PL PROJETO DE LEI 580/2003

PROJETO DE LEI Nº 580/2003

Institui reserva de vagas em cursos de nível superior ministrados pelas instituições públicas de ensino do Estado em favor de candidatos portadores de deficiência e dá outras providências.

A Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:

Art. 1º - As instituições públicas de ensino superior pertencentes ao Sistema Estadual de Ensino destinarão, no mínimo, 5% (cinco por cento) das vagas dos cursos por ela oferecidos aos candidatos portadores de deficiência.

§ 1º - Para os fins desta lei, consideram-se as definições de deficiência estabelecidas na Lei nº 13.465, de 12 de janeiro de 2000.

§ 2º - O disposto nesta lei não se aplica ao curso superior de Administração, habilitação em Administração Pública, mantido pela Escola de Governo, vinculada à Fundação João Pinheiro, o qual segue o previsto na Lei nº 11.867, de 28 de julho de 1995.

Art. 2º - A seleção do candidato portador de deficiência ocorrerá em igualdade de condições com os demais candidatos, no que se refere ao conteúdo das provas e à pontuação mínima exigida para a aprovação no concurso, observadas as disposições da Lei nº 14.367, de 19 de julho de 2002.

Parágrafo único - A instituição de ensino avaliará, previamente à realização do processo seletivo, a compatibilidade do curso pretendido com as especificidades da deficiência apresentada pelo candidato.

Art. 3º - O edital do concurso especificará o número de vagas destinadas aos candidatos portadores de deficiência em cada curso, considerando-se o percentual definido no “caput” do art. 1º.

Parágrafo único - Sempre que a aplicação do referido percentual resultar em número fracionário, arredondar-se-á a fração igual ou superior a 0,5 (cinco décimos) para o número inteiro subseqüente e a fração inferior a 0,5 (cinco décimos) para o número inteiro anterior.

Art. 4º - Sendo o número de candidatos portadores de deficiência inferior ao número de vagas oferecidas pela reserva especial, as vagas remanescentes poderão ser preenchidas pelos demais candidatos, obedecida a ordem de classificação.

Art. 5º - Além de cumprir os requisitos de acessibilidade previstos na legislação federal e estadual em vigor, a instituição de ensino que receber aluno portador de deficiência deverá desenvolver ações voltadas à flexibilização e à especialização dos serviços didático-pedagógicos e administrativos, promovendo para tal a capacitação de recursos humanos e as adaptações necessárias em sua infra-estrutura, de modo a possibilitar a plena integração do aluno portador de deficiência à vida acadêmica.

Art. 6º - As autoridades titulares das instituições de ensino superior públicas estaduais são diretamente responsáveis pela observância das normas estabelecidas nesta lei.

Art. 7º - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 8º - Revogam-se as disposições em contrário.

Sala das Reuniões, de de 2003.

Marília Campos

Justificação: O Brasil é um dos países que possuem uma das maiores populações de pessoas portadoras de deficiência, ao mesmo tempo em que apresenta o menor índice de participação dessas pessoas no mercado de trabalho. Segundo dados do IBGE e do Ministério do Trabalho, oito milhões de deficientes pertenciam, no ano de 2000, à faixa etária considerada produtiva e possuíam condições de desempenhar algum tipo de atividade profissional; porém, apenas 180 mil estavam no mercado de trabalho. A dimensão do problema tem vindo à baila recentemente, com a intensificação da fiscalização do Ministério da Justiça sobre as empresas privadas, que, juntamente com os órgãos públicos federais e estaduais, por força de lei, devem reservar um percentual de vagas aos portadores de deficiência. As empresas alegam que o maior obstáculo à contratação de deficientes é a falta de qualificação desse potencial trabalhador, que - somadas as dificuldades inerentes à sua condição e a ausência de políticas mais definidas que garantam sua inclusão nos vários níveis de ensino - se vê dotado de poucas oportunidades de se qualificar, especialmente no que tange às ocupações mais complexas, o que reduz consideravelmente suas chances de ascensão social.

Segundo dados do último censo escolar promovido pelo Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais - INEP -, o número de portadores de deficiência atendidos na educação básica é de 6,8% do total de deficientes com idade até 24 anos. O número de deficientes que ingressam no nível superior de ensino sequer é compilado nas pesquisas. No entanto, sabemos que um grande contingente de portadores de deficiência estaria apto a desenvolver uma formação superior e ingressar no mercado de trabalho em ocupações qualificadas, com o mesmo rendimento de pessoas consideradas normais, se houvesse maior empenho do Estado e da sociedade em promover verdadeiramente o acesso desse segmento à universidade e ao mercado.

A reserva de vagas no ensino superior público estadual seria uma forma de proporcionar melhores oportunidades aos deficientes de obterem uma formação educacional e profissional mais aprimorada e, conseqüentemente, de se integrarem de fato na sociedade de maneira igualitária, haja vista que as dificuldades de inclusão enfrentadas por eles se iniciam desde o primeiro nível de escolarização. A despeito do visível esforço na formulação de um novo desenho das políticas educacionais em favor da inclusão do deficiente em turmas regulares de ensino, dados muito recentes revelam que a pretendida inclusão não chega a 13% do total de alunos deficientes matriculados na educação básica.

Dessa forma, o projeto de lei que submetemos à análise deste parlamento lança mão de um mecanismo de ação afirmativa que, se por um lado tem suscitado opiniões e decisões em direções diversas no meio jurídico, por outro, tem suas bases já muito bem assentadas no direito brasileiro, principalmente quando se considera a clientela a ser beneficiada pela reserva de vagas objeto da proposição. A Constituição Federal de 1988 já acolhe modalidades de ação afirmativa em favor da pessoa deficiente, ao prever expressamente a reserva de vagas na administração pública, materializada nas Leis nºs 7.835, de 1989 e 8.112, de 1990. No âmbito do Estado de Minas Gerais, a Lei nº 11.867, de 1995, veio garantir a reserva de 10% dos cargos e empregos públicos para pessoas portadoras de deficiência. A cota nas empresas privadas está prevista em lei federal desde 1991 (Lei nº 8.213). Ao longo dos anos, a justiça brasileira tem se posicionado claramente em favor do pleno cumprimento dessas normas, sem que tenha sido suscitado confronto do conteúdo dessa legislação com o princípio da igualdade expresso na Constituição da República.

De fato, cuida-se, nos dias atuais, de consolidar a noção de igualdade material ou substancial, que, longe de se apegar ao formalismo e à abstração da concepção igualitária do pensamento liberal que remonta ao século XVIII, recomenda, inversamente, uma noção dinâmica e militante de igualdade, na qual necessariamente são pesadas e avaliadas as desigualdades concretas existentes na sociedade, de sorte que as situações desiguais sejam tratadas de maneira dessemelhante. A igualdade material propugna redobrada atenção, por parte dos aplicadores da norma jurídica, à variedade das situações individuais, de modo a impedir que o dogma liberal da igualdade formal impeça ou dificulte a proteção e a defesa dos interesses das pessoas socialmente fragilizadas e desfavorecidas.

Portanto, promover uma ação afirmativa - ainda que naturalmente demande tempo para se fazer uma avaliação mais segura de sua eficácia como medida de transformação social - é acreditar que as políticas públicas podem e devem se voltar à concretização do princípio constitucional da igualdade material e à neutralização dos efeitos da discriminação contra os grupos sociais minoritários.

Por fim, resta argumentar que a exigência legal da reserva de vagas para portadores de deficiência é uma medida que pode contribuir decisivamente para propiciar o cumprimento efetivo da legislação garantidora da acessibilidade do deficiente, facilitando o atendimento às suas necessidades especiais no ambiente universitário. Em Portugal, por exemplo, onde já é adotada a reserva de vagas para deficientes em algumas universidades, há pelo menos três anos, as instituições implementaram estruturas e programas de apoio específicos para os alunos portadores de deficiência, demandados em virtude do incremento do número de alunos pertencentes a esse grupo. No Brasil, há recomendações do Ministério da Educação dirigidas às universidades de como recepcionar o aluno deficiente, de forma a garantir sua permanência e integração, o que já tem sido feito em algumas universidades, como, por exemplo, na Universidade de Brasília. Resta ousar um pouco mais e tentar alavancar concretamente o acesso do portador de deficiência ao ensino superior. Algumas iniciativas também já começam a despontar com esse fim: a Universidade Estadual do Rio Grande do Sul já garante, no seu estatuto, a reserva de vagas para alunos portadores de deficiência. No Rio de Janeiro, já está em vigor a Lei nº 4.061, de 2/1/2003, instituindo cotas para deficientes nas universidades estaduais.

A nosso ver, a iniciativa do projeto de lei que ora apresentamos conclama o Estado a deixar de lado a passividade, a renunciar à sua suposta neutralidade e a adotar um comportamento ativo, positivo e quase militante, na busca da concretização da igualdade de fato, pelo que pedimos apoio dos nobres pares à aprovação desta proposição.

- Publicado, vai o projeto às Comissões de Justiça e de Educação para parecer, nos termos do art. 188, c/c o art. 102, do Regimento Interno.