PL PROJETO DE LEI 5116/2018
Projeto de Lei nº 5.116/2018
Estabelece direitos e garantias dos portadores de órteses, próteses e materiais implantáveis de uso médico ou odontológico, dispõe sobre mecanismos de controle e monitoramento desses produtos, determina a notificação compulsória em caso de defeitos detectados e dá outras providências.
A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:
Art. 1º – Esta lei estabelece direitos e garantias dos portadores de órteses, próteses e materiais implantáveis de uso médico ou odontológico, dispõe sobre mecanismos de controle e monitoramento desses produtos, determina a notificação compulsória em caso de defeitos detectados e dá outras providências.
Art. 2º – São direitos e garantias dos portadores de órteses, próteses e materiais implantáveis de uso médico ou odontológico:
I – atendimento digno e de qualidade pelos profissionais e pelos estabelecimentos de saúde, incluindo serviços e instalações adequados à execução dos procedimentos médicos e odontológicos;
II – segurança de que a fabricação das órteses, das próteses e de materiais implantáveis segue, rigorosamente, as normas técnicas e boas práticas de fabricação, e de que os materiais utilizados são biocompatíveis, biofuncionais, bioinertes, atóxicos e, quando for o caso, mecanicamente adequados para substituírem tecidos e órgãos humanos;
III – acesso a informações em linguagem acessível sobre os produtos e suas características essenciais, incluindo especificações técnicas e riscos que possam apresentar à saúde;
IV – substituição gratuita de produtos implantados defeituosos ou que não estejam em conformidade com as especificações técnicas constantes em seu registro oficial, quer tenham sido eles implantados, originalmente, com finalidade estética, quer reparadora;
V – acompanhamento médico ou odontológico para pessoas portadoras de órteses, próteses ou materiais implantáveis que estejam sob investigação sanitária;
VI – acesso facilitado às esferas administrativas e judiciais competentes, para assegurar o cumprimento no disposto nesta lei.
§ 1º – Serão estabelecidos protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas, com a participação das entidades da área de especialização, para fins de avaliação, diagnóstico, conduta e acompanhamento médico ou odontológico dos casos a que se referem os incisos IV e V do caput.
§ 2º – Para efeitos do inciso IV do caput, o acompanhamento clínico, os exames complementares, o procedimento médico ou odontológico de substituição e o produto substituto serão oferecidos pelo Sistema Único de Saúde - SUS - e pelas operadoras de planos privados de assistência à saúde, conforme o procedimento cirúrgico originário tenha sido realizado pelo SUS ou pela rede privada suplementar.
§ 3º – O disposto no inciso IV do caput se aplica no caso de produtos que forem comprovados como nocivos à saúde pela autoridade sanitária, mesmo que tenham sido considerados seguros à época do procedimento.
Art. 3º – O implante cirúrgico de órteses, próteses e materiais implantáveis de uso médico ou odontológico só poderá ser realizado por estabelecimento de saúde, público ou privado, e por profissionais previamente autorizados por órgão de direção do Sistema Único de Saúde.
Parágrafo único – As instituições referidas no caput manterão registros dos implantes cirúrgicos realizados, contendo o nome do paciente e seu prontuário médico ou odontológico, número de registro e código identificador do produto implantado, data da cirurgia, nome e assinatura do cirurgião responsável.
Art. 4º – O registro de órteses, próteses e materiais implantáveis de uso médico ou odontológico no âmbito do Estado de Minas Gerais, para fins de produção, importação, comercialização ou distribuição, fica condicionado à aprovação do produto em procedimentos de análise de qualidade, à emissão de certificado de cumprimento de boas práticas de fabricação e à existência de mecanismo de rastreabilidade, definidos na forma do regulamento.
§ 1º – Não serão registrados produtos que tenham, em sua composição, materiais que não sejam reconhecidamente biocompatíveis, biofuncionais, bioinertes, atóxicos e, quando for o caso, mecanicamente adequados para substituírem tecidos e partes do organismo humano.
§ 2º – Aplicam-se ao registro de órteses, próteses e materiais implantáveis de uso médico ou odontológico as disposições contidas nos arts. 12 a 15 da Lei nº 6.360, de 23 de setembro de 1976.
Art. 5º – As informações a que se refere o inciso III do art. 2º deverão constar em documento que acompanhará a importação, a distribuição, a comercialização e a utilização final dos produtos, emitido conforme o regulamento.
Art. 6º – Fica instituído o Cadastro Estadual de Implantes Cirúrgicos, que agregará informações sobre unidades de saúde autorizadas, produtos, casos e notificações de defeitos, além de outras informações pertinentes, na forma do regulamento.
Art. 7º – Os casos de defeito detectado por profissionais ou serviços de saúde em órtese, prótese ou material implantável de uso médico ou odontológico são de notificação compulsória às autoridades sanitárias.
§ 1º – Recebida a notificação, a autoridade sanitária é obrigada a proceder à investigação pertinente para verificar a conformidade do produto às suas especificações técnicas e identificar as causas do defeito.
§ 2º – O portador do produto com defeito tem o direito de conhecer os resultados conclusivos da investigação técnica feita pela autoridade sanitária.
Art. 8º – – Em casos determinados, a autoridade sanitária poderá estabelecer procedimentos específicos de retirada e análise do produto implantado, a fim de obter informações que possam subsidiar a investigação das causas do defeito.
Art. 9º – A responsabilidade do fabricante e do produtor, nacional ou estrangeiro, do importador e do comerciante de órteses, próteses ou materiais implantáveis de uso médico ou odontológico pela reparação dos danos causados à saúde por produto defeituoso não depende da existência de culpa, nos termos da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 – Código de Defesa do Consumidor.
Art. 10 – Fica criado, nos termos do regulamento, o selo “Empresa Comprometida com o Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Estado de Minas Gerais”, a ser concedido pelo Poder Executivo às empresas produtoras de órteses e próteses que doarem materiais e biomateriais para pesquisa das universidades localizadas no Estado.
Art. 11 – Ficam as empresas produtoras de próteses e órteses localizadas no Estado obrigadas a publicar anualmente relatórios de controle de qualidade de seus produtos em revistas científicas e concomitantemente enviar esses relatórios à vigilância sanitária estadual e aos Conselhos Regionais de Medicina e de Odontologia.
Parágrafo único – O descumprimento do disposto no caput deste artigo constitui infração leve punível nos termos da Lei Federal nº 6.437, de 20 de agosto de 1977.
Art. 12 – A inobservância das disposições desta lei constitui infração sanitária punível nos termos da Lei nº 6.437, de 20 de agosto de 1977, sem prejuízo das sanções penais e civis cabíveis.
Art. 13 – Este projeto entra em vigor na data de sua publicação.
Sala das Reuniões, 17 de abril de 2018.
Deputado Doutor Jean Freire, Vice-Líder do Bloco Minas Melhor e Presidente da Comissão de Participação Popular (PT).
Justificação: Os implantes de próteses e outros materiais de uso médico ou odontológico, assim como a utilização de órteses, têm contribuído, de forma crescente, para a melhoria da qualidade de vida das pessoas, especialmente com o desenvolvimento de novos materiais e o avanço da tecnologia. O mercado internacional de implantes cirúrgicos mobiliza bilhões de dólares na comercialização desses produtos. No Brasil, uma grande parte desse mercado é movimentada pelo Sistema Único de Saúde. O País, no entanto, ainda não possui legislação que regule de forma específica os direitos dos portadores e que estabeleça mecanismos próprios de controle de qualidade e monitoramento da utilização desses produtos.
Na medida em que o uso de órteses, prótese e outros materiais implantáveis se torna mais comum no País, faz-se necessário o Estado exercer um controle mais severo e contínuo sobre esses produtos. Não é raro a autoridade sanitária – Anvisa – identificar produtos com problemas técnicos que podem ocasionar graves prejuízos à saúde dos portadores que deles se utilizam. Em 30/12/2011, as próteses mamárias importadas das marcas PIP (Poli Implant Prothese) e Rofil tiveram seu registro cancelado pela Anvisa. O caso recebeu grande atenção dos meios de comunicação. Em 26/1/2012, a Anvisa suspendeu 156 lotes de implantes ortopédicos (próteses de fêmur, tíbia, cabeça do fêmur e outros materiais) fabricados por uma empresa nacional.
O cancelamento do registro ou a suspensão de produtos de uso médico ou odontológico, pela autoridade sanitária, em razão de riscos que apresentem à saúde, deixam os portadores de órteses, próteses e materiais implantáveis apreensivos quanto ao risco a que possam estar submetidos e inseguros quanto às possibilidades de tratamento a que terão acesso. Daí, a importância de se prever, em lei, expressamente, os direitos dos portadores desses produtos, entre os quais o de segurança quanto à adoção das melhores práticas de fabricação e quanto ao uso de materiais adequados na composição dos produtos, assim como o de acesso a informações sobre os produtos, incluindo suas características essenciais e riscos que possam apresentar à saúde.
O projeto assegura, ainda, o direito de substituição de produtos implantados defeituosos ou que não estejam em conformidade com as especificações técnicas constantes em seu registro oficial. É o caso da fraude ocorrida com as próteses mamárias importadas das marcas PIP (Poli Implant Prothese) e Rofil. Nessas situações, não importa se o implante originário teve finalidade estética ou reparadora, a cirurgia de substituição, assim como a nova prótese, deve ser oferecida pelo SUS ou pelo plano privado de assistência à saúde, conforme o caso. Caso ainda não haja certeza do risco que o produto possa causar à saúde, os portadores passam a ter direito a um acompanhamento médico específico, tudo de acordo com protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas elaboradas com a participação das entidades médicas e odontológicas da área de especialização.
O aprimoramento dos mecanismos de controle de qualidade das órteses, próteses e materiais implantáveis passa pelo condicionamento do registro desses produtos à realização de testes de qualidade e à emissão de certificado de cumprimento de boas práticas de fabricação. O projeto veda o registro de produtos compostos por materiais que não sejam, reconhecidamente, biocompatíveis, biofuncionais, bioinertes, atóxicos e, quando for o caso, mecanicamente adequados para substituírem tecidos e partes do organismo humano.
O controle de qualidade também é exercido pelo consumidor, ao exercer seu poder de compra, na medida em que tenha acesso a informações claras e completas sobre o produto, inclusive especificações técnicas e riscos que possam apresentar à saúde. Por esse motivo, o projeto prevê que um documento que contenha tais informações acompanhe a vida útil do produto, desde sua fabricação até seu consumo final.
As inovações propostas para aprimorar os mecanismos de monitoramento incluem a criação do Cadastro Estadual de Implantes Cirúrgicos e a obrigação de os estabelecimentos de saúde manterem registro dos implantes cirúrgicos realizados, incluindo nome do paciente e seu prontuário, número de registro e código identificador do produto implantado, data da cirurgia, nome e assinatura do cirurgião responsável. Esses instrumentos buscam viabilizar o rastreamento dos produtos utilizados, o que permite tornar mais ágil a resposta do poder público, sempre que forem identificados casos de produtos defeituosos, e facilita a vida dos usuários que precisam resgatar informações de seu interesse.
As falhas em produtos implantados podem ser desencadeadas por vários fatores, como erros de projeto, de fabricação do produto, de seleção de material ou no procedimento cirúrgico; falhas na reparação do osso; uso impróprio; ou, ainda, pela combinação desses fatores. Durante a cirurgia de substituição do componente defeituoso, podem ser obtidas muitas informações úteis à elucidação das causas do defeito do implante. Para isso, é preciso que alguns procedimentos investigativos sejam observados. De acordo com Cesar R. de Farias Azevedo e Eduardo Hippert Jr., “existe nos países desenvolvidos uma legislação sanitária adequada, mecanismos reguladores e normas técnicas específicas, como por exemplo da ASTM (American Society for Testing and Materials) e da ISO (International Organization for Standartization), para guiar os procedimentos de retirada, notificação e análise dos implantes que falharam. Estudos realizados na década de 1960, nos Estados Unidos, apontavam um índice de falha em implantes metálicos de aproximadamente 5% (Martz, 1967, apud Dumblenton & Miller, 1975), e outra estimativa americana da década de 70, apontava um índice inferior a 1% para os implantes mais comuns (Black, 1976). Dados atuais apontam, por exemplo, índice de falha em implantes de quadril em torno de 0,01%. Nesse caso, um aumento do índice de falhas para 0,03% motivou o recall das peças pelas agências reguladoras dos Estados Unidos e Europa (FDA, 2001; MDA, 2001)”. (Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 18(5):1347-1358, set-out, 2002).
A melhoria nos indicadores de falhas nos implantes metálicos verificada nos Estados Unidos está diretamente associada à observação de procedimentos de retirada, notificação e análise. As normas internacionais da ASTM (American Society for Testing and Materials), por exemplo, “recomendam que, durante a reoperação, a equipe médica deva fotografar o local antes e depois da retirada do implante; obter amostras para exames microbiológicos e histológicos; retirar cuidadosamente o implante, preservando as superfícies danificadas e de fratura; identificar todos os componentes e promover a esterilização das peças”, entre outras medidas e procedimentos. Entre estes, está a análise do material por uma equipe multidisciplinar e a alimentação de um banco de dados gerido pelo Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos (National Institute of Health), em apoio a um programa de melhoria aos implantes médicos. (C. R. Azevedo e E. Hippert Jr, idem).
É nesse sentido que o projeto prevê a notificação compulsória de casos de defeitos detectados, além da possibilidade de se estabelecerem procedimentos específicos de retirada e análise do produto implantado, se úteis para a obtenção de informações que ajudem a esclarecer as causas do defeito. O objetivo dessas propostas não é apenas o de propiciar uma resposta ao caso individual, para apuração de responsabilidades e apuração das sanções cabíveis, mas, fundamentalmente, o de viabilizar estudos estatísticos que apontem para as principais causas, os índices de falhas, os custos, entre outras informações que possam subsidiar a definição de medidas preventivas e de ações setoriais.
Finalmente, cumpre observar que a proteção mais efetiva à saúde dos portadores de órteses, próteses e materiais implantáveis de usos médico e odontológico evitará despesas públicas com a substituição precoce de implantes e materiais inadequados ao uso humano. Afinal, evitar um custo extra para o SUS é, em última análise, evitar um custo extra para toda a sociedade que o financia.
Ante o exposto, considerando importância do tema e sua relevância crescente no âmbito da saúde, solicito o apoio dos nobres parlamentares à aprovação deste projeto de lei.
– Publicado, vai o projeto às Comissões de Justiça, de Saúde e de Defesa do Consumidor para parecer, nos termos do art. 188, c/c o art. 102, do Regimento Interno.