão estadual competente, poderá ser exigida a apresentação de estudo ambiental relativo aos trabalhos a serem desenvolvidos.
Art. 7º – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Sala das Reuniões, 2 de fevereiro de 2019.
Deputada Ana Paula Siqueira (REDE)
Justificação: Submeto à apreciação desta Casa Legislativa, o presente projeto de lei que dispõe sobre a política estadual de controle do acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado e dá outras providências. A proposta tramitou na legislatura anterior, contudo, não chegou a ser analisada pelas comissões temáticas da Casa. A medida regulamentar é de especial importância para o combate dos efeitos nocivos da adoção do sistema de patentes sobre os recursos genéticos existentes em território nacional. O projeto visa a conservação, também, do patrimônio cultural de Minas Gerais, gerando instrumentos legais capazes de garantir que seus verdadeiros detentores não tenham seus direitos preteridos em proveito de quaisquer benefícios que a sociedade possa vir a auferir do desenvolvimento dos trabalhos científicos e da classe produtiva do Estado. Desta feita, considerando a relevância do tema, entendo pertinente reapresentar a projeto, para possibilitar uma discussão mais aprofundada sobre o tema.
– Publicado, vai o projeto às Comissões de Justiça, de Meio Ambiente e de Fiscalização Financeira para parecer, nos termos do art. 188, c/c o art. 102, do Regimento Interno.