PRE PROJETO DE RESOLUÇÃO 57/2018
Projeto de Resolução nº 57/2018
Susta os efeitos do Decreto nº 301, de 4 de julho de 2018, que cria o Parque Estadual Serra Negra da Mantiqueira.
A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais aprova:
Art. 1º – Ficam sustados os efeitos do Decreto nº 301, de 4 de julho de 2018.
Art. 2º – Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação.
Sala das Reuniões, 11 de julho de 2018.
Deputado Duarte Bechir, Presidente da Comissão da Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência (PSD).
Justificação: Por meio do Decreto nº 301, de 4 de julho de 2018, restou determinada a criação do Parque Estadual Serra Negra da Mantiqueira, compreendendo área aproximada de 4.203,96 ha e perímetro de 72,54 km, que abrange os Municípios de Lima Duarte, Olaria, Rio Preto e Santa Bárbara do Monte Verde.
Impende frisar que a assinatura do mencionado decreto, ironicamente, deu-se exatamente na mesma data (4/7/2018) em que a Comissão do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, desta Casa Legislativa, promovia audiência pública para debater o tema, ocasião em que consignou-se o majoritário apelo para que o Governo do Estado não efetivasse tal providência sem que antes se esgotasse as discussões inerentes à criação da unidade de conservação.
Nesse diapasão, causa espécie a medida, vez que pairam sobre os procedimentos para a criação da unidade em comento sérios questionamentos quanto à observância das exigências legais para sua consumação.
Não obstante as incisivas manifestações, veementemente contrárias à medida governamental, formuladas por habitantes dos quatro municípios mencionados, que serão drasticamente atingidos pelo dispositivo do decreto sub censura, o Governo do Estado optou por editar o decreto ora objurgado.
Não se ignora a necessidade de preservar o meio ambiente e, por conseguinte, atender ao preceito constitucional insculpido no artigo 225, caput, da CF, o que constitui ingente tarefa, extremamente desafiadora, em um país com tantos conflitos fundiários e sociais.
Invoca-se, nesse particular, a lição de Paulo de Bessa Antunes, em estudo específico sobre os Espaços Territoriais Especialmente Protegidos e sua relação com a propriedade privada, que assim enfatiza:
“Destinar uma área para a proteção especial é retirá-la da circulação econômica imediata. Isso ocorre, evidentemente, com a indicação de áreas destinadas à implantação de Unidades de Conservação do grupo de proteção integral; quanto às Unidades de Conservação do grupo de uso sustentável, há uma retirada parcial do bem da circulação econômica, haja vista que são estabelecidas limitações quanto aos usos permitidos, com uma retirada proporcional do valor econômico do bem. Assim, destinar uma área para especial proteção – qualquer que seja o motivo – é, do ponto de vista jurídico, dotá-la de regime especial que não se confunde com o regime de livre acesso para toda e qualquer atividade ou pessoa. É lógico que a reserva de áreas reflete uma escassez de terras livres – quando se fala em proteção ambiental, de terras com valor ambiental. Em momento de grande apropriação de áreas para a agricultura, a indústria e a urbanização, a questão se torna dramática." (Áreas protegidas e propriedade constitucional.” São Paulo: Atlas, 2011, p. 9.)
Nesse universo em que se evidencia a ocorrência de conflito de interesses, deve ser destinatária de especial atenção, com vistas a prevenir a ocorrência de eventuais abusos de poder e desvios de finalidade, a possibilidade de o Poder Público criar Unidades de Conservação a partir de normas infralegais e, assim, interferir direta e indiretamente nos direitos dos cidadãos.
Consoante dispõe os artigos 8º e 14 da Lei Federal nº 9.985/2000, a criação de Unidades de Conservação e a escolha por uma de suas modalidades é ato que deve ser precedido de embasamento técnico específico e satisfatório, bem como de efetiva participação da população.
Na dicção do artigo 2º da Lei 9.985/2000, Unidade de Conservação é o “espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção.”
Dessa forma, tem-se que as Unidades de Conservação constituem-se em espaços territoriais que, por sua relevância natural, merecem especial tutela por parte do Poder Público e da coletividade.
Cumpre destacar que a definição da categoria de Unidade de Conservação a ser criada pelo Poder Público dependerá de diversos fatores, dentre os quais ganham destaque a relevância natural, o grau de ocupação humana e os interesses incidentes sobre a área, tanto em relação à sua preservação, quanto à possibilidade de sua ocupação.
Conforme estabelece o artigo 22, § 2º, da Lei 9.985/2000, “a criação de uma Unidade de Conservação deve ser precedida de estudos técnicos e de consulta pública que permitam identificar a localização, a dimensão e os limites mais adequados para a Unidade.”.
São dois, portanto, os requisitos obrigatórios a serem observados pelo Poder Público quando da criação de Unidade de Conservação: (i) a elaboração de estudos técnicos; e (ii) a realização de consultas públicas.
Conforme mencionado, o artigo 22, § 2º, da Lei 9.985/2000, estabeleceu expressamente a obrigatoriedade de elaboração prévia de estudos técnicos para a criação de Unidades de Conservação.
Paulo de Bessa Antunes, ao se manifestar sobre o tema, assevera que “é condição de validade da constituição de uma Unidade de conservação que ela seja precedida de estudos técnicos elaborados pelo órgão proponente de sua criação.” (Direito Ambiental. 11ª ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p. 557)
Paulo Affonso Leme Machado, discorrendo sobre suas finalidades, aduz que “é necessária a elaboração de estudos técnicos para a criação de Unidades de conservação, visando esses procedimentos à localização, à dimensão e aos limites mais adequados para a Unidade. Tais procedimentos, que serão especificados por regulamento, deverão obedecer, entre outros, aos princípios do interesse público, da motivação e da publicidade e, evidentemente, poderão ser objeto de ações judiciais, se desrespeitada a legislação vigente.” (Direito Ambiental Brasileiro. 16ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 814)
Nessa medida, a realização de análises técnicas, sociais, econômicas e ambientais é requisito imprescindível para a criação ou para a ampliação de qualquer categoria de Unidade de Conservação justamente pelo fato de que tal ato tem o condão de alterar a dinâmica dos locais envolvidos sob os aspectos ecossistêmico, ecológico, socioeconômico e paisagístico.
Com mais razão ainda, conforme dispõe o artigo 22 da Lei do SNUC, a realização de estudos técnicos se justifica para evitar eventuais abusos e arbitrariedades advindos de agentes do Poder Executivo, tendo em vista a possibilidade de criação de Unidades de Conservação por meio de mero ato administrativo, tal como Decreto, Resolução, etc.
Deve-se gizar que a elaboração de estudos técnicos importa a adoção de algumas providências necessárias, tais como: vistoria da área; levantamento socioeconômico, incluindo a verificação da existência de comunidades indígenas e tradicionais; levantamento de dados planimétricos e geográficos; laudo acerca dos fatores bióticos e abióticos da área; elaboração do diagnóstico fundiário dos imóveis, incluindo verificação de áreas sob proteção; e elaboração da base cartográfica abrangendo limites políticos, fitofisionomia, hidrografia, uso do solo, altimetria, etc.
Dita cautela se justifica para evitar que o administrador, dentro da sua vontade pessoal discricionária, muitas vezes equivocada ou mesmo arbitrária, crie áreas de conservação ambiental em localização tecnicamente desaconselhável ou inútil, contrária aos interesses da população que venha por ela a ser afetada
Noutro giro, mas igualmente fundamental, põe-se a imprescindibilidade da Consulta Pública, como instrumento de concretização dos princípios da participação comunitária e do direito à informação.
Nessa esteira, o princípio da participação comunitária expressa a ideia de que, para a resolução dos problemas do ambiente, deve ser dada especial ênfase à cooperação entre o Estado e a sociedade, através da participação dos diferentes grupos sociais na formulação e na execução da política ambiental.
Ademais, o princípio da publicidade é indicado pelo artigo 37, caput, da Carta Magna, como um dos princípios basilares da atuação da Administração Pública.
Em síntese, nenhum processo político-administrativo estará revestido de legitimidade se prescindir da participação da comunidade envolvida.
Neste contexto, ao tratar das diretrizes do SNUC, o artigo 5º da referida Lei 9.985/2000 dita que o SNUC será regido por diretrizes que “assegurem a participação efetiva das populações locais na criação, implantação e gestão das unidades de conservação” (inciso III) e "assegurem que o processo de criação e a gestão das unidades de conservação sejam feitos de forma integrada com as políticas de administração das terras e águas circundantes, considerando as condições e necessidades sociais e econômicas locais." (inciso VIII).
Assim, a participação popular no procedimento administrativo de criação das unidades de conservação, além de concretizar o princípio democrático, permite levar a efeito, da melhor forma possível, a atuação administrativa, atendendo, tanto quanto possível, aos vários interesses em conflito.
Nessa linha de projeção, o Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de se manifestar sobre o tema, nos autos do Mandado de Segurança nº 24.184-5/DF, em que figurou como Relatora a Ministra Ellen Gracie, ao apreciar pedido de declaração de nulidade do Decreto Presidencial de 27.09.2001, que ampliou os limites do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros sem a observância dos pressupostos legais pertinentes.
Em seu judicioso voto a Ministra Relatora asseverou:
“Quando da edição do Decreto de 27.09.2001 impugnado no presente mandamus, a Lei nº 9.985/00 – que dispõe sobre o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza SNUC – ainda não havia sido regulamentada. A necessidade de sua regulamentação só foi implementada em 22 de agosto de 2002, com a edição do Decreto nº 4.340/02. Por outro lado, a Lei nº 9.985/00, em seu art. 22, §§ 2º e 6º, exige que o processo de criação e ampliação das unidades de conservação deve ser precedido de estudos técnicos e consulta pública. As informações prestadas não comprovam o atendimento da exigência quanto ao adequado procedimento de consulta pública. O parecer emitido pelo Conselho Consultivo do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, instituído pela Portaria IBAMA nº 82/01, não pode substituir a consulta exigida na lei, pois aquele Conselho não tem poderes para representar a população local. Dessa forma, quer em razão do decreto impugnado ter sido editado antes da regulamentação da lei, quer pela ausência da consulta popular na forma do art. 22, § 2º, da Lei nº 9.985/00, concedo a segurança para declarar nulo o Decreto de 27.9.2001, que ampliou os limites do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, ressalvada a possibilidade da edição de novo decreto.”
Assim, nota-se que a utilização de instrumentos que tenham como finalidade a ampla divulgação das propostas de criação de Unidades de Conservação e a realização de reuniões preliminares com as comunidades locais e os setores interessados é exigência legal que deve ser efetivamente atendida para que se confira legitimidade ao processo de criação de Unidade de Conservação.
É o que preceitua, de igual modo, a Lei Estadual nº 20.922, de 16/10/2013, que Dispõe sobre as políticas florestal e de proteção à biodiversidade no Estado, e em seu artigo 44 estabelece o seguinte:
“Art. 44 – As Unidades de Conservação são criadas por ato do poder público.
§ 1º – O ato de criação de Unidade de Conservação estabelecerá as regras de transição para o uso dos recursos naturais da área demarcada, válidas até a aprovação do plano de manejo.
§ 2º – A criação de Unidade de Conservação será precedida de estudos técnicos, na forma do regulamento, e de processo consultivo, que orientem o poder público na definição:
I – da categoria de manejo;
II – da localização, da dimensão e dos limites da Unidade de Conservação;
III – das regras de transição a que se refere o § 1º.
§ 3º – No processo consultivo a que se refere o caput do § 2º, o poder público fornecerá informações adequadas à compreensão da população local e outros interessados e discutirá as definições de que tratam os incisos I a IV do mesmo parágrafo, por meio de:
I – consulta pública por prazo mínimo de quarenta e cinco dias;
II – ampla divulgação da proposta de criação da Unidade de Conservação e do cronograma do processo de consulta;
III – uma ou mais reuniões públicas por município afetado.”(…)
Na audiência pública que teve lugar na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, desta Casa, em 4/7/2018, restou patente o desatendimento a esses preceitos legais norteadores da medida de criação da unidade de conservação, pelo que não pairam dúvidas de que o decreto ora objurgado deve ter seus efeitos sustados até que sobrevenham novos elementos a dar-lhe o supedâneo legal indispensável ao seu ingresso e subsistência no ordenamento jurídico, com os efeitos daí decorrentes.
Por tais razões, solicito dos nobres pares aprovação a esta Proposição.
– Publicado, vai o projeto às Comissões de Justiça e de Meio Ambiente para parecer, nos termos do art. 195, c/c o art. 102, do Regimento Interno.