DEPUTADA BELLA GONÇALVES (PSOL)
Discurso
Legislatura 20ª legislatura, 3ª sessão legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 13/03/2025
Página 79, Coluna 1
Indexação
11ª REUNIÃO ORDINÁRIA DA 3ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 20ª LEGISLATURA, EM 11/3/2025
Palavras da deputada Bella Gonçalves
A deputada Bella Gonçalves – Boa tarde a todas as pessoas que trabalham na Assembleia – deputados, deputadas, todo o grupo que nos assessora – e também a quem nos acompanha on-line.
Acho que a fala do deputado Cristiano Silveira, que me antecedeu, foi fundamental. Nós estamos vivendo um contexto de aumento do preço dos alimentos no Brasil e no mundo. Grande parte desse aumento está relacionada diretamente, inclusive, à mudança climática. As grandes ondas de calor e de chuvas que aconteceram de forma desequilibrada no planeta e no Brasil geraram perdas enormes de safras e aumento no preço dos alimentos.
Uma das medidas fundamentais para que a gente consiga conter o aumento do preço dos alimentos é a redução de impostos. Nesse sentido, foi aprovada a reforma tributária proposta pelo presidente Lula, mas não apenas ela. Há medidas emergenciais imediatas para zerar os impostos sobre os alimentos da cesta básica, que servem para matar a fome de milhões de brasileiros. O presidente Lula é uma pessoa que já passou fome, e eu acho que só uma pessoa que já passou fome tem a sensibilidade de colocar como prioridade do seu governo o combate à fome. Foi assim no seu primeiro e no seu segundo mandatos, e não seria diferente agora.
Essa medida de redução do ICMS dos produtos da cesta básica precisava ser acompanhada de uma medida de redução do ICMS sobre combustíveis. No entanto, o que a gente percebeu é que, em janeiro deste ano, o governador do Estado propôs um aumento no preço dos combustíveis, com o aumento da alíquota de ICMS. Logo depois disso, fez chacota com a população ao comer uma banana com casca, dizendo que, se a banana está cara, que a comamos com a casca. Ele, obviamente, nunca passou fome, sendo uma pessoa multimilionária, dona de uma grande rede atacadista. Aliás, Carolina Maria de Jesus costumava dizer que o pior animal que estava no mar era o atacadista. Ele ataca mais do que o tubarão. Prefere jogar comida fora a alimentar a população mais pobre. É isto o que a gente tem visto acontecer por aí: grande parte de um capital ganancioso faz manobras com o preço dos alimentos para prejudicar a população, para prejudicar aqueles que sobrevivem com um salário mínimo – ou com menos de um salário mínimo – e que precisam se alimentar todos os dias.
Quando o governador de Minas, junto com outros governadores que governam a fome, como o governador Tarcísio, dizem que são contra a redução do ICMS sobre os produtos da cesta básica, eles estão condenando milhares de famílias à fome e gerando uma disputa com o Congresso Nacional que vai prejudicar milhares de pessoas, mostrando o descompromisso deles com a população brasileira e com o combate à fome, e o compromisso deles com o caos, com a fome, com a desassistência, com tudo de ruim que a gente vê acontecer na sociedade.
A fome se combate com a redução de impostos, sim, mas a medida principal para reduzir o preço dos alimentos é garantir fomento à agricultura familiar, fomento à agricultura no nosso Brasil. Aquela que produz arroz, feijão, granjas, para produzirem ovos, carne e todos esses produtos. A gente sabe que o modelo de agricultura pelo latifúndio brasileiro é um modelo que não produz alimentos, produz produtos para exportação. Quem produz alimentos no Brasil são os pequenos e médios agricultores, é a agricultura familiar. Motivo pelo qual atacar a concentração de terras, terras essas absolutamente improdutivas, é um dos princípios da nossa Constituição enquanto povo brasileiro. Motivo pelo qual o presidente Lula esteve na semana passada… E eu estive junto com ele, dando aquele abraço no meu presidente, para garantir uma vitória importante e demorada, mas justa, para o Quilombo Campo Grande, do MST. Uma comunidade de diversos acampamentos, que produz árvores, café, goiaba, uma quantidade enorme de alimentos, e que tem uma relação fundamental com a região, porque vende para os comércios e feiras da região, e de fato mata a fome do povo naquele local.
A garantia dos instrumentos para reforma agrária é fundamental e preponderante, e tem que respeitar outros direitos que existem. No caso da antiga Fazenda Ariadnópolis, o que a gente percebe é que um processo de grilagem e a falência de uma indústria, que era a Usina Ariadnópolis, gerou calote sobre milhares de trabalhadores, centenas de trabalhadores que estavam nessa usina. Quando esses trabalhadores resolveram ocupar essa fazenda há 27 anos, eles começaram a recuperar, pelas próprias mãos, com o trabalho, com calo e com suor, um direito que havia sido negado pela Fazenda Ariadnópolis, que deu calote em todo mundo e não pagou nenhum direito trabalhista sequer. Esse tema foi reconhecido muitos anos depois, quando o CNPJ da antiga Fazenda Ariadnópolis foi considerado nulo. Portanto, inclusive as ações de despejo que aconteceram no Quilombo Campo Grande, algumas delas durante a pandemia, foram ações ilegais. Não estavam sendo propostas porque, de fato, detinham a posse e a propriedade do imóvel, e sim por um espólio que havia dado um calote nos trabalhadores e que nunca teve o direito efetivo sobre aquela terra.
É importante que a gente compreenda que embora o direito das famílias à reforma agrária esteja na Constituição e em vários lugares, e o princípio da função social da propriedade esteja hoje em diversas legislações brasileiras, o latifúndio opera de forma terrorista, com violência. Violência no campo que já fez tombar diversos trabalhadores e trabalhadoras rurais, entre os quais um trabalhador rural que foi assassinado no Triângulo Mineiro, nessa semana agora. O companheiro Bob esperava pela titulação das suas terras pelo Incra, processo que, por ser muito moroso, intensificou os conflitos pela terra. E ele foi assassinado na última semana, tema que nós trataremos na Comissão de Direitos Humanos, assim como tratamos o tema do assassinato do Zaqueu, outro companheiro do Movimento dos Sem Terra, no Norte de Minas.
É importante que a gente coloque aqui os pingos nos is. Terrorista é aquele governo que quer impor fome às famílias e que se põe contra uma medida que vem enfrentar a fome. Terroristas são aqueles que armam jagunços para cima de famílias que lutam por um direito de produzir alimentos no Brasil, pelo direito à terra e pelo direito da dignidade das suas famílias. Esse latifúndio, grileiro, sim, é terrorista e sempre espalhou o terror no campo, no Brasil.
Mas ainda bem que nós temos instrumentos importantes para lutar, e um desses instrumentos é a democracia.
Democracia, que, aliás, desagrada bastante aos terroristas, mas que segue vigorosa hoje avançando nos processos de denúncia contra aqueles que historicamente apoiaram os produtores da fome, os produtores da destruição da vida da classe trabalhadora no Brasil.
Queria também dizer que não é apenas no Congresso Nacional ou nas discussões em Brasília que o tema dos impostos aparece. A gente sabe que, durante o seu governo, Bolsonaro propôs uma isenção ou diminuição de taxa para jet skis e jatinhos. Enquanto o presidente Lula propõe a redução de impostos da cesta básica, vamos lembrar que Bolsonaro pedia a redução de impostos para jet skis, jatinhos e outros artigos de luxo. Eis que hoje, na Comissão de Constituição e Justiça desta Casa, dois parlamentares da base do governador Zema propõem a redução do ICMS para jet skis e jatinhos. É brincadeira, não é, gente?
Nós estamos vivendo uma crise global de alimentos. Nós estamos vivendo um processo de inflação grande dos alimentos no Brasil e, além de não contribuírem para pressionar que o governo do Estado de Minas Gerais zere o ICMS para os produtos da cesta básica, há deputado nesta Casa querendo avançar com projeto de lei para tirar imposto de jatinho. O que é isso, gente? Eu não acreditei quando vi essa pauta hoje na Comissão de Constituição e Justiça. Sinceramente, por onde andam os deputados desta Casa que não percebem a situação da nossa população, a situação da população do Norte de Minas, do Vale do Jequitinhonha, a situação da população das grandes cidades que hoje tem enfrentado o alto custo dos alimentos e o preço alto do combustível que também resulta no aumento do preço dos alimentos?
Nós precisamos ampliar esse debate nesta Casa, que a Assembleia Legislativa faça a sua parte, contribuindo para a discussão sobre a redução de impostos em itens essenciais, em itens fundamentais para garantia da alimentação, da saúde e do bem-estar da população, em especial da população mais pobre, e que a gente possa fazer justiça àqueles que buscam a reforma agrária, buscam a divisão das terras no Brasil. Todos os países do mundo ou quase todos os países do mundo fizeram reformas agrárias no século passado. Estados Unidos, México, países da Europa, todos eles distribuíram terras, porque isso era uma política fundamental para garantir por um lado a preservação ambiental e, por outro, a produção de alimentos, a produção inclusive da economia do país.
O Brasil é sustentado em um latifúndio insustentável, e esse latifúndio precisa, sim, ser enfrentado. E que bom que nós temos corajosas e corajosos lutadores sociais, que têm muitas vezes estado submetidos à situações de violência e situações de ameaça, mas não arredam o pé da luta e da produção de alimentos, da produção de reforma agrária, da produção de educação no campo, da produção de vida, tantas coisas bonitas que são produções feitas pelo MST e por tantos outros movimentos sociais do campo no Brasil.
Eu queria reservar estes minutos que me restam para comentar um pouquinho sobre o Carnaval. Vamos discutir um pouquinho o Carnaval, porque o Carnaval, para além de uma folia de muita alegria, para além de um evento que mobiliza uma grande economia para as cidades, e aqui em Belo Horizonte, na capital do Estado, R$1.000.000.000,00 foi movimentado de recursos no Carnaval, também redistribui renda. Isso porque ele consegue gerar renda para catadores de recicláveis, ambulantes, músicos e artistas que produzem essa festa maravilhosa que a gente vê nas ruas. Pois bem, o Carnaval de Belo Horizonte está em risco e está em risco porque estão tentando transformá-lo em um evento promocional, um grande evento promocional, descaracterizando coisas importantíssimas da festa e do seu ressurgimento que foi justamente a profusão de blocos de rua que se organizavam para ocupar o espaço público e promover alegria.
Uma das formas de tentar destruir e desqualificar a festa foi a tentativa que se efetivou de fazer com que o comércio de bebidas fosse limitado ao monopólio da distribuidora Ambev, algo extremamente grave que retirou renda dos trabalhadores ambulantes para dar a essa grande corporação, que pouquíssimo contribuiu inclusive com o financiamento da festa.
O investimento da Ambev não foi nem 10% do investimento do Carnaval, mas, com certeza, ela foi a que mais lucrou com a festa.
A segunda questão foi toda a discussão em relação aos trabalhadores da reciclagem. Acompanho as cooperativas de catadores e catadoras na capital, há muito tempo. Sabemos que eles têm a proposta fundamental de construir uma festa lixo zero, uma festa em que todo o resíduo produzido possa ser reciclado. De fato, 30.000t foram recicladas em todos os anos em que o ReciclaBelô aconteceu. Neste ano, pasmem, queriam deturpar a proposta do ReciclaBelô, gerando um contrato com uma empresa de São Paulo, em vez de contratar as cooperativas de catadores de Belo Horizonte, que foram os criadores do conceito do ReciclaBelô. Ainda bem que, com muita luta e muita incidência, nós conseguimos reverter essa situação, e as cooperativas trabalharam da melhor forma possível.
Não queria perder o último minuto sem falar sobre um último aspecto. Saiu, na sexta-feira anterior do Carnaval, uma denúncia gravíssima sobre desvio de recursos do governo do Estado, o governo Zema, no Carnaval. Há notícias de que haveria indicações de grupos e blocos aliados do governo do Estado que seriam beneficiados pela festa. Nós vamos apurar esse tema na Comissão de Cultura, e inclusive já fiz uma representação ao Tribunal de Contas. O governo do Estado colocou R$60.000.000,00 na festa, em Belo Horizonte, mas a gente sabe que houve muitos bloquinhos que tiveram que fazer vaquinha para sair às ruas, enquanto outros foram beneficiados com medidas, muitas vezes, desnecessárias, como é o caso dos corredores sonorizados. Esse tema do Carnaval, ainda bem, virou um tema cada vez mais presente aqui, em Minas Gerais, e nós vamos tratar dele na Comissão de Cultura, assim como dessa denúncia grave de desvio de recursos da cultura a bel-prazer do secretário.