PL PROJETO DE LEI 1312/2019
Parecer para o 1º Turno do Projeto de Lei Nº 1.312/2019
Comissão de Direitos Humanos
Relatório
De autoria do deputado Mauro Tramonte, o Projeto de Lei nº 1.312/2019 institui a campanha permanente de combate ao racismo nas escolas, eventos esportivos e culturais do Estado, cria o Selo Minas pela Igualdade e dá outras providências, tendo sido distribuído às Comissões de Constituição e Justiça, de Direitos Humanos e de Administração Pública, para receber parecer.
Em sua análise preliminar, a Comissão de Constituição e Justiça concluiu pela juridicidade, constitucionalidade e legalidade da matéria na forma do Substitutivo n° 1, que apresentou.
Cabe agora a esta comissão emitir parecer sobre o mérito da proposta, nos termos do art. 102, V, combinado com o art. 188, do Regimento Interno.
Fundamentação
O projeto em exame visa, conforme especificado em sua ementa, instituir iniciativas destinadas ao combate ao racismo, detalhando, além de definições, ações e objetivos da campanha a qual visa criar (arts. 1º a 4º), que o Selo Minas pela Igualdade seja concedido a pessoas jurídicas de direito público ou privado e escolas públicas ou particulares que comprovarem a realização de campanha permanente contra o racismo em seus estabelecimentos ou eventos, as quais poderão utilizá-lo em suas peças publicitárias (arts. 5º a 7º).
Em sua justificação, o autor destaca o objetivo principal da proposição, esclarecendo que o preconceito contra raça, etnias, religiões e povos tradicionais é, em parte, prática tipificada como crime pela Lei Federal nº 7.716, de 1989, e o racismo, previsto como crime inafiançável e imprescritível no art. 5º, XLII, da Constituição Federal. E alega que, apesar da existência desses marcos legais na defesa da igualdade, tais práticas permanecem ainda como um retrato de parcela da cultura brasileira, sendo comuns em estádios de futebol, eventos culturais e escolas. Assim sendo, a proposição intenciona criar mecanismos para combater a discriminação em razão não apenas de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, mas também contra povos tradicionais, além de promover o respeito à igualdade, inclusive a partir da formação dos cidadãos ainda na fase escolar.
A Comissão de Constituição e Justiça debruçou-se sobre a análise da competência para legislar acerca da matéria, traçando a distinção entre, de um lado, os parâmetros ou regras básicas que devem nortear a promoção da educação e, de outro, as ações ou medidas concretas tomadas pelo governo. Dentro dessa diferenciação, os primeiros devem ser objeto de lei (“ato normativo genérico, abstrato e inovador”), enquanto os segundos, de atos e procedimentos administrativos (os quais compreendem programas e campanhas, são de competência do Executivo e traduzem-se na aplicação das normas jurídicas vigentes). Donde a elaboração e a execução de campanha, plano ou programa administrativo insere-se no segundo grupo, sendo necessário sanar esse vício na proposição original. Quanto à criação de condecoração, não vislumbrou óbices na inciativa, tampouco constatou ofensa aos princípios e aos direitos e garantias constitucionais nos demais conteúdos do projeto sob análise – pelo contrário, entendeu que ele “contribui para o reconhecimento de esforços que vêm sendo realizados pelas empresas e escolas para combater o racismo e outras práticas discriminatórias”. Assim sendo, com vistas a eliminar o vício já mencionado, apresentou o Substitutivo nº 1.
No tocante ao mérito da proposição sobre o qual compete a esta comissão se manifestar, entendemos que a intenção da proposta é legítima e atua como medida de promoção dos direitos humanos e, nessa ótica, é bastante válida. Afinal, toda e qualquer ação e política pública destinada ao enfrentamento do racismo e qualquer outro tipo de manifestação de preconceitos e da sua reprodução enquanto prática cultural e estrutural é bem-vinda. Para ilustrar essa pertinência, vejamos alguns fatos: entre janeiro e setembro de 2019, foram registrados quase 300 casos enquadrados como crimes de injúria racial ou de racismo em Minas Gerais1. Também de acordo com os meios de comunicação2, houve aumento de 70% no número de crimes discriminatórios em estádios de futebol na comparação entre 2019 e 2018. Em que pese tal dado envolver não apenas racismo mas também machismo, homofobia e xenofobia, e a fonte – relatório 2019 do Observatório da Discriminação Racial no Futebol – ser uma entidade não governamental que utiliza veículos de comunicação brasileiros e do exterior para a coleta de dados, trata-se de importante referência de pesquisa sobre o tema no esporte nacional e internacional3.
Além disso, pesquisas revelam, com dados fartos inclusive do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE –, a inexistência de democracia racial e a existência do racismo estrutural no País, manifestando-se em praticamente todas as esferas da sociedade brasileira4, até mesmo no sistema prisional5 e na representação política6. Portanto, iniciativas, incluindo as legislativas, objetivando enfrentar essa triste realidade devem ser bem acolhidas.
Todavia, é preciso analisar de modo pormenorizado o teor da proposição em questão, com vistas a satisfazer os requisitos da melhor atividade legiferante. Nesse intuito, acrescentamos ao abordado pela Comissão de Constituição e Justiça já haver, além da legislação citada pelo próprio autor – cujo escopo é a inafastável e fundamental criminalização de atos de discriminação e racismo –, instrumentos legais que buscam abarcar a matéria na perspectiva da promoção da igualdade e dos direitos humanos, como: a Lei Federal nº 12.288, de 2010 (institui o Estatuto da Igualdade Racial); o Decreto Federal nº 6.040, de 2007 (institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais); a Lei nº 21.147, de 2014 (institui a política estadual para o desenvolvimento sustentável dos povos e comunidades tradicionais de Minas Gerais), em particular os objetivos específicos previstos nos incisos I a III do art. 4º e a diretriz contida no inciso II do art. 5º; e o objetivo da política estadual de prevenção social à criminalidade consignado no inciso V do art. 4º da Lei nº 23.450, de 2019.
Na área cultural, em Minas Gerais, o art. 3º da Lei nº 22.944, de 2018, institui diversos princípios para editais, como o respeito à diversidade e ao pluralismo cultural e a concepção de cultura como lugar de reafirmação e diálogo entre as diferentes identidades culturais e como fator de desenvolvimento humano, econômico e social (incisos II e IV), de modo que nenhum recurso pode ser aportado em iniciativas que violem tais diretivas. Já o art. 4º da mesma lei elenca, entre os objetivos do Sistema Estadual de Cultura: a proteção e a promoção da diversidade das expressões, manifestações e práticas culturais dos grupos formadores da sociedade mineira; a preservação dos bens materiais e imateriais do patrimônio cultural mineiro; e o estímulo à regionalização da criação artístico-cultural e ao intercâmbio entre os diferentes territórios e as diversas formas de manifestação artístico-cultural no Estado (respectivamente, incisos I, II e IV).
Na educação, além da Lei Federal nº 10.639, de 2003 (a qual inclui no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e cultura afro-brasileira”), há: diversas normativas já vinculando escolas e sistemas de ensino a parâmetros de respeito à diversidade e regramento próprio dos recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica – Fundeb – para as transferências e gastos públicos; diretriz na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei Federal nº 9.394, de 1996) sobre a história e cultura dos indígenas e afrodescendentes; e, como um dos objetivos no Currículo Referência de Minas Gerais, a valorização das particularidades e a abrangência de toda a diversidade do Estado. Para mais, certas datas comemorativas inspiram as escolas em seus calendários e atividades: o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, instituído pela Lei Federal nº 12.519, de 2011; o Dia do Índio, instituído pelo Decreto-Lei nº 5.540, de 1943; e o Dia Nacional do Cigano, instituído pelo Decreto Federal de 25/5/2006.
No esporte, o recurso tem sido sobretudo a aplicação dos já mencionados inciso XLII do art. 5º da Constituição Federal e Lei Federal nº 7.716, de 1989, pois a legislação vigente não dispõe especificamente sobre a prática de atos discriminatórios em eventos esportivos, ainda que o Código Brasileiro de Justiça Desportiva verse sobre o tema. Porém, a maioria das punições nele contidas são aplicáveis aos clubes, a exemplo do previsto nos arts. 170 e 243-G. Contudo, em face da frequência cada mais maior de atos de injúria racial e de racismo em eventos, como aqui já ilustrado anteriormente, o debate acerca da ampliação da responsabilização por tais episódios tem ganhado corpo e desencadeado iniciativas, inclusive legislativas, como o Projeto de Lei nº 7.383/2014. Em tramitação na Câmara dos Deputados, ele visa inserir dispositivo na Lei Federal nº 10.671, de 2003 (a qual dispõe sobre o Estatuto de Defesa do Torcedor e dá outras providências), para punir a injúria a alguém, por meio de ofensa a sua dignidade ou decoro com a utilização de elementos referentes à raça, cor, etnia ou origem em estádios, ginásios ou qualquer outro recinto esportivo. Ressalte-se que o Estatuto já prevê que o torcedor, para acesso e permanência no recinto esportivo, não pode portar ou ostentar cartazes, bandeiras, símbolos ou outros sinais com mensagens ofensivas, inclusive de caráter racista ou xenófobo, nem entoar cânticos discriminatórios, racistas ou xenófobos, sem prejuízo de outras condições previstas em lei (respectivamente, incisos IV e V do art. 13-A).
Ainda na esfera federal, o Projeto de Lei do Senado nº 68/2017 visa instituir a Lei Geral do Esporte, que disporá sobre o Sistema Nacional do Esporte, a Ordem Econômica Esportiva, a Integridade Esportiva, o Plano Nacional para a Cultura de Paz no Esporte. Essa proposição contém disposições relativas à discriminação e preconceito em espaços esportivos, inclusive a criação de um órgão específico, no âmbito do Executivo Federal, para formular e executar políticas públicas contra a violência, o racismo, a xenofobia e a intolerância no esporte e de uma ouvidoria nacional para a prevenção e o combate à violência e à discriminação no esporte.
Nesse cenário, ações e inciativas de caráter preventivo, objetivando informar, educar e conscientizar a sociedade, transmitir e reconstruir valores e implantar a cultura do pluralismo revelam-se como ferramenta essencial, donde estimulá-las, como por meio da concessão de uma condecoração a empresas e escolas públicas ou privadas que mantenham campanha permanente de combate a práticas discriminatórias em eventos esportivos, parece-nos um caminho bastante apropriado.
Esses apontamentos evidenciam, na ótica dos direitos humanos, a oportunidade e a relevância do projeto sob análise e, pelas considerações aqui apresentadas, acreditamos que ele deva prosperar. Porém, com alguns ajustes: os já promovidos na Comissão de Constituição e Justiça, que nos antecedeu, e alguns outros, aqui introduzidos por meio do Substitutivo nº 2, o qual incorpora as adequações do Substitutivo nº 1 e contempla, a nosso ver, todas as modificações necessárias ao aperfeiçoamento da proposição, na perspectiva da criação de mecanismos para combater a discriminação e o preconceito, em suas várias facetas, bem como no prisma da promoção do respeito à igualdade, inclusive a partir da formação dos cidadãos, conforme intenciona o seu autor.
Conclusão
Em face do exposto, opinamos pela aprovação do Projeto de Lei nº 1.312/2019, no 1º turno, na forma do Substitutivo nº 2, a seguir apresentado.
SUBSTITUTIVO Nº 2
Institui o Selo Minas pela Igualdade.
A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:
Art. 1º – Fica instituído o Selo Minas pela Igualdade, a ser conferido a empresas e escolas públicas ou privadas localizadas no Estado que adotarem práticas antirracistas e mantiverem campanha de combate ao racismo e a outros atos discriminatórios em seus estabelecimentos ou em eventos esportivos e culturais.
Parágrafo único – Para a concessão do selo de que trata esta lei, serão consideradas as definições de racismo e de atos discriminatórios consolidadas na legislação e na jurisprudência nacionais.
Art. 2º – Os critérios e a forma de concessão do Selo Minas pela Igualdade, sua periodicidade e os casos de sua revogação serão estabelecidos em regulamento.
Art. 3º – A empresa ou escola detentora do Selo Minas pela Igualdade poderá utilizá-lo em suas peças publicitárias e em seus produtos, serviços e eventos.
Art. 4º – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Sala das Comissões, 7 de novembro de 2022.
Andréia de Jesus, presidenta e relatora – Beatriz Cerqueira – Leninha – Mauro Tramonte.
1Cf: <http://glo.bo/3CPzCkO>. Acesso em: 19 out. 2022.
2Cf: <https://bit.ly/3SBiSng>. Acesso em: 24 out. 2022.
3Disponível em: <https://bit.ly/3D0e4lH>. Acesso em: 24 out. 2022.
4Cf: <https://bit.ly/3VI0w6S>. Acesso em: 20 out. 2022.
5Cf: <https://bit.ly/2VK0oU8>. Acesso em: 20 out. 2022.
6Cf: <https://bit.ly/3sfY3TQ>. Acesso em: 20 out. 2022.