PL PROJETO DE LEI 1817/2011

PROJETO DE LEI Nº 1.817/2011

Dispõe sobre medidas de controle da proliferação da leishmaniose e dá outras providências.

A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:

Art. 1° - O Poder Executivo implantará práticas de educação da população em relação à posse responsável e controle da natalidade canina, identificação rápida e controle dos reservatórios do mosquito transmissor da leishmaniose e empregar medidas de saneamento básico, por meio do manejo ambiental, para reduzir os prováveis criadouros do vetor.

Art. 2° - As regiões do Estado serão classificadas de acordo com o risco potencial de proliferação da doença, segundo estatísticas de casos ocorridos, nos termos do regulamento, a fim de orientar a atuação e a fiscalização por parte dos órgãos competentes.

Art. 3° - Conforme a classificação de risco potencial de que trata o art. 2º, o proprietário de cães deverá adotar medidas para o controle da leishmaniose, por meio do combate ao flebótomo com o uso de inseticidas no ambiente e de repelentes nos cães, como medida de proteção individual, por meio da utilização da coleira impregnada com deltametrina a 4% (quatro por cento).

Art. 4° - O Estado, em parceria com os Municípios, realizará campanha educativa dirigida aos responsáveis pelos cães, alertando sobre a necessidade da prática de medidas para reduzir os prováveis criadouros do vetor, além do emprego de medidas de proteção individual, no caso do reservatório doméstico, por meio da utilização da coleira impregnada com deltametrina a 4% (quatro por cento).

Parágrafo único - A campanha educativa consistirá em visitas periódicas aos proprietários de animais e na distribuição de material explicativo sobre os procedimentos preventivos a serem adotados.

Art. 5º - A fiscalização da adoção, por parte dos proprietários de cães, das medidas propostas por esta lei, e a atuação do Poder Público em prol do controle da leishmaniose serão exercidas pelas mesmas equipes responsáveis pelas campanhas contra a dengue, cabendo ao Poder Executivo municiá-las das informações necessárias a esta atuação.

Art. 6° - Constituem infrações sanitárias, sem prejuízo daquelas previstas na Lei n° 13.317, de 1999, bem como das demais sanções civis, penais e administrativas cabíveis:

I – descumprir as orientações e determinações sanitárias da autoridade do Sistema Único de Saúde – SUS –, o que será considerado infração leve, sujeita à penalidade de advertência ou multa;

II – deixar de adotar as medidas de controle que visem a evitar a proliferação do flebótomo responsável pela transmissão da leishmaniose visceral canina, o que será considerado infração grave, sujeita a pena educativa e multa.

Parágrafo único - Na apuração da infração sanitária, serão adotados os procedimentos estabelecidos nesta lei e os previstos na Lei n° 13.317, de 1999, sem prejuízo de outras medidas procedimentais estabelecidas pela vigilância em saúde.

Art. 7º - O Poder Executivo regulamentará esta lei, no que lhe couber, no prazo de cento e vinte dias.

Art. 8º - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Sala das Reuniões, 19 de maio de 2011.

Fábio Cherem

Justificação: A leishmaniose é uma doença crônica, de manifestação cutânea ou visceral, causada por protozoários flagelados do gênero Leishmania, da família dos Trypanosomatidae. O calazar (leishmaniose visceral) e a úlcera de Bauru (leishmaniose tegumentar americana) são formas da doença.

É uma zoonose comum ao cão e ao homem. É transmitida ao homem pela picada de mosquitos flebotomíneos, que compreendem o gênero Lutzomyia (chamados de "mosquito palha" ou birigui) e Phlebotomus.

No Brasil existem atualmente 6 espécies de Leishmania responsáveis pela doença humana e mais de 200 espécies de flebotomíneos implicados em sua transmissão. Trata-se de uma doença que acompanha o homem desde tempos remotos e que tem apresentado, nos últimos 20 anos, um aumento do número de casos e ampliação de sua ocorrência geográfica, sendo encontrada atualmente em todos os Estados brasileiros, sob diferentes perfis epidemiológicos. Estima-se que, entre 1985 e 2003, ocorreram 523.975 casos no Brasil.

As leishmanioses são antropozoonoses consideradas grande problema de saúde pública, representam um complexo de doenças com importante espectro clínico e diversidade epidemiológica. A Organização Mundial da Saúde - OMS - estima que 350 milhões de pessoas estão expostas ao risco, com registro aproximado de dois milhões de novos casos das diferentes formas clínicas ao ano.

No Brasil, a leishmaniose é uma doença com diversidade de agentes, de reservatórios e de vetores que apresenta diferentes padrões de transmissão e um conhecimento ainda limitado sobre alguns aspectos, o que a torna de difícil controle.

A leishmaniose visceral - LV - é uma doença de evolução crônica, sistêmica, caracterizada nos seres humanos por febre, esplenomegalia, perda de peso, astenia, anemia, entre outras e, quando não tratada, pode evoluir para óbito em mais de 90% dos casos.

O protozoário Leishmania chagasi, causador da LV, é transmitido aos seres humanos através da picada de um mosquito que também pode transmitir a doença ao cão doméstico. Esse fato dificulta o controle da doença no meio urbano, visto que o cão pode permanecer sem sintomas mesmo estando doente, situação chamada de reservatório da doença. A LV é uma doença de grande importância para a saúde pública por ser uma zoonose de alta letalidade.

Já a leishmaniose tegumentar americana - LTA - é uma doença infecciosa, não contagiosa, causada por diferentes espécies de protozoários do gênero Leishmania, que acomete pele e mucosas. Primariamente, é uma infecção zoonótica, afetando outros animais que não o ser humano, o qual pode ser envolvido secundariamente.

No Brasil, a LTA é uma das afecções dermatológicas que merece mais atenção, devido à sua magnitude, assim como pelo risco de ocorrência de deformidades que pode produzir no ser humano, e também pelo envolvimento psicológico, com reflexos no campo social e econômico. Apresenta ampla distribuição, com registro de casos em todas as regiões brasileiras.

A principal condição de transmissibilidade das leishmanioses nos ambientes urbanos está relacionada à adaptação do vetor, mosquito palha, ao peridomicílio, favorecida pela presença do cão. Em áreas urbanas com transmissão recente, observa-se que a doença se apresenta de forma epidêmica tanto para a doença humana quanto canina, e nessas áreas a leishmaniose canina antecede a humana, existindo associação na distribuição espacial de ambas. Pesquisadores estimam que nas áreas endêmicas, para cada humano doente existam 200 cães infectados.

Principalmente a leishmaniose visceral em área urbana tem sido um desafio para os gestores de saúde, principalmente pelo número de pessoas expostas ao risco de se infectar, adoecer e morrer, como também pelas dificuldades operacionais em abranger toda a extensão da área de transmissão.

Considerada um problema de saúde pública mundial, segundo a Organização Mundial da Saúde, a leishmaniose visceral registra anualmente 500 mil novos casos humanos no mundo, com 59 mil óbitos.

No Brasil, a LV apresenta comportamento epidemiológico cíclico, com elevação de casos em períodos médios a cada cinco anos, podendo ser observadas diferenças nesse comportamento entre Estados e Municípios.

Em 2007, 24 Unidades Federadas notificaram casos e, até a década de 90, a Região Nordeste correspondeu a 90% dos casos de LV do País. Porém, a doença vem se expandindo para outras regiões, modificando essa situação, de modo que do total de casos do período de 2001 a 2008, 55% ocorreram na Região Nordeste, havendo uma expansão gradativa para as Regiões Norte, Sudeste e Centro Oeste, que passaram de 26% (756/2859) do total de casos em 2001 para mais de 52% (2.165/4.125) do total de casos em 2008.

Em 2008, 4.125 novos casos humanos da doença foram registrados e o Estado de Minas Gerais vem encabeçando a última lista de incidência de casos, ainda preliminar, fornecida pelo Sistema de Informação de Agravos de Notificação – Sinan – do Ministério da Saúde com mais de 561 casos notificados.

A LV também está mais agressiva. No ano de 2000 a doença matava três em cada cem pessoas que a contraíam, hoje morrem sete.

Segundo dados do Ministério da Saúde, Minas Gerais é o segundo estado brasileiro com maior incidência da doença e apresentou 423 casos em 2007, de um total de 3.562 casos no país (12%).

Em 2008 foram 561 casos no Estado e 35 óbitos, números superiores aos 423 casos de 2007, quando houve 32 mortes. De acordo com a Secretaria de Estado de Saúde, de janeiro a junho de 2009, a doença infectou 168 pessoas e já matou 20 no Estado.

Governador Valadares teve, em 2009, 27,5% de taxa de letalidade da doença, estatística muito superior à média estadual que, no ano passado, foi de 5,5%. A média nacional é de 7% a 10%. Segundo as autoridades do Centro de Controle de Zoonoses, a situação em Governador Valadares é grave, porque o índice de letalidade da leishmaniose no Município é um dos mais altos do Estado.

Para controlar o avanço da LV, o Ministério da Saúde determina a eliminação dos cães infectados e proíbe seu tratamento com medicamentos utilizados em seres humanos, devido ao risco de esse tratamento promover a seleção de cepas de Leishmania chagasi resistentes. Outro vértice dos programas de vigilância e controle da LV tem sido controlar a densidade dos flebótomos por meio da aplicação do inseticida de ação residual da classe dos piretróides.

Pesquisas recentes tem mostrado a necessidade de introdução de novas ferramentas para o controle da LV, entre as quais se vem propondo o manejo ambiental, para reduzir os prováveis criadouros do vetor e o emprego de medidas de proteção individual, no caso do reservatório doméstico, a utilização da coleira impregnada com deltametrina a 4%.

A coleira impregnada com deltametrina a 4% protege os cães das picadas dos flebótomos e evita que eles sejam infectados pela leishmania, porque a deltametrina tem, em sua formulação, um potente inseticida da família dos piretróides, com excepcional atividade contra os principais ectoparasitas dos cães, principalmente sobre o flebótomo responsável pela transmissão da LV.

A coleira mostrou resultados satisfatórios em experimentos laboratoriais, com efeito letal para as diferentes espécies de flebótomos.

Tais resultados foram confirmados em vários países, e em estudo citado em artigo publicado no Boletim Epidemiológico Paulista - Bepa -, ano 1, nº 12, de dezembro de 2004 , realizado no Brasil por Lima e Col (2002), que concluiu ser a utilização da coleira mais eficaz para prevenir a transmissão da doença do que a eliminação dos cães soropositivos.

Entre os estudos de campo, um dos pioneiros foi o que se realizou no sudeste da Itália. Comparando-se duas áreas - uma controle e outra tratada - verificou-se a proteção de 86% dos cães da área tratada.

Outro estudo conduzido no Irã, em dezoito vilas - nove tratadas e nove controles -, constatou-se a redução de 64% da incidência da doença em cães e decréscimo de 43% da incidência em crianças, depois de um ano da utilização das coleiras.

Na Espanha, avaliou-se o tempo de eficácia da coleira, observando-se que seu efeito antirrepasto (repelente) chegou a ser maior do que 90% da semana 2 a semana 20.

Na França, concluiu-se que, pelo menos na sub-região Mediterrânea, esta coleira inseticida protegeria um cão da maioria das picadas do mosquito palha e manteria um efeito mortal por uma estação completa do mosquito palha.

Segundo os estudos realizados, sua eficácia é garantida por quatro meses, muito embora os efeitos da coleira perdurem por até seis meses, interrompendo o ciclo da transmissão e da infecção. A coleira não só repele, mas mata o mosquito palha, transmissor da leishmaniose. Utilizada em grande escala, o encoleiramento produz o denominado “efeito rebanho”, que é a extensão de efeito protetor também aos não encoleirados, reduzindo-se a força de infecção pela barreira imposta pela coleira. Ademais, segundo estudos, os gastos com o encoleiramento em massa são menores do que os despendidos com a eliminação de animais e a pulverização, que não têm se mostrado eficazes para o controle da doença, sem falar no impacto social gerado pela matança de cães.

Em virtude das características epidemiológicas das leishmanioses, as estratégias de controle devem ser flexíveis, distintas e adequadas a cada região ou foco em particular.

A diversidade de agentes, de reservatórios, de vetores e a situação epidemiológica da leishmaniose, aliada ao conhecimento ainda insuficiente sobre vários aspectos, evidencia a complexidade do controle desta endemia. Daí a necessidade de se prever e se regulamentar uma atuação mais eficaz do Poder Público e dos proprietário de cães, no intuito de controlar a proliferação da leishmaniose no Estado de Minas Gerais.

Diante do exposto, conto com o apoio dos nobres pares para a aprovação deste projeto de lei.

- Publicado, vai o projeto às Comissões de Justiça, de Saúde e de Fiscalização Financeira para parecer, nos termos do art. 188, c/c o art. 102, do Regimento Interno.