PL PROJETO DE LEI 2085/2011
Projeto de Lei nº 2.085/2011
Dispõe sobre a eutanásia em animais no Estado de Minas Gerais e dá outras providências.
A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:
Art. 1º - Fica vedada a eliminação de animais pelos órgãos de controle de zoonoses, canis públicos e estabelecimentos oficiais congêneres, exceção feita à eutanásia, permitida nos casos de enfermidades infectocontagiosas, comprovadamente sem tratamento, que coloquem em risco a saúde de pessoas ou de outros animais.
§ 1° - A eutanásia será justificada por laudo do responsável técnico pelos órgãos e estabelecimentos referidos no “caput” deste artigo, precedido quando for o caso de exame laboratorial, facultado o acesso aos documentos por entidades de proteção dos animais.
§ 2º - No caso de zoonose em que seja indicada a eutanásia, o exame de laboratório deverá ser realizado de forma a descartar a possibilidade de falso positivo e reações cruzadas.
§ 3º - O procedimento de eutanásia, quando necessário, deverá ocorrer com injeção letal, precedida de sedação profunda, seguida de anestesia geral que promova depressão do sistema nervoso central, sem risco de ansiedade e sofrimento desnecessários para o animal.
Art. 2º - Ressalvada a hipótese de doença infectocontagiosa comprovadamente sem tratamento, o animal que se encontre na situação prevista no art. 1º desta lei, permanecerá por setenta e duas horas à disposição de seus responsáveis, oportunidade em que serão esterilizados.
Parágrafo único - Vencido o prazo previsto no “caput” deste artigo, os animais não resgatados serão disponibilizados para adoção e registro, após esterilização e identificação e mediante assinatura de termo de integral responsabilidade.
Art. 3º - Fica vedado o envio de qualquer tipo de animal para as universidades e centros de pesquisa, bem como para fins de diversão ou entretenimento, pelos órgãos de controle de zoonoses, canis públicos e estabelecimentos oficiais congêneres.
Art. 4º - Fica o poder público estadual autorizado a celebrar convênio com Municípios, entidades de proteção animal e outras organizações não governamentais, universidades, estabelecimentos veterinários, empresas públicas ou privadas e entidades de classe, para a consecução dos objetivos desta lei.
Art. 5º - A infração aos dispositivos desta lei acarretará a aplicação de multa pecuniária no valor correspondente a 600 Ufemgs (seiscentas Unidades Fiscais do Estado de Minas Gerais), aplicada em dobro na hipótese de reincidência.
Parágrafo único - O montante arrecadado em decorrência da aplicação da multa prevista no “caput” será revertido às entidades de proteção dos animais devidamente cadastradas junto ao poder público estadual.
Art. 6º - O Poder Executivo regulamentará esta lei no prazo de sessenta dias da data de sua publicação.
Art. 7º - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Sala das Reuniões, 15 de junho de 2011.
Fred Costa
Justificação: A proteção aos animais e a salubridade pública, longe de serem valores antagônicos ou inconciliáveis, são interesses que se vinculam e que se voltam a um mesmo fim, já que as medidas que protegem os animais são as mesmas preconizadas pela Organização Mundial de Saúde, por atuarem na defesa da incolumidade pública. Dessa forma, é de natureza pública o interesse em implantar tais procedimentos.
Embora o abandono de cavalos pelas vias públicas já seja um fato comum e que chama atenção, a situação é ainda mais grave em relação aos cães e gatos, pois o número desses animais é manifestamente crescente, sendo sabido que eles são capturados e em seguida eliminados pelos órgãos de controle.
Era o que recomendava o 6° Informe Técnico da Organização Mundial de Saúde, de 1973, já em desuso na maior parte do mundo, uma vez que a OMS, com fulcro na aplicação desse método em vários países em desenvolvimento, concluiu por sua ineficácia, enunciando que não há prova alguma de que a eliminação de cães tenha gerado um impacto significativo na diminuição da propagação da raiva ou na densidade das populações caninas, por ser rápida a renovação dessa população, cuja sobrevivência se sobrepõe facilmente à sua eliminação (item 9.4, p. 58, 8° Informe Técnico). Além de ineficaz, o método é dispendioso, segundo expôs a OMS, no capítulo 9.3, p. 57, do referido Informe.
Tendo em vista que uma só cadela pode originar, direta ou indiretamente, 67 mil cães num período de seis anos, e que um cão, antes de ser eliminado, já inseminou várias fêmeas, não é difícil deduzir que matar não soluciona o problema.
Muito embora a OMS tenha recomendado urgência às autoridades responsáveis em revisar a política adotada, o Brasil ainda segue o método da captura seguida de morte, a que denomina de "eutanásia".
Longe da moral elevada que inspira a eutanásia, pratica-se um autêntico e indigno massacre sistemático de animais, que poderia ser evitado com medidas profiláticas, consistentes campanhas educativas sobre guarda responsável, implantação de vacinação e de esterilização em massa de animais, ainda que não domiciliados, pois enquanto alguns são apreendidos, muitos permanecem nas ruas, procriando e disseminando doenças (segundo a OMS, a taxa mais elevada de apreensão, no mundo registrada, não ultrapassa os 15%).
Não se desconhece que a legislação vigente pune os atos de abuso e de maus-tratos aos animais, tipificados como crime ambiental pelo art. 32 da Lei Federal nº 9.605, de 1998, e que a Constituição da República, em seu art. 225, § 1°, VII, declara incumbir ao poder público vedar as práticas que submetam animais à crueldade. Poucos se dão conta, contudo, de que a eliminação sistemática e injustificada de animais destoa da legislação pátria, uma vez que a tutela jurídica conferida ao animal não se restringe à sua integridade física, mas também, e, sobretudo, à vida, por se constituir em pressuposto básico de sua própria existência.
E a Constituição da República também tem sido alvejada pela atual política de saúde pública, que viola princípios enumerados em seu art. 37, relativos à administração pública, como o princípio da eficiência, uma vez que a administração pública deveria utilizar-se de forma adequada e racional dos meios disponíveis para se obter o melhor resultado possível, o que não ocorre no tocante ao controle das zoonoses e da população animal. Diga-se o mesmo quanto ao princípio da moralidade, uma vez que a política de saúde pública, ao exterminar milhares de animais, revela descaso pela vida, repelindo qualquer obrigação moral diante de seres vivos.
Outros princípios, expressos ou implícitos no sistema constitucional, também estão sendo relegados, tais como:
- princípio da finalidade: as normas sanitárias têm por finalidade o controle das doenças. Ao insistir na adoção de método tido por ineficaz, e, portanto, incapaz de satisfazer o propósito da lei, frustra-se a finalidade postulada pela norma, o que equivale a desatendê-la;
- princípio da razoabilidade: impõe limitações à discricionariedade administrativa quanto à escolha dos meios, que deverão ser compatíveis e adequados à consecução da finalidade traçada pela norma. A matança indiscriminada de animais não é um meio justo, legítimo ou adequado para solucionar questões de saúde pública;
- princípio da motivação: é dever da administração justificar seus atos, apontando-lhes as razões de fato e de direito que os autorizam. O extermínio não encontra respaldo técnico, pelo que o ato carece de motivação;
- princípio constitucional da educação ambiental: incumbe ao poder público promover a conscientização pública para a preservação do meio ambiente, como exige o art. 225, “caput” e § 1°, VI, da Carta Magna;
- princípio da precaução: compete ao poder público prevenir condutas lesivas ao meio ambiente. Não há prevenção do dano sem campanhas de vacinação e de esterilização em massa, aliadas à educação da população sobre os princípios da guarda responsável;
- princípio da indisponibilidade pela administração dos interesses públicos: a administração não tem disponibilidade sobre os interesses qualificados como coletivos, incumbindo-lhe apenas curá-los, o que não vem ocorrendo, uma vez que os animais são eliminados como se deles a administração pudesse dispor ao seu alvedrio.
Há que se repensar a postura que se tem diante dessa questão, editando leis inspiradas em padrões morais elevados e conhecimento técnico avançado, como fizeram países como a Itália, França, Espanha, Argentina, Índia, além de muitas localidades da Rússia e dos EUA, como a Califórnia.
No Brasil, a esterilização e devolução à comunidade de origem já é recomendada pela Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo (Boletim Epidemiológico Paulista, da Secretaria Estadual de Saúde, agosto de 2005, ano 2, n° 20) e pelo Decreto Municipal Carioca nº 23.989, de 19/2/2004, que criou o conceito de cão comunitário. As medidas expressas pelos arts. 6° e 7° deste projeto também espelham essas recomendações.
Além das implicações morais e jurídicas já mencionadas, a anuência conferida à atual política de saúde faz com que o poder público não se interesse por encontrar soluções eficazes e dignas para a questão, acomodando-se à prática do extermínio sistemático. Nesse sentido, a eliminação de animais se presta a perpetuar uma política de saúde pública tão inclemente, quanto ineficaz.
A necessidade de se proceder a exame laboratorial que garanta a veracidade dos resultados positivos, antes de se decidir pela eutanásia do animal, em caso de doenças infectocontagiosas sem tratamento, se deve principalmente ao fato dos exames usualmente feitos pelo poder público não serem 100% específicos nem 100% sensíveis.
Quanto ao envio de animais dos órgãos públicos para ensino e pesquisa ou entretenimento, sabemos que aos centros de controle de zoonoses e órgãos municipais afins cabe cuidar do controle de zoonoses e saúde pública e não fornecer animais para outras finalidades. Enquanto ao particular é lícito fazer tudo o que a lei não veda, à administração pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. É a observância da legalidade que a Constituição da República, no “caput” de seu art. 37, traz como princípio limitador da atividade administrativa. Assim, a administração pública não atende ao princípio da finalidade, cujo objetivo principal é o controle das doenças e não o envio de animais capturados para outros fins.
Pelo exposto, espero contar com a aprovação dos nobres pares para a aprovação desta iniciativa.
- Semelhante proposição foi apresentada anteriormente pelo Deputado Alencar da Silveira Jr. Anexe-se ao Projeto de Lei nº 575/2011, nos termos do § 2º do art. 173 do Regimento Interno.