PL PROJETO DE LEI 1360/2019

Parecer para o 1º Turno do Projeto de Lei Nº 1.360/2019

Comissão de Direitos Humanos

Relatório

De autoria da deputada Andréia de Jesus, o projeto de lei em epígrafe institui a política estadual de reparação às vítimas de violência de Minas Gerais e foi distribuído às Comissões de Constituição e Justiça, de Direitos Humanos, de Segurança Pública e de Fiscalização Financeira e Orçamentária.

Em sua análise preliminar, a Comissão de Constituição e Justiça concluiu pela juridicidade, constitucionalidade e legalidade do projeto na forma do Substitutivo nº 1, que apresentou.

Cabe agora a esta comissão emitir parecer quanto ao mérito da proposição, nos termos do art. 188, combinado com o art. 102, V, do Regimento Interno.

Fundamentação

A proposição em análise visa instituir a política estadual de reparação às vítimas de violência de Minas Gerais, com o objetivo de contribuir para a reparação das violações de direitos humanos de pessoas afetadas direta e indiretamente pela violência. O projeto dispõe que a política será gerida pela secretaria de Estado responsável pela gestão da política estadual de segurança pública e conceitua, em seu art. 2º, os termos “violência”, “vítima direta”, “vítima indireta”, “reparação”, “ressignificação” e “transdisciplinaridade”. São previstos, nos arts. 3º e 4º, os princípios e as diretrizes da política. No art. 5º são arroladas categorias de violência abrangidas pelo escopo da política, a exemplo dos crimes de homicídio, latrocínio, estupro, tortura e tráfico de pessoas. O art. 6º da proposta lista organismos necessários à execução da política, designando-os como comitê interinstitucional, núcleo de reparação e centro de atendimento e propõe a criação de um fundo específico. Os arts. 7º a 10 dispõem sobre a constituição e as competências desses organismos e o art. 11 autoriza, para fins de execução da política, a realização de convênios entre órgãos da administração direta ou indireta e com outras esferas de governo, além da celebração de parcerias e termos de fomento e de colaboração com organizações da sociedade civil. O art. 12 prevê a regulamentação da futura lei no prazo de 90 dias e o art. 13 estabelece, por fim, que as despesas decorrentes da execução da política correrão por conta de dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário.

Em sua análise, a Comissão de Constituição e Justiça reconheceu a importância da matéria e destacou, entre outras considerações, que o respeito e a observância de direitos e garantias fundamentais são imprescindíveis ao Estado Democrático de Direito. Lembrou, ainda, que a efetividade dos direitos em uma sociedade democrática está subordinada ao cumprimento das normas oriundas da ordem jurídica constitucional e dos compromissos internacionais derivados dos tratados de direitos humanos ratificados pelo País. E, apesar de não vislumbrar óbices jurídico-constitucionais à deflagração do processo legislativo por iniciativa parlamentar, reputou necessário adequar a proposta para afastar impropriedades, a exemplo de disposições inerentes à estrutura administrativa do Poder Executivo e à definição das ações de violência, que devem ser previstas em regulamentação específica. Com esse intuito, apresentou o Substitutivo nº 1, que estabelece princípios e diretrizes para as ações do Estado voltadas para a reparação às vítimas de violência.

No mérito, cumpre-nos defender a relevância da proposição.

Nos termos registrados pela comissão que nos precedeu, o texto constitucional de 1988 preconiza a dignidade da pessoa humana como princípio fundamental, enuncia o dever da República de reger-se pela prevalência dos direitos humanos e expressa, com amplitude e robustez, o dever estatal de respeito aos direitos e garantias fundamentais de todos os cidadãos. E entre esses direitos, está “o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material ou à imagem”, declarado no inciso V do art. 5º da Carta Maior. Todos esses preceitos não somente reportam-se, mas reforçam, a significação dos direitos humanos e o dever da atuação para a sua defesa e promoção.

O marco normativo mundial sobre o tema trata-se, sem sombra de dúvidas, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que emergiu da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, há exatos 72 anos. Para além de humanizar o direito e as relações internacionais, da Carta originaram-se, desde então, outros tantos documentos, a exemplo de convenções, pactos, tratados e protocolos, que influenciaram e influenciam a construção de legislações internas e reverberam o respeito aos direitos humanos ao redor do planeta.

À análise do projeto, verificamos que a matéria encontra respaldo mais imediato em, pelo menos, duas resoluções da Assembleia Geral da ONU, que refletem documentos relacionados, em linhas gerais, à responsabilização por atos de violência, bem como ao acesso à justiça e à ampla reparação das vítimas.

O primeiro documento trata-se da Declaração dos Princípios Básicos de Justiça Relativos às Vítimas da Criminalidade e de Abuso de Poder¹, adotada pela Assembleia Geral da ONU por meio da Resolução nº 40/34, de 29/11/1985. O objetivo da Assembleia Geral, conforme registrado no corpo da resolução, é “ajudar os governos e a comunidade internacional nos esforços desenvolvidos, no sentido de fazer justiça às vítimas da criminalidade e de abuso de poder e no sentido de lhes proporcionar a necessária assistência”. A mencionada declaração define como vítimas “as pessoas que, individual ou coletivamente, tenham sofrido um prejuízo, nomeadamente um atentado à sua integridade física ou mental, um sofrimento de ordem moral, uma perda material, ou um grave atentado aos seus direitos fundamentais, como consequência de atos ou de omissões violadores das leis penais em vigor num Estado-membro, incluindo as que proíbem o abuso de poder”, dispondo ainda sobre o acesso à justiça e o tratamento equitativo dessas pessoas; a obrigação de restituição e reparação (incluindo aqui o reexame, pelos governos, de suas respectivas práticas, regulamentos e leis); e a indenização e os serviços a serem prestados às vítimas.

O segundo, denominado Os Princípios e Diretrizes Básicas sobre o Direito a Recurso e Reparação para Vítimas de Violações Flagrantes das Normas Internacionais de Direitos Humanos e de Violações Graves do Direito Internacional Humanitário², foi adotado pela Assembleia Geral da ONU por meio da Resolução nº 60/147, de 16/12/2005. Esse texto, ao recordar vários instrumentos internacionais anteriores, passou a definir como vítimas “as pessoas que, individual ou coletivamente, tenham sofrido um dano, nomeadamente um dano físico ou mental, um sofrimento emocional, um prejuízo econômico ou um atentado importante aos seus direitos fundamentais, em resultado de atos ou omissões que constituam violações flagrantes das normas internacionais de direitos humanos, ou violações graves do direito internacional humanitário”. O documento estende, inclusive, essa conceituação a familiares próximos, dependentes e pessoas que tenham sofrido danos ao intervir para prestar assistência. Entre outras recomendações, a Carta prevê a forma de tratamento da vítima e o seu direito de acesso à justiça, dispondo também acerca da reparação plena e efetiva, sob as formas de restituição, indenização, reabilitação, satisfação e garantias de não repetição.

À luz dessas normativas, precisamos ressaltar que a tutela dos direitos humanos reveste-se em atividade diuturna, em esforço incessante. É o que nos confirma o ordenamento internacional em torno dos direitos humanos, há décadas sendo construído, ratificado e incrementado, tendo em vista que as violações aos direitos assumem, cotidianamente, diferentes graus e nuances, inclusive no que concerne à violência estatal e/ou institucional.

Esse contexto, a nosso ver, exige das instituições a constante busca por uma atuação mais incisiva e contemporânea na defesa dos direitos humanos. De acordo com o artigo intitulado “Os direitos das vítimas ao acesso à justiça, às garantias processuais e à reparação integral à luz do direito internacional dos direitos humanos e da jurisprudência interamericana”³:

“Mudanças estruturais revelam-se fundamentais para garantir às vítimas o acesso à justiça e a participação em todas as etapas do processo, permitindo-lhes a busca de justa reparação. O direito internacional dos direitos humanos é manancial seguro para esse desenvolvimento qualitativo e emancipatório. (...) A internalização desses estândares no País promoverá a difusão, a conscientização, a promoção e a defesa efetiva dos interesses das vítimas, propiciando o reconhecimento de seu protagonismo no combate às massivas e generalizadas violações de direitos humanos.”.

Em face das razões expostas, assentamos nossa convicção acerca da oportunidade do projeto. Temos que o Poder Legislativo, nas suas funções legiferante e fiscalizatória, deve reverberar a promoção dos direitos e atuar em prol da mitigação de condutas e atos ensejadores de violência, seja por parte de agentes estatais, seja de particulares, garantindo-se, ainda, reparação apropriada e justa nos casos de violência.

Com essa perspectiva, e tendo em conta as ressalvas apresentadas pela Comissão de Constituição e Justiça, apresentamos, ao final deste parecer, substitutivo que “dispõe sobre a política estadual de reparação a vítimas de violência”. Nele, buscamos respeitar o escopo do projeto original, preservando ou indicando – além de princípios e diretrizes – os conceitos de “violência” e “reparação”; o objetivo geral; as ações que poderão ser adotadas para o desenvolvimento da política; o órgão público responsável pela gestão; bem como a forma de financiamento da política, por dotações orçamentárias e recursos do Fundo Estadual de Segurança Pública de Minas Gerais.

Conclusão

Em face do exposto, opinamos pela aprovação do Projeto de Lei nº 1.360/2019, no 1º turno, na forma do Substitutivo nº 2, a seguir apresentado.

SUBSTITUTIVO Nº 2

Dispõe sobre a política estadual de reparação a vítimas de violência.

A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:

Art. 1º – A política estadual de reparação a vítimas de violência obedecerá ao disposto nesta lei.

Art. 2º – Para os fins desta lei, entende-se por:

I – violência: o ato praticado por agente público ou privado que resulte em danos à integridade física, psíquica e moral de uma pessoa, podendo ocasionar sua morte;

II – reparação: o conjunto de medidas relacionadas à restituição ou restauração das condições pessoais e sociais em que a vítima se encontrava antes da violência; à indenização apropriada e proporcional à gravidade, às circunstâncias e às consequências da violência; à reabilitação por meio dos serviços de assistência médica, psicossocial e jurídica; à satisfação ou restabelecimento da verdade, da dignidade e do efetivo exercício de direitos fundamentais; e à garantia da não repetição, por meio da promoção das condutas éticas e do incremento de mecanismos de prevenção, monitoramento e solução de conflitos sociais.

Art. 3º – É objetivo geral da política de que trata esta lei contribuir para a reparação das violações de direitos humanos de pessoas afetadas direta e indiretamente por ato de violência.

Art. 4º – A política estadual de reparação a vítimas de violência fundamenta-se nos seguintes princípios e diretrizes:

I – autonomia do sujeito;

II – acesso à justiça;

III – regionalização progressiva;

IV – respeito ao sigilo das informações;

V – igualdade e não discriminação;

VI – proteção integral da criança e do adolescente;

VII – respeito a tratados e convenções internacionais de direitos humanos;

VIII – transversalidade das dimensões de identidade de gênero, orientação sexual, faixa etária, raça, origem étnica ou social, deficiência e procedência territorial nas políticas públicas;

IX – transparência e participação social;

X – intersetorialidade e trabalho organizado em redes de colaboração;

XI – atenção integral a vítimas diretas e indiretas de violência;

XII – reflexão crítica sobre as formas de violência e não culpabilização da vítima;

XIII – transdisciplinaridade, coletivização de demandas e estímulo à justiça restaurativa como método de trabalho;

XIV – ressignificação da violência e atribuição de novo sentido à experiência de sofrimento vivenciada;

XV – garantia a vítimas de violência de participação e controle social na formulação, implementação e avaliação das ações de que trata esta lei.

Art. 5º – Para o desenvolvimento da política estadual de reparação a vítimas de violência poderão ser adotadas as seguintes ações:

I – constituição de comissão composta por representantes de órgãos públicos e da sociedade civil com a finalidade de exercer a coordenação da política de que trata esta lei, bem como elaborar e implementar o plano estadual de reparação a vítimas de violência;

II – formação de equipes técnicas multidisciplinares para o atendimento regionalizado de pessoas afetadas direta e indiretamente por ato de violência, incluindo a oferta de serviços de natureza psicossocial e de promoção do acesso à justiça;

III – incentivo à organização de redes intersetoriais de suporte a pessoas vítimas de violência, por meio de parcerias com entidades da sociedade civil;

IV – fomento à criação de fóruns de discussão sobre as várias formas de violência, inclusive a violência institucional, e as estratégias para a sua prevenção e reparação;

V – manutenção de sistema integrado com informações sobre os serviços de atendimento e as pessoas atendidas ou beneficiadas direta e indiretamente.

Art. 6º – A política estadual de que trata esta lei será gerida pelo órgão público responsável pela gestão da política estadual de segurança pública.

Art. 7º – São instrumentos de implementação da política estadual de reparação a vítimas de violência as dotações orçamentárias e os recursos do Fundo Estadual de Segurança Pública de Minas Gerais, instituído pela Lei nº 23.471, de 11 de novembro de 2019.

Art. 8º – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Sala das Comissões, 10 de dezembro de 2020.

Leninha, presidente e relatora – Andréia de Jesus – Betão.

¹ Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Direitos-Humanos-na-Administra%C3%A7%C3%A3o-da-Justi%C3%A7a.-Prote%C3%A7%C3%A3o-dos-Prisioneiros-e-Detidos.-Prote%C3%A7%C3%A3o-contra-a-Tortura-Maus-tratos-e-Desaparecimento/declaracao-dos-principios-basico s-de-justica-relativos-as-vitimas-da-criminalidade-e-de-abuso-de-poder.html>. Consulta em: 9 dez. 2020.

² Disponível em: <http://gddc.ministeriopublico.pt/sites/default/files/diretrizes-recursoreparacao.pdf>. Consulta em: 9 dez. 2020.

³ Disponível em: <http://corteidh.or.cr/tablas/r39103.pdf>. Consulta em: 9 dez. 2020. p. 19 e 37.