PL PROJETO DE LEI 934/2015
PROJETO DE LEI Nº 934/2015
(Ex-Projeto de Lei nº 1.358/2011)
Veda a inscrição de municípios ou órgãos ou entidades municipais no Sistema Integrado de Administração Financeira do Estado de Minas Gerais - Siafi - MG -, nas situações que menciona e dá outras providências.
A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:
Art. 1º - Fica vedada a inscrição de municípios ou órgãos ou entidades de direito público ou privado municipais no Sistema Integrado de Administração Financeira do Estado de Minas Gerais - Siafi - MG - ou em qualquer sistema público estadual de restrição ao acesso a recursos públicos, em decorrência de mora, inadimplemento ou situação irregular decorrente de convênios ou instrumentos congêneres firmados com o Estado, quando o administrador no exercício do mandato não tiver dado causa à irregularidade ou a responsabilidade tiver de ser imputada a ex-dirigente municipal, observado o disposto no art. 61, § 2º, incisos I e II, da Lei Complementar nº 33, de 28 de junho de 1994.
Art. 2º - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Sala das Reuniões, 8 de abril de 2015.
Sargento Rodrigues
Justificação: É comum os prefeitos e dirigentes de órgãos ou entidades municipais, quando assumem o mandato ou no curso dele, se depararem com irregularidades na prestação de contas de convênios firmados pelas administrações municipais anteriores com órgãos do Estado. Não raramente, recebem a triste notícia de que o Município se encontra inscrito no Siafi, estando, portanto, impossibilitado de assinar convênios ou receber recursos estaduais e até mesmo federais, em face de vícios, mora ou inadimplemento relativos a termos assinados ou executados anteriormente.
Esse sistema mostra-se por demais injusto, porque constitui uma penalização unilateral e discricionária ao município (leia-se população), mormente quando os gestores responsáveis pela assinatura dos convênios e pela aplicação dos recursos já não estão à frente do governo municipal.
O modelo atual, em nosso ver, constitui verdadeira violação, relativamente aos municípios, do postulado da dignidade humana, enunciado no art. 1º da Constituição Federal, bem como, em sentido lato, do que estabelece o art. 5º do mesmo Diploma, segundo o qual nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido.
O que se observa é que o art. 5º da Constituição restringe a aplicação da penalidade àquele que deu causa ao descumprimento legal, não sendo razoável que toda uma população seja prejudicada por ato irregular cometido por um administrador (prefeito anterior), quando de sua gestão.
Nessa toda, a inclusão do município no cadastro de inadimplentes resultado no bloqueio de recursos necessários para atender às necessidades básicas de sua população. A medida administrativa, altamente moralizadora, é verdade, produz como resultado fático a penalização da comunidade, em razão da desídia ou desonestidade de seus administradores. Dizendo de outro modo: o bloqueio atinge a pessoa do município, no plano jurídico-administrativo, mas tem nefastas consequências para a população, que se vê na contingência de não ter acesso a serviços, bens ou obras públicas por exclusiva culpa dos ex-administradores.
Interpretando os instrumentos jurídicos hoje existentes, os nossos tribunais não se divorciam do interesse público e, com frequência, decidem no sentido de que a inadimplência causada por irresponsabilidade de ex-gestores públicos não pode resultar em prejuízo para a comunidade administrada, como se vê nos seguintes arestos:
“Ação Cautelar - Liminar - Inscrição de Estado - Siafi - Inadimplência - Convênios e Repasses - Óbice - A concessão de liminar em ação cautelar faz-se com base nos valores envolvidos, buscando-se definir o prejuízo maior. É de se afastar a inscrição do Estado no Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal - Siafi -, ante a inviabilidade de formalizar convênio e receber repasses, com a paralisação de serviços essenciais. Precedentes: Ação Cautelar nº 235-4, relator: Ministro Sepúlveda Pertence, Ação Cautelar nº 39-4, relatora: Ministra Ellen Gracie, e Ação Cautelar nº 266-4, relator: Ministro Celso de Mello”. (STF - AC-MC 259 - AP - TP - Rel.: Min. Marco Aurélio - DJU 3/12/2004 - pág. 12.)
“Administrativo e Processual Civil - Município - Celebração de Convênios - Prestação de Contas - Inadimplência - Ação Cautelar - Exclusão da Inscrição no Cadin e no Siafi - 1 - Exclusão determinada em sede de ação cautelar que se mantém, por isso que a vedação de transferência de recursos federais a Municipalidade que esteja inadimplente quanto à prestação de contas de convênios anteriores causa à comunidade dano grave e de difícil reparação, a justificar a concessão de medida acautelatória dos interesses da população. 2 - Agravo desprovido”. (TRF 1ª R. - AG 200401000150335 - MA - 6ª T. - Rel.: Des. Fed. Daniel Paes Ribeiro - DJU 6/12/2004 - pág. 81.)
Até mesmo o Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, instado a se manifestar sobre o tema, assim decidiu:
“A hipótese que o consulente pretende ver esclarecida cinge-se a meu juízo a um dos mais graves problemas que grande parte dos gestores municipais tem enfrentado (...)
O município não ficará impedido de fazer novos ajustes, porque, na hipótese aventada pelo consulente, o prefeito que assumiu a administração municipal não deu causa à irregularidade perpetrada. Se ele, atual gestor, que acabou de assumir a administração do Município, não era o responsável pelo cumprimento da obrigação, como condená-lo com a cassação do livre exercício da gestão da coisa pública, direito esse o mais legítimo possível, uma vez que eleito pelos munícipes, se não foi ele quem desobedeceu ao comando legal.
(...) não há lugar no ordenamento jurídico pátrio norma de tal cunho se o seu objetivo for o de emperrar o funcionamento da máquina administrativa.
(...)
Repito: se a irregularidade foi praticada pelo antecessor, deve ele pessoalmente responder pelo ato inquinado.
A inobservância, pelo ex-Prefeito, das demais hipóteses arroladas no § 1º do art. 25 também não deve ser motivo para proibir o repasse de verba ao atual gestor (...)
(...) não se justifica a incidência de sanção institucional que prejudicará toda a sorte de atuação gerencial que vise, enfim, ao atendimento do interesse público. Acredito, piamente, que os governantes que não cumpriram suas obrigações devem ser amplamente cobrados pelas faltas cometidas, mas não posso assentir numa sanção que recaia sobre uma coletividade, já que a ação do poder público é sempre voltada para a satisfação dos interesses do povo, de forma a impedir a atuação do novo administrador.
(...) e injusta e descabida responsabilidade para quem deseja bem gerir a coisa pública e cumprir a legislação em vigor, pelo que eu reafirmo minha posição de não apenar os Prefeitos que receberam os Municípios em estado de inadimplemento e por isso estão sendo impedidos de governar.
(...) com vistas a impedir a penalidade de gestor que não tenha dado causa à falha constatada, de modo a garantir o livre exercício da gestão pública e a implantação das ações de nº 703.228, Rel.: Conselheiro Moura e Castro, Sessão 28/9/2005.)”.
A vigente legislação estadual já caminha nesse sentido, conforme é possível extrair do art. 61 da Lei Complementar nº 33, de 1994, nos seguintes termos:
“Art. 61 - A liberação de recurso financeiro para a execução de contrato, convênio, acordo, ajuste e instrumentos congêneres celebrados com Estado ou município somente poderá ser efetivada se o executor da obrigação tiver prestado contas da aplicação da quota recebida anteriormente.
§ 1º - O município ou entidade que esteja inadimplente na execução do instrumento e/ou da prestação de contas não poderá firmar outro contrato, convênio, ajuste ou instrumento congênere com o Estado, enquanto não regularizar o termo anterior firmado.
§ 2º - Não se aplica o disposto no parágrafo anterior caso seja comprovado:
I - que o atual administrador não é o responsável pelos atos inquinados de irregularidade;
II - que foram tomadas as providências para sanar as irregularidades, inclusive a propositura de ação judicial pertinente, se for o caso”.
Como se vê, quando o administrador não for o responsável pelos atos inquinados de irregularidade, o município não pode ser impedido de receber recursos estaduais, desde que sejam tomadas as providências para corrigir as irregularidades. Aqui reside, no entanto, a confusão do administrador estadual, já que as providências estão ficando a cargo dos próprios Municípios, quando, na verdade, incumbem ao próprio Estado, pois dele é o interesse, em razão de se tratar de recursos por ele liberados. Isso porque, em nossa sistemática processual civil, apenas a título ilustrativo, é parte legítima para propor ação de prestação de contas quem tiver o direito de exigi-las ou a obrigação de prestá-las (art. 914 do CPC).
No caso aqui considerado, se o Estado libera recursos próprios em favor de município, este se encontra na obrigação de prestar contas, e, não o fazendo, deverá o Estado tomar as medidas cabíveis, até por meio de tomada de contas especial, para exigir o cumprimento dessa obrigação ou, não sendo atendido, para responsabilizar o agente público responsável pelas irregularidades. No entanto, o que se tem feito é a inscrição do município em cadastro público e o consequente bloqueio a novos recursos, sacrificando a população e violando, como já dissemos, o princípio da dignidade humana e até mesmo invertendo a finalidade da administração pública, qual seja a de garantir o bem-estar da coletividade.
Impor aos municípios a obrigação de responsabilizar ex-agentes públicos para, só então, ter o seu nome excluído do Siafi, do Cauc ou de registros afins é medida injusta e contrária ao interesse público, já que, entre a adoção de qualquer medida e o cancelamento do registro, medeia razoável período de tempo, o que, por si só, já é suficiente para causar danos à população local.
Além disso, a inscrição tem natureza sancionadora, mas, na prática, afeta a órbita do cidadão comum, que é indiretamente responsabilizado pelos abusos cometidos pelo ex-administrador, sendo privado de recursos que, a rigor, deveriam ser utilizados para melhorar as suas condições de vida e lhe garantir o acesso à saúde, à educação, à segurança, à moradia, ao lazer, etc.
Mais consentâneo com os modernos preceitos da administração pública é não realizar a inscrição caso o inadimplemento decorra de ato de dirigente anterior, cabendo ao próprio Estado, a que se deve prestar contas, tomar as medidas administrativas ou judiciais que entender necessárias para promover a responsabilidade do gestor. Admitir em sentido contrário é punir duplamente os cidadãos, negando ou restringindo o acesso a bens ou serviços que lhes são essenciais.
O que não podemos admitir é a política legislativa atual de “atirar primeiro e perguntar depois”, ou seja, de punir os cidadãos, a quem toda ação administrativa está dirigida, para, posteriormente, responsabilizar os maus administradores. Essa sistemática, além de altamente nociva aos interesses da população, apresenta-se burocrática, onerosa e contraproducente, transferindo para o ente federado que possui menores recursos materiais e humanos ônus que é, sem dúvida, do próprio Estado.
Certo é que o bloqueio de verbas ao município, privando-o de recursos nas áreas públicas que exigem prioridade, indispensáveis para o atendimento das necessidades da população, significa prejuízo para os próprios munícipes, não sendo prudente aguardar o desfecho de alguma ação judicial ou representação para que a questão se veja resolvida. Como dito, não poder ser o interesse primário da população preterido em relação a questões administrativas e orçamentárias que ainda devem ser apuradas. Esse sistema não leva em conta, portanto, os fins a que se dirige o Estado e muito menos o princípio da razoabilidade, pois a medida se revela muito superior ao que seria necessário para regularizar a situação, impondo excessivo encargo aos cidadãos ou, o que é pior, privando-os de acesso a bens, serviços e obras indispensáveis para o pleno exercício de seus direitos sociais.
A inscrição ou a permanência dos municípios no registro de inadimplência do Siafi implicam o imediato bloqueio das transferências de recursos, em detrimento do interesse público, com prejuízos irreparáveis ao crescimento municipal. Destarte, a adoção de medidas que tenham o objetivo de impelir a administração a cumprir seus deveres não pode inviabilizar a prestação de serviços públicos essenciais, como ocorre atualmente.
Essas são as razões para oferecermos ao exame da Casa este projeto de lei, que se apresenta compatibilizado com as disposições da Lei Complementar nº 33, de 1994, e com o princípio da razoabilidade e visa, ao fim e ao cabo, dar um tratamento mais justo e equilibrado às questões administrativas, financeiras e orçamentárias da administração pública, sem perder de vista a sua finalidade, qual seja o bem comum da comunidade administrada.
- Publicado, vai o projeto às Comissões de Justiça, de Administração Pública e de Fiscalização Financeira para parecer, nos termos do art. 188, c/c o art. 102, do Regimento Interno.