Pronunciamentos

DEPUTADA BELLA GONÇALVES (PSOL)

Discurso

Comemora a condenação de um dos responsáveis por ameaças contra deputadas mineiras, destacando a importância da responsabilização como marco no combate à violência política de gênero. Defende a regulamentação das plataformas digitais para combater a disseminação de crimes como misoginia, pedofilia e recrutamento para ataques. Comenta a situação dos atingidos pelo crime da mineradora Vale no Município de Brumadinho, destacando que não receberam a reparação efetiva devida. Comenta o transcurso do Dia da Abolição da Escravatura, o que considera como o “dia da falsa abolição”, denunciando trabalho análogo à escravidão, inclusive envolvendo empresas ligadas ao Grupo Zema. Defende o fim da escala de trabalho 6x1.
Reunião 27ª reunião ORDINÁRIA
Legislatura 20ª legislatura, 3ª sessão legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 15/05/2025
Página 30, Coluna 1
Indexação

27ª REUNIÃO ORDINÁRIA DA 3ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 20ª LEGISLATURA, EM 13/5/2025

Palavras da deputada Bella Gonçalves

A deputada Bella Gonçalves – Obrigada, deputada Leninha. Quero cumprimentar todos os servidores da Casa, os deputados e deputadas, e todos que acompanham esta plenária. Não podia deixar de vir aqui, hoje, manifestar a minha satisfação, que nem chega a ser alegria, por saber que o processo que investigou um dos responsáveis pelos crimes de ameaça e estupro corretivo contra deputadas e vereadoras no Brasil teve resultado. O réu foi condenado pela Justiça e vai responder pelos seus crimes. Isso é um marco importante, porque, por todo o Brasil, temos acompanhado casos de violência política contra mulheres que, muitas vezes, não terminam em responsabilização. Talvez essa tenha sido uma das respostas mais efetivas que foram dadas, graças também ao empenho da Assembleia Legislativa e do presidente Tadeu, ao empenho do Ministério Público de Minas Gerais, em especial à área que investiga crimes cibernéticos, e à Polícia Civil, que correu atrás, buscou respostas sobre as violências que sofríamos.

Eu mesma, em alguns momentos, desacreditei que conseguiríamos alcançar um resultado de responsabilização e de punição dos sujeitos. Digo isso porque esta é a regra: a violência acontece hoje no espaço cibernético e, muitas vezes, fora dele e termina impune. Hoje, vivemos uma disputa central no Brasil e no mundo sobre a regulamentação das plataformas e redes sociais. A regulamentação é importante para evitar que esses espaços, como Discord, Chans, e até as abertas, Instagram e Twitter, virem espaços para propagação de crimes. As leis brasileiras precisam ser garantidas. Não é possível que a gente permita que plataformas abertas e de uso público disseminem conteúdo LGBTfóbico. Não é possível que essas plataformas – o Discord, os chans – tenham tanto material de violência contra a mulher, contra crianças e adolescentes, violências diversas. Não é possível que a gente normalize o fato de que um ataque a bomba estava sendo planejado no show da Lady Gaga em uma dessas plataformas, o Discord, e que o suspeito tenha sido ouvido e, em seguida, liberado, sem nenhum tipo de responsabilização até agora.

A regulamentação das redes é importante também para que a gente consiga controlar os espaços que são acessados, em especial pelas crianças e pela juventude. Recentemente, a gente viu a série Adolescência, uma série excelente que fala sobre os movimentos masculinistas que circulam na internet. Alguns dão nomes: Red Pill, Incel. O fato é que a gente vê a disseminação de ideologias contra as mulheres, de agressividade contra as mulheres, de violência contra as mulheres, as crianças e a população LGBT, e isso precisa ser enfrentado de forma firme pelas instituições. Eu gosto de falar que a prisão do responsável pelas ameaças é importante, mas ainda não é a conclusão do processo de justiça.

Nós, infelizmente – a Lohanna vai lembrar –, nos metemos a entrar nesses chans, nessas plataformas digitais, para tentar descobrir o tipo de notícias que corriam sobre nós dentro delas. Lá, nós vimos de tudo, gente, um negócio asqueroso que eu não vou narrar porque nossa reunião está sendo transmitida pela televisão. Mas estou falando de pedofilia, de necrofilia, estou falando de apologia à violência contra a mulher, violência extrema, estou falando de receitas de bomba caseira, estou falando de recrutamento de crianças e adolescentes para fazerem ataques em escolas. Isso é o que circula nessas redes.

Infelizmente, o responsável pelas ameaças chegou a ser preso, mas o responsável pelo chan, por essa plataforma digital de disseminação de crimes, ainda não foi identificado. E é importante que a gente diga isso, porque nós não queremos apenas chegar à responsabilização de um sujeito. É muito fácil dizer que o problema está resolvido quando se responsabiliza um sujeito. A gente precisa desmontar uma milícia digital que existe hoje para atacar mulheres, para impedir as mulheres de participar da política, para criar um clima de terror, como aquele que nós vivenciamos: o ano que a gente viveu sob ameaça, sob escolta, sob restrição da nossa liberdade e da nossa vida não vai ser recuperado. Os traumas que isso gerou na vida de cada uma de nós não serão reparados.

Nós vamos seguir firmes, lutando para que essas milícias digitais sejam desmontadas; para que tenhamos a certeza de que os nossos filhos vão navegar na internet sem terem contato com conteúdos criminosos; para que se formem homens – é importante dizer que são homens que participam de 97% dessas plataformas, jovens –, para que esses homens jovens tenham acesso a uma educação para a igualdade de gênero, para o respeito, para uma sociedade mais justa. É isso que nós esperamos. Então, a nossa luta concluiu uma importante etapa.

Eu reitero os meus agradecimentos ao Dr. Jarbas, ex-procurador-geral, à Dra. Patrícia, chefe da Delegacia Civil. Reitero o meu agradecimento ao presidente Tadeu, às minhas amigas companheiras que seguraram na minha mão e fizeram juntas essa batalha, tanto as deputadas Beatriz e Lohanna como as outras deputadas desta Casa, como a vice-presidente Leninha, que falou da importância de a Assembleia dar uma resposta sobre isso. Agradeço também às vereadoras de Belo Horizonte, que também sofreram ameaças. Houve ameaças, inclusive, contra as suas filhas. E eu espero que as ações que estão na Justiça sobre quem tentou se aproveitar do nosso contexto de fragilidade para nos atacar publicamente também tenham um resultado proveitoso.

Aqueles que mandaram os e-mails e planejaram as ameaças de tortura, de morte e de estupro corretivo foram responsabilizados, mas sabemos que tantos outros comemoraram as ameaças contra nós nas redes abertas, nas fofocas de canto e, inclusive, utilizaram esse momento de fragilidade para nos atacar mais ainda. Então espero que esses outros processos que ainda estão em curso também consigam avançar. Hoje é um dia de respiro para nós; é um dia importante na história da luta contra a violência política de gênero, por isso eu não poderia deixar de me manifestar.

Como ainda tenho bastante tempo, vamos falar sobre as lutas que atravessam o Estado. Uma delas é a luta dos atingidos da Bacia do Paraopeba por reparação integral. Quando a gente olha, hoje, a situação das comunidades atingidas pelo crime da Vale em Brumadinho, a gente vê que não houve reparação. Não houve reparação, porque até hoje muitas comunidades são abastecidas por caminhão-pipa. Não houve reparação, porque as plantações e as atividades de pesca foram prejudicadas. Não houve reparação, porque as pessoas estão adoecidas, e ainda não há a conclusão de um estudo sobre o impacto na saúde coletiva no local. O que a gente vê são pessoas expostas a metais como mercúrio, cádmio e vários outros cancerígenos, sem que haja estudos que consigam comprovar o nexo de causalidade para que essas pessoas sejam ressarcidas. Não houve reparação!

Bilhões de reais foram gastos pelo governo do Estado e por prefeituras, mas o recurso não chegou aos atingidos. E agora, nesse cenário de terra arrasada, de adoecimento mental e de aumento de suicídios na população atingida pelo crime da Vale, as instituições de Justiça acharam por bem cortar pela metade o Programa de Transferência de Renda, o chamado PTR. Nós fizemos uma audiência pública na Comissão de Direitos Humanos, a requerimento da deputada Beatriz Cerqueira, sobre esse assunto.

Temos feito incidências no Judiciário, e hoje, mais uma vez, o Movimento dos Atingidos por Barragens e outros movimentos que organizam as comunidades atingidas estão em Belo Horizonte, batendo às portas do Tribunal de Justiça e dos órgãos de Justiça. Eles reivindicam que a Vale pague o que deve para os atingidos, que assuma o Programa de Transferência de Renda previsto na lei e na Política dos Atingidos por Barragens e que garanta a continuidade da assessoria técnica independente, paga por ela, e não por aquele parco recurso destinado a projetos comunitários de desenvolvimento social e econômico da bacia para recuperar a vida das pessoas da região que não pode ser utilizado para a assessoria técnica independente.

Acho importante mencionar isso, porque nós estamos vivendo uma situação de crime continuado das mineradoras. A Vale se esquiva de cumprir a lei e de reparar os atingidos. Ela fez uma nova captação de água no Paraopeba, em Ponte das Almorreimas, com a justificativa de garantir segurança hídrica para a região metropolitana, o que não funciona. Deputados, esse é um dos maiores casos de corrupção que a gente já viu. A Vale pega um recurso do TAC Águas e faz uma captação que deveria ter ficado pronta, gente, em 2019, e até hoje não funciona. Nós estamos falando de uma situação muito grave. Eu quero registrar o meu compromisso com a luta dos atingidos e o meu compromisso para que mais comunidades não sejam atingidas pela mineração, porque isso a que as famílias e comunidades são submetidas é uma crueldade muito grande.

O terceiro assunto que quero trazer trata um pouco da data de hoje. O dia 13 de maio, para muita gente, foi o Dia da Abolição, mas, para o Movimento Negro do Brasil, ele é o dia da falsa abolição. Isso porque as condições de escravidão continuaram depois do dia 13/5/1888 e também porque uma política de concentração de terras, de trabalho em regime forçado e de trabalho análogo à escravidão perdurou. A gente tem vivido a atualidade desse debate aqui, em Minas Gerais. O nosso estado é campeão no trabalho análogo à escravidão, e houve um escândalo que representou isso – inclusive há uma distribuidora do Grupo Zema envolvida em casos de trabalho análogo à escravidão.

Ainda precisamos falar da escravidão autorizada, que é o regime indigno da escala de 6 horas de trabalho para 1 dia de descanso. O regime 6x1 é hoje a tradução autorizada pela Constituição de um regime de servidão moderna, em que as pessoas não têm direito ao descanso, não têm direito à família, não têm direito à fé. Muitas vezes elas vão trabalhar seis dias seguidos, amontoando-se em transportes lotados nos grandes centros urbanos, nos setores do comércio e dos serviços, e ter um dia para teoricamente descansar. Todo mundo sabe que o dia do descanso não é dia de descanso, mas, sim, dia em que você vai tentar resolver todos os problemas entre cuidar da casa e dos filhos e se desdobrar para resolver algum problema pessoal.

Essa escala desumana precisa ter fim. Um dos principais recados deixados pelo presidente Lula no 1º de maio é o compromisso com a avaliação do avanço da discussão do fim da escala 6x1. Essa também é uma pauta importante para trazermos para Minas Gerais e para o dia de hoje. Nós precisamos mudar esse regime de trabalho. E há aqueles que disseram que, se acabassem com a escravidão, a economia ia quebrar e, se implementassem o 13º salário e os direitos trabalhistas, a economia ia quebrar. Outros, hoje, repetem que acabar com a escala 6x1 é quebrar o Brasil. Para esses, eu falo que não. Acabar com a escala 6x1 é dar oportunidade de vida, qualidade de vida à população e ampliar os postos de trabalho, enfrentando, de forma central, o desemprego, a precarização da vida e das atividades que são realizadas.

São essas as minhas considerações, presidenta. Queria também dizer que entramos agora no grande debate da dívida pública mineira, mas temos outros debates rolando, como o dos pedágios da região metropolitana. Contudo, hoje, decidi aqui variar um pouco sobre outros temas que também são centrais no Estado: o enfrentamento à violência política, o enfrentamento à violência das mineradoras e o enfrentamento da violência que os patrões, autorizados pela Constituição, ainda perpetuam contra os trabalhadores em um regime de servidão moderna. Obrigada.