PL PROJETO DE LEI 247/2023

Parecer para o 1º Turno do Projeto de Lei Nº 247/2023

Comissão de Constituição e Justiça

Relatório

De autoria do deputado Zé Laviola, o projeto de lei em epígrafe tem por objetivo autorizar o Poder Executivo a doar ao Município de Uberaba o imóvel que especifica.

Publicada no Diário do Legislativo de 17/3/2023, a matéria foi distribuída às Comissões de Constituição e Justiça e de Administração Pública.

Cabe a este órgão colegiado, preliminarmente, apreciar os aspectos jurídico, constitucional e legal da proposição, nos termos do art. 188 e do art. 102, III, “a”, do Regimento Interno.

Na reunião de 28/3/2023, esta relatoria solicitou, nos termos do art. 301 do Regimento Interno, fosse o projeto encaminhado à Secretaria de Estado de Governo, para que informasse sobre a situação efetiva do imóvel e se existiria algum projeto para sua utilização ou algum outro óbice à transferência de domínio pleiteada; e à Prefeitura Municipal de Uberaba, para que esclarecesse a utilização que pretende dar ao bem.

De posse das respostas, passamos à análise da matéria.

Fundamentação

O Projeto de Lei nº 247/2023 pretende autorizar o Poder Executivo a doar ao Município de Uberaba o imóvel com área de 1.086.535,44m², situado na Avenida Rio Grande, nº 6.800, Distrito Industrial III ou Delta, 4ª Etapa, naquele município, registrado sob o n° 56.840 do Livro 2, no Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Uberaba, com a finalidade de permitir o seu enquadramento na Lei de Incentivos Municipais.

O art. 2º determina a reversão do bem ao patrimônio do Estado se, exaurido o prazo de 10 anos contados da lavratura da escritura pública de doação, não lhe tiver sido dada a finalidade assinalada.

Com base na documentação juntada aos autos, verifica-se que o imóvel em questão foi incorporado ao patrimônio público por meio de desapropriação amigável, na qual o Estado despendeu o valor de R$8.000.000,00. Ato contínuo, o Estado doou o referido bem à empresa federal Petróleo Brasileiro S/A – Petrobras –, com vistas à instalação de uma planta industrial para a produção de amônia, nos termos da Lei nº 19.552, de 4 de agosto de 2011. Como a finalidade estipulada não foi cumprida no prazo legal, o imóvel foi revertido ao patrimônio estadual.

O autor indica, em sua fundamentação, que o bem se encontra atualmente na posse do Município de Uberaba, por força de termo de cessão de uso, para a instalação e o funcionamento de um distrito industrial. Defende, porém, que a aquisição da propriedade pelo ente municipal é de suma importância para que empresas interessadas possam realizar investimentos no imóvel, aproveitando os incentivos ao desenvolvimento econômico previstos na legislação local.

A esta Comissão de Constituição e Justiça cumpre avaliar se o negócio jurídico pretendido está de acordo com as normas jurídicas que regem a gestão dos bens públicos do Estado.

Inicialmente, cabe apontar que o art. 18 da Constituição Mineira exige, para a alienação de imóveis públicos, avaliação prévia, autorização legislativa e licitação. Excepciona, porém, a última exigência nos casos de doação e permuta, na forma da lei. Em acréscimo, o art. 76 da Lei Federal nº 14.133, de 2021, que institui normas para licitações e contratos da administração pública, determina, para a alienação de bens imóveis, o cumprimento dos seguintes requisitos: interesse público devidamente justificado; avaliação prévia; autorização legislativa; e licitação na modalidade leilão. A última exigência, da mesma forma, é excepcionada em hipóteses específicas, dentre as quais a doação, que é permitida exclusivamente para outro órgão ou entidade da Administração Pública, de qualquer esfera de governo.

É importante destacar que, evidentemente, o atendimento ao interesse público devidamente justificado constitui pressuposto essencial da gestão do patrimônio estatal, o que impede o gestor de praticar atos de mera liberalidade.

No caso das alienações onerosas (compra e venda, permuta, dação em pagamento, etc.), a existência de contrapartida econômica em favor do Estado torna pressuposto o atendimento ao interesse público. No entanto, em uma alienação gratuita – como é o caso do negócio jurídico que se pretende autorizar –, o cumprimento do requisito do interesse público devidamente justificado deve ser verificado na destinação que o donatário pretende atribuir ao imóvel.

A propósito, como a doação de bens imóveis só é lícita em benefício de outros órgãos e entidades da Administração Pública, de qualquer esfera, podemos concluir que as hipóteses de alienação gratuita de bens públicos caracterizam mera realocação do patrimônio, a fim de promover seu melhor aproveitamento em benefício da população destinatária dos serviços públicos, seja qual for a esfera de governo responsável pela prestação. Portanto, toda hipótese legítima de doação de imóveis públicos exige a preservação da vinculação do imóvel a uma finalidade pública.

No caso em tela, o interesse público fica caracterizado, em princípio, na pretensão do município donatário de utilizar o bem para viabilizar a política municipal de incentivos ao desenvolvimento econômico, a fim de promover melhorias na qualidade de vida da população local. Porém, a formulação adotada não permite a avaliação efetiva do cumprimento da finalidade proposta. Portanto, um primeiro reparo que se faz necessário é a especificação, no texto da norma, do uso efetivo que será atribuído ao imóvel – qual seja, a instalação e o funcionamento de um distrito industrial.

Com efeito, cabe mencionar que Secretaria de Estado de Governo, por meio da Nota Técnica nº 63/2023, da Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão, manifestou concordância com a doação do bem, uma vez que o Estado de Minas Gerais não tem projetos para a sua utilização e que a destinação proposta pelo Município de Uberaba favorecerá a população local. Porém, apontou, justamente, que é necessário especificar adequadamente a destinação que será atribuída ao imóvel, a fim de que o Estado possa avaliar o efetivo cumprimento do encargo no prazo estabelecido.

Ademais, indicou que o prazo proposto para o cumprimento da finalidade, de 10 anos, é demasiado extenso, tendo em vista que o terreno já está na posse do município e já possui parte da estrutura necessária para a instalação dos empreendimentos industriais.

A seu turno, a prefeita de Uberaba, por meio do Ofício nº 265/2022, manifestou interesse no recebimento do bem, esclarecendo que nele será realizado um empreendimento, em parceria com empresa particular, capaz de gerar milhares de empregos. Indicou, ademais, que, nos termos da legislação municipal de estímulos econômicos, o imóvel poderá ter sua propriedade transferida à empresa – hipótese que conferiria maior segurança ao investimento –, caso os encargos estipulados sejam devidamente cumpridos.

Assim, percebe-se que, ao menos para um juízo preliminar, a finalidade que se quer atribuir ao bem atende ao interesse público, até porque o Estado não possui projetos para utilização do imóvel. De todo modo, é fundamental sublinhar que a implantação de distritos industriais pela administração pública implica a cooperação entre o poder público, que viabiliza a infraestrutura e concede incentivos, e as empresas, que desenvolvem as atividades econômicas que geram empregos e movimentam a economia. Se implementado com clareza e isonomia, segundo critérios técnicos e um planejamento organizado, viável e ancorado na legislação, o propósito em comento é juridicamente possível.

Contudo, é relevante lembrar que, após receber a propriedade do bem, o município donatário não poderá aliená-lo a entidade particular. Como dissemos, o inciso I, alínea “b”, do art. 76 da Lei Federal nº 14.133, de 2021, proíbe a alienação gratuita de imóveis públicos para particulares. Ademais, o § 2º do referido dispositivo veda a alienação, pelo órgão ou entidade beneficiária (no caso, o Município de Uberaba), do bem objeto da doação. Assim, a partir da transferência gratuita da propriedade entre entidades da Administração Pública, fica inviabilizada a alienação do imóvel por parte do donatário.

Ademais, a cessão do uso de bem público no âmbito de projetos que requeiram investimentos particulares de maior vulto – tais como plantas industriais – dá-se mediante contrato administrativo que, nos termos do que estipulam a Constituição da República e a legislação pertinente, rege-se segundo o princípio da supremacia do interesse público. Portanto, ainda que juridicamente possível, a utilização por empresas privadas de imóvel doado pelo Estado ao município precisará observar os princípios da administração pública e as regras da lei de licitações e contratos administrativos.

Assentado isso, não há óbice à tramitação da matéria. Todavia, apresentamos, ao final deste parecer, o Substitutivo nº 1, com o propósito de corrigir a identificação do bem, especificar a destinação a ser dada a ele, introduzir cláusula que vede sua alienação gratuita por parte do município, reduzir o prazo para o cumprimento da finalidade assinalada e adequar a redação da proposição à técnica legislativa.

Por fim, alertamos que a análise dos aspectos de conveniência e oportunidade do negócio jurídico proposto, assim como de suas implicações práticas, será feita em momento oportuno pela respectiva comissão de mérito.

Conclusão

Em face do exposto, concluímos pela juridicidade, constitucionalidade e legalidade do Projeto de Lei nº 247/2023 na forma do Substitutivo nº 1, a seguir redigido.

SUBSTITUTIVO Nº 1

Autoriza o Poder Executivo a doar ao Município de Uberaba o imóvel que especifica.

A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:

Art. 1º – Fica o Poder Executivo autorizado a doar ao Município de Uberaba o imóvel com área de 1.086.535,44m2 (um milhão oitenta e seis mil quinhentos e trinta e cinco vírgula quarenta e quatro metros quadrados), situado à Avenida Rio Grande, nº 6.800, Distrito Industrial III ou Delta, 4ª Etapa, naquele município, registrado sob o nº 56.840 do Livro 2, no Cartório do 1º Ofício de Registro de Imóveis da Comarca de Uberaba.

Parágrafo único – O imóvel a que se refere o caput destina-se à instalação e ao funcionamento de um distrito industrial.

Art. 2º – O imóvel de que trata esta lei não poderá ser alienado pelo município donatário, nos termos do § 2º do art. 76 da Lei Federal nº 14.133, de 1º de abril de 2021.

Parágrafo único – A posse do imóvel de que trata esta lei poderá ser transferida a terceiros, no todo ou em parte, mediante procedimento licitatório, em atendimento a interesse público enquadrado na legislação municipal de estímulo ao desenvolvimento econômico.

Art. 3° – O imóvel de que trata esta lei reverterá ao patrimônio do doador se, findo o prazo de cinco anos contados da lavratura da escritura pública de doação, não lhe tiver sido dada a destinação prevista no parágrafo único do art. 1º.

Art. 4º – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Sala das Comissões, 3 de maio de 2023.

Arnaldo Silva, presidente e relator – Charles Santos – Sargento Rodrigues – Bruno Engler – Zé Laviola.