PL PROJETO DE LEI 378/2015
Projeto de lei nº 378/2015
(Ex-Projeto de Lei nº 4.014/2013)
Determina o pagamento pelo Estado das despesas com o exame do ácido desoxirribonucleico - DNA - para investigação de crime de estupro nos casos que especifica.
A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:
Art. 1º - O Estado arcará com os custos relativos à realização do exame do ácido desoxirribonucleico - DNA - para a investigação de crime de estupro, nos processos judiciais em que a vítima for reconhecidamente pobre, nos termos da legislação em vigor.
Art. 2º - O benefício de que trata esta lei abrange a coleta de material e a utilização de técnicas especializadas para identificar o agressor.
Art. 3º - A aplicação do disposto nesta lei se fará de modo progressivo, estando condicionada à disponibilidade orçamentária e à capacidade financeira do Estado.
Art. 4º - As despesas decorrentes da aplicação desta lei correrão por conta de recursos originários de dotação orçamentária própria.
Art. 5º - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Sala das Reuniões, 11 de março de 2015.
Fred Costa
Justificação: Muitas sentenças penais prolatadas em casos de crimes de estupro, por ser de difícil comprovação, têm como meio de prova principal a palavra da vítima. Todavia, a vítima mulher somente é merecedora de confiança quando tem um comportamento social dito como aceitável, observando-se com maior frequência as características pessoais dos envolvidos do que as próprias circunstâncias nas quais o delito foi cometido.
Dessa forma, o processo penal reproduz a violência de gênero. A análise de comportamento que é feita pelos operadores jurídicos, sobretudo o Juiz, instaura no processo criminal um processo de classificação de vítimas no qual algumas são merecedoras de respeito e outras são tidas como quem deu motivo à violência, e por isso mereceram sofrer a agressão. Fomenta-se então a discriminação, principalmente da mulher, que deveria ter agido de acordo com o seu papel social esperado, nem sempre desejado, ou seja, deveria ter ficado restrita ao meio privado, em vez de se aventurar no meio público, que a ela não pertence, e propaga-se a errônea concepção de um mundo justo, onde recebemos aquilo que merecemos.
A palavra da vítima, apesar de muitas vezes ser o único instrumento que se tem para a comprovação do estupro, somente é merecedora de confiança quando a mulher tem um comportamento social aceitável, ou quando o agressor tem um comportamento social não aceitável, ou quando for patologicamente perturbado, observando-se com maior frequência as características pessoais de ambos, principalmente da vítima, e depois as circunstâncias nas quais o delito foi cometido.
Os delitos sexuais frequentemente são crimes de difícil comprovação. Primeiramente por serem cometidos, como a maior parte dos crimes sexuais, em locais ermos, escondidos, o que dificulta a existência de uma testemunha que os comprove visualmente. Portanto, as testemunhas só poderão contribuir dando sua opinião e ressaltando, ou não, o que acharem relevante, subjetiva e objetivamente.
O exame de corpo de delito de conjunção carnal não atesta concretamente a violência, principalmente se a vítima for adulta, não virgem, ou então se tiver sido coagida física ou psicologicamente a não resistir à agressão, como, por exemplo, por meio de arma de fogo ou ameaça de mal injusto.
Dessa feita, pela dificuldade de se encontrarem provas materiais, a palavra da vítima é valorizada de forma particular e considerada elemento basilar do processo, suficiente em alguns casos para condenar o réu.
Apesar de a jurisprudência entender que a palavra da vítima é satisfatória para atestar o crime, há uma tendência a somente admiti-la como prova quando a vítima apresenta características que demonstrem sua confiabilidade.
Segundo Pimentel (1998, pág. 112), “o estupro é o único crime em que a vítima tem que provar que não é culpada”. Nos casos em que a palavra da vítima é colocada em questão, a materialidade é a única forma de se comprovar que houve a consumação do delito.
Quando não há a comprovação material do estupro, o Juiz, com receio de ser injusto quanto ao réu, submete a vítima a uma análise rigorosa em que não basta o relato do fato, sendo também realizada a análise sobre sua vida pregressa.
Começa então todo um processo de avaliação do histórico de vida da vítima e do agressor, com a avaliação de informações como idade, antecedentes, condição financeira, perspectivas de futuro, passagem em unidades psiquiátricas, entre outras questões que poderão dar ou não credibilidade aos respectivos depoimentos. São essas análises, objetivas em alguns casos, mas subjetivas na sua maioria, que irão demonstrar a relevância ou o valor da palavra da vítima, para o bem ou para o mal. Nesse contexto, a subjetividade no imaginário de cada magistrado poderá atribuir ou não certo grau de confiabilidade ao discurso da vítima quando ela incrimina o agressor.
Todavia, se os dados recolhidos durante essa análise não estiverem de acordo com aquilo que a sociedade compreende como comportamento adequado, dificilmente a mulher vítima poderá se valer da sua versão dos fatos para garantir que seu algoz seja punido, sobretudo se isso se coadunar com o fato de esse suspeito ter um estereótipo supostamente incompatível com aquilo que se espera de um criminoso (Coulouris, 2004).
Nesse diapasão, quais os critérios que darão relevância à palavra da vitima? Qual a forma de análise feita pelo magistrado que dará credibilidade ao discurso da vítima, quando da ausência de comprovação material do crime?
Para a justiça, para que o discurso da vítima seja considerado plenamente consistente e próprio para incriminar o agressor, este deve ser linear, conciso e claro. A depoente também deve apresentar características comportamentais e de personalidade que deem sustentação ao seu discurso, pois parece mais provável que pessoas desequilibradas moral ou psicologicamente possam cometer injustiças ao denunciar alguém erroneamente.
Todavia, observamos que essa é uma prática subjetiva e, além disso, discriminatória. Por exemplo, não se concebe na nossa sociedade machista que um homem trabalhador e chefe de família seja condenado por estupro com base apenas no depoimento de uma mulher de comportamento duvidoso e vida liberal.
Dito isso, fica claro que o grau de confiabilidade no discurso da vítima de estupro será investigado em relação a um contexto, que inclui sua vida pregressa, familiares, relacionamentos afetivos e, por fim e com menos importância, o crime e as circunstâncias em que ocorreu. Como observa Colouris (2004, pág.15), “o saber jurídico, nos casos de crimes sexuais, só acreditará na palavra da vítima se esta for caracterizada como 'honesta'. E este conceito está intimamente relacionado à questão da moralidade feminina”.
Além do quesito credibilidade-confiança que a mulher deve atender, para que seja comprovado efetivamente que ela foi vítima de estupro, ela ainda é submetida a rigorosos testes de resistência, tais como longas audiências, confrontações com o agressor, longas esperar nos corredores de delegacia e fórum, etc. Todos esses testes ou situações de resistência são criados inconscientemente no intuito de verificar se a vítima poderá levar seu caso adiante. Em caso positivo, isso talvez signifique que ela fala a verdade, porque resistiu. De fato, o martírio ao qual a vítima é submetida produz desmotivação a dar continuidade ao processo, devido ao constrangimento ao qual ela se vê obrigada a se submeter e a vivenciar reiteradamente.
Mesmo os comportamentos ou reações que deveriam ser considerados como reações consequentes à violência ou como consequência natural do trauma, tais como o olhar vago, a fala tremelicante ou a logorreia, a amnésia, o bloqueio e a incongruência, são vistos como sinais de imprecisão e interpretados como sinais de falta de credibilidade. Por terem que repetidas vezes expor sua intimidade durante o processo, e a isso se soma a pressão que envolve um depoimento, as vítimas nem sempre logram o êxito de prestá-lo da maneira mais clara, lógica e rica em detalhes, sobretudo devido à própria natureza do crime de estupro, que por si só é uma invasão na privacidade física e de espírito de uma pessoa.
Todavia, segundo os Juízes, o relato tem que ser preciso, sem alterações, sem esquecimentos. É como se as vítimas, no momento de prestar o depoimento, tivessem que ser máquinas e desconsiderar as emoções decorrentes da violência sofrida. Além disso, os tribunais desconsideram que cada pessoa, na iminência de violência, tem diferentes reações e dessa forma estabelecem a reação que deveria ser típica de uma genuína vítima de estupro. A negativa da vítima tem que ser acompanhada por luta corporal e resistência física demonstrada e deverá ficar claro que a vítima resistiu até suas últimas forças até ser vencida. Como afirma Pedra Jorge, “não basta à mulher dizer não, porque o não pode significar um charmoso sim, o que nos remonta ao período das cavernas, quando a mulher era arrastada por seu companheiro pelos cabelos” (s.d., pág.2).
Então, para que haja uma “comprovação ideal” que sustente a condenação do agressor, é necessário que a vítima reúna requisitos que atestem o crime. Não basta o seu relato: este deve ser coberto de precisão e objetividade, logicidade e racionalidade, para que o fato seja interpretado como crime.
A melhor de todas as provas é algo que ateste a materialidade da conjunção carnal forçada, tais como marcas de agressão física. Ou então testemunhas que comprovem ocularmente o crime. Caso contrário, com a negativa do autor do fato, a investigação será projetada inevitavelmente para a avaliação do comportamento pessoal dos envolvidos, sobretudo se existir entre eles uma relação anterior. A mulher então deverá demonstrar ter um comportamento “honesto”, correto, moralmente aceito, enquanto o agressor deve atender ao estereótipo do delinquente desempregado, não inserido no meio social, ou do delinquente maníaco, tarado.
É comum ver Juízes se referindo ao comportamento de ambos, ofendido e ofensor, como requisito para analisar quem está falando a verdade. Em um crime sem provas materiais, o magistrado, na ânsia de atestar a veracidade dos fatos, tende a sair do cenário do crime e a se projetar na vida e no comportamento dos envolvidos. A violência pode então ser comprovada por outros fatores, mas é extremamente difícil confirmar se houve relação forçada, sem a presença de lesões aparentes. Também não há como atestar a relação sexual se a mulher for adulta e não virgem. O médico legista pode até detectar a presença de esperma e atestar se houve uma relação sexual recente ou não, mas não há como saber se a relação foi ou não consentida e muito menos identificar o agressor, pois não se pode provar se o material colhido da conjunção carnal corresponde ao suspeito. A comprovação somente se daria através do exame de DNA, mas não dispomos dessa facilidade no departamento de investigação do Estado.
Sendo assim, em busca de favorecer a instauração da justiça entre as partes, em situação tão absurda e delicada, propomos este projeto de lei, na expectativa de viabilizar a comprovação dos fatos. Esperamos contar com o apoio de nossos nobres pares para sua aprovação.
- Publicado, vai o projeto às Comissões de Justiça, de Segurança Pública e de Fiscalização Financeira para parecer, nos termos do art. 188, c/c o art. 102, do Regimento Interno.