PL PROJETO DE LEI 5240/2018

Parecer para o 1º Turno do Projeto de Lei Nº 5.240/2018

Comissão de Constituição e Justiça

Relatório

A proposição em análise, de autoria do deputado Antônio Carlos Arantes, “dispõe sobre a Política Estadual do Biogás e Biometano e dá outras providências.”.

Publicado no Diário do Legislativo de 14/6/2018, foi o projeto distribuído às Comissões de Constituição e Justiça, de Minas e Energia e de Desenvolvimento Econômico, nos termos do art. 188 do Regimento Interno.

Cumpre-nos, preliminarmente, examinar a proposição nos seus aspectos de juridicidade, constitucionalidade e legalidade, nos termos do art. 102, III, “a”, do mencionado Regimento.

Fundamentação

O projeto em tela, conforme seu art. 1º, pretende instituir “… a Política Estadual do Biogás, do Biometano e demais produtos e direitos derivados da decomposição de matéria orgânica (biodigestão), a qual estabelece princípios, regras, obrigações e instrumentos de organização, incentivos, fiscalização e apoio às cadeias produtivas, integradas ou não, visando ao enfrentamento das mudanças climáticas e à promoção do desenvolvimento regional com sustentabilidade ambiental, econômica e social.”.

Em seu art. 2º, o projeto traz uma série de conceitos, tais como, entre outros, o de biogás e o de biometano.

O art. 3º da proposição dispõe sobre gestão de resíduos. O art. 4º, por sua vez, dispõe sobre licenciamento ambiental e sanitário. Já o art. 5º trata de normas de segurança. Os arts. 6º a 8º dispõem sobre o fomento à inovação. O art. 9º trata de regulamentação pelo Poder Executivo e o art. 10 traz cláusula de vigência.

Segundo a justificação, a proposição “visa estabelecer condições específicas para tornar o biogás e o biometano fontes energéticas seguras, com qualidade e disponibilidade, além de promover um ambiente institucional atrativo para o investimento em nosso Estado e criar condições para a estruturação da cadeia de suprimentos tecnológicos e de serviços, conforme os ditames da Constituição do Estado (...)”. E acrescenta que “ademais, ainda apontamos neste projeto de lei o estímulo ao desenvolvimento de inovação nas tecnologias envolvidas com estes processos, tornando viável que sejam realizados investimentos especificadamente voltados para a pesquisa de inovação científico-tecnológica na produção de biogás e biometano no Estado (...)”.

De acordo com o art. 22, inciso IV, da Constituição Federal, os estados ficam impedidos de legislar sobre energia. Verifica-se porém, que o estado tem competência para agir com o objetivo de incentivar e patrocinar políticas públicas nesse campo. No entanto, as ações dos estados devem ficar circunscritas a medidas de natureza financeira, tributária, administrativa e de meio ambiente, observadas as normas gerais, editadas pela União. Além disso, as ações dos estados não devem interferir na predominância do interesse do município para dispor sobre matéria relativa a especificidades da política urbana, nos termos do art. 30, VIII, e do art. 182, todos da Constituição Federal. Revela-se, assim, constitucional o projeto que estabelece política pública de incentivo ao uso de energia de fonte renovável, de forma complementar ou substitutiva às tradicionais.

Considerando que a matéria contida no bojo da proposição relaciona-se à instituição de política pública estadual, a princípio a proposição se insere no âmbito daquelas de iniciativa privativa do governador a que se refere o inciso III do art. 66 da Constituição do Estado.

Contudo, conforme precedentes desta comissão, viabiliza-se a apresentação de projeto de lei de iniciativa parlamentar na criação de políticas públicas desde que, em respeito ao princípio da separação entre os Poderes, não haja interferência na estrutura organizacional da administração pública do Poder Executivo e nem se atribuam competências a órgãos e entidades estatais.

A instituição de política pública estadual, mediante projeto de lei de iniciativa parlamentar, torna-se juridicamente viável contanto que a política se restrinja à definição de diretrizes, parâmetros e objetivos.

Nosso Estado já possui normas que instituem políticas de incentivo ao uso de energias alternativas ou renováveis, como a Lei nº 20.849, de 2013, que “institui a política estadual de incentivo ao uso da energia solar”, a Lei nº 15.976, de 2006, que “institui a política estadual de apoio à produção e à utilização do biodiesel e de óleos vegetais”, bem como a Lei nº 15.698, de 2005, que “dispõe sobre a política de incentivo ao uso da energia eólica e dá outras providências”. Essas leis, no entanto, não tratam explicitamente sobre biogás ou biometano.

Ressaltamos a existência da Lei nº 19.500, de 2018, em vigor no Estado do Paraná, a qual é muito semelhante à proposição em exame.

Observamos, no entanto, no que se refere ao art. 2º da proposição, que os conceitos ali contidos deverão observar a legislação federal e estadual já existente sobre o tema. No âmbito federal, por exemplo, a Agência Nacional do Petróleo – ANP – já editou a Resolução Normativa nº 8, de 2015, a qual traz o conceito de biogás e de biometano.

Os arts. 3°, 4º, 5º e 6º comportam adequações, a fim de compatibilizarem-se com a legislação aplicável aos temas neles tratados, a saber, respectivamente: Lei nº 18.031, de 2009, Lei nº 21.972, de 2016, Lei nº 14.130, de 2001, Lei nº 17.348, de 2008, bem como Lei Federal nº 10.973, de 2004.

Suprimimos o art. 7º do projeto, uma vez que é mera reprodução do art. 4º da Lei Federal nº 10.973, de 2004.

O art. 8º da proposição, por sua vez, na forma como redigido, tangencia matérias de atribuição de agência reguladora, bem como tangencia matérias de iniciativa do Executivo, de forma que propomos uma nova redação ao final, com a supressão de incisos e alteração de redação do caput.

Por exemplo, no que se refere ao inciso VI do citado art. 8º, o qual trata de criação de fundo, verificamos que, a princípio, a matéria se insere no domínio de competência legislativa estadual, consoante o previsto no inciso I do art. 24 da Constituição da República, que estabelece a competência concorrente para legislar sobre direito financeiro. No entanto, não observa os requisitos previsos na Lei Complementar nº 91, de 2006, para a criação de fundos. Ademais, os procedimentos envolvidos na estruturação de fundo esbarram nas limitações e no princípio do equilíbrio orçamentário, de iniciativa legislativa privativa do governador do Estado, posto que tanto a aplicação como a definição das condições para a alocação de recursos em programas administrativos são atribuições típicas do Poder Executivo, detentor da competência constitucional para realizar tais ações de governo. O dispositivo, na forma como apresentado, acabaria por violar as regras do art. 66, inciso III, alínea “i”, da Constituição do Estado, que reserva ao governador a iniciativa da apresentação de projeto de lei que trate do orçamento dos órgãos e entidades do Poder Executivo. Em razão disso, o referido inciso foi suprimido.

De toda forma, dada a complexidade da matéria objeto da proposição, as comissões de mérito poderão fazer uma análise mais detalhada das medidas nela contidas, de forma a alinhá-las, também, com as políticas públicas já existentes. A propósito, ressaltamos: Decreto nº 46.296, de 2013, que “dispõe sobre o Programa Mineiro de Energia Renovável – Energias de Minas – e de medidas para incentivo à produção e uso de energia renovável”; Decreto no 44.042, de 2005, que instituiu o Fórum Mineiro de Mudanças Climáticas; Decreto nº 45.229, de 2009, que regulamentou medidas do poder público de Minas Gerais referentes ao combate às mudanças climáticas e à gestão de emissões de gases de efeito estufa; e Decreto no 46.818, de 2015, que criou o Comitê Político do Plano de Energia e Mudanças Climáticas de Minas Gerais.

Ainda acerca da análise que será feita pelas comissões de mérito, temos a pontuar que estas poderão verificar mais detidamente, tendo em vista as políticas públicas já instituídas, a viabilidade de reconhecimento de novas empresas como Empresas de Base Tecnológica – EBTs – e as implicações daí decorrentes, tais como a concessão de incentivos e o respectivo impacto orçamentário-financeiro de tais medidas.

Finalmente, sugerimos a supressão do art. 9º por desnecessidade, visto que a competência regulamentar do chefe do Poder Executivo decorre diretamente do art. 90 da Constituição do Estado.

Assim, a fim de adequar a proposição à melhor técnica legislativa, bem como para ultrapassar os óbices jurídicos apontados, apresentamos o Substitutivo nº 1 a seguir.

Conclusão

Em face do exposto, concluímos pela juridicidade, constitucionalidade e legalidade do Projeto de Lei nº 5.240/2018, na forma do Substitutivo nº 1, a seguir apresentado.

SUBSTITUTIVO Nº 1

Dispõe sobre a política estadual do biogás e do biometano.

A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:

Art. 1º – A política estadual do biogás e do biometano obedecerá ao disposto nesta lei.

Art. 2º – Para os efeitos desta lei, entende-se por:

I – cadeia produtiva do biogás, do biometano o conjunto de atividades, empreendimentos e arranjos produtivos ligados entre si por relações contratuais e que fazem parte de setores da economia que prestam serviços e utilizam, produzem, geram, industrializam, distribuem, transportam ou comercializam produtos derivados da biodigestão, inclusive de resíduos sólidos e efluentes;

II – resíduos sólidos os resíduos em estado sólido ou semissólido resultantes de atividade industrial, doméstica, hospitalar, comercial, agrícola, de serviços e de varrição, inclusive os lodos provenientes de sistemas de tratamento de água e os resíduos gerados em equipamentos e instalações de controle de poluição, bem como determinados líquidos cujas particularidades tornem inviável seu lançamento na rede pública de esgotos ou em corpos d'água;

III – efluentes os despejos líquidos provenientes de diversas atividades ou processos;

IV – biodigestão a transformação de matéria orgânica em novos produtos por meio do processo de decomposição anaeróbia;

V – biogás o gás bruto obtido da biodigestão;

VI – biometano o biocombustível gasoso constituído essencialmente de metano, derivado da purificação do biogás;

VII – fertilizante orgânico: produto de natureza fundamentalmente orgânica, obtida por processo físico, químico, físico-químico ou bioquímico, natural ou controlado, a partir de matérias primas de origem industrial, urbana ou rural, vegetal ou animal, enriquecido ou não de nutrientes minerais;

VIII – biofertilizante: produto que contém princípio ativo ou agente orgânico, isento de substâncias agrotóxicas, capaz de atuar, direta ou indiretamente, sobre todo ou parte das plantas cultivadas, elevando a sua produtividade, sem ter em conta seu valor hormonal ou estimulante;

IX – cadeia produtiva integrada a relação entre o produtor rural integrado e a agroindústria integradora, nos termos da Lei Federal nº 13.288, de 16 de maio de 2016.

Art. 3º – São objetivos da política estadual do biogás e do biometano:

I – promover o enfrentamento das mudanças climáticas;

II – promover o desenvolvimento regional com sustentabilidade ambiental, econômica e social;

III – estabelecer regras e instrumentos de organização para auxiliar a cadeia produtiva do biogás, do biometano;

IV – promover incentivos, fiscalização e apoio à cadeia produtiva do biogás, do biometano.

V – fomentar a produção e o consumo de biogás e biometano no Estado.

Art. 4º – Para a consecução dos objetivos de que trata esta lei, o poder público promoverá, entre outras, as seguintes ações:

I – incentivo ao aproveitamento de resíduos urbanos para produção de biogás;

II – incentivo ao uso de biometano nos serviços de transporte público.

Art. 5º – Os membros de uma cadeia produtiva integrada terão responsabilidade compartilhada e solidária pela gestão ambiental, nos termos da Lei nº 18.031, de 12 de janeiro de 2009.

Parágrafo único – A destinação ou transferência de resíduos e efluentes, de um empreendimento para outro, para a biodigestão, com a finalidade de gerar biogás ou biometano, será licenciada e realizada conforme os parâmetros definidos na legislação federal e estadual aplicável e de acordo com o que estiver disposto em regulamento.

Art. 6º – As atividades de transferência e de transporte de resíduos e efluentes, as de produção de biogás, biometano e de geração de energia elétrica a partir do biogás serão submetidas a licenciamento ambiental, segundo o seu potencial poluidor, nos termos da legislação federal e estadual aplicável e de acordo com o que estiver previsto em regulamento.

Art. 7º – As operações de produção e comercialização de biogás e de biometano serão submetidas às normas de segurança contra incêndios previstas na legislação federal e estadual.

Art. 8º – Os empreendimentos e arranjos produtivos de que trata esta lei poderão ser, na forma de regulamento, considerados Empresa de Base Tecnológica – EBT, nos termos da Lei nº 17.348, de 17 de janeiro de 2008.

Parágrafo único – São aplicáveis, entre outros, os instrumentos de estímulo à inovação nas empresas, de que trata a Lei Federal nº 10.973, de 2 de dezembro de 2004, observados os preceitos das Lei Complementares Federais nº 101, de 4 de maio de 2000, e 160, de 7 de agosto de 2017.

Art. 9º – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Sala das Comissões, 2 de julho de 2019.

Dalmo Ribeiro Silva, presidente – Bruno Engler, relator – Ana Paula Siqueira – Zé Reis – Charles Santos – Celise Laviola.