DEPUTADA LOHANNA (PV)
Discurso
Legislatura 20ª legislatura, 1ª sessão legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 01/09/2023
Página 13, Coluna 1
Indexação
Proposições citadas PL 2309 de 2020
26ª REUNIÃO EXTRAORDINÁRIA DA 1ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 20ª LEGISLATURA, EM 30/8/2023
Palavras da deputada Lohanna
A deputada Lohanna – Bom dia, presidente; bom dia aos colegas desta Casa e a todos os servidores que tornam esta reunião possível na manhã de hoje; bom dia ao público que nos assiste e a todos os interessados em pautar os assuntos que realmente importam para Minas Gerais aqui na Assembleia de Minas.
Presidente, eu começo a minha fala dizendo que a gente vai voltar num assunto de mais de 3 mil anos. Portanto vai ser uma fala um pouco longa, e muito provavelmente eu vou precisar dar atenção de quem quiser prestar atenção e ouvir um pouco do que a gente está falando. Um pouco do que eu vou dizer aqui hoje foi inspirado em dois livros: Mulheres, cultura e política, da Angela Davis; e Mulheres e poder: um manifesto, da Mary Beard.
Quando a gente está falando do início da tradição da literatura ocidental e do primeiro registro que existe escrito para mandar uma mulher calar a boca, a gente se lembra do texto da Odisseia, escrito por Homero há mais de 3 mil anos. Hoje em dia, quando a gente pensa no texto da Odisseia, deputada Bella, quando a gente pensa naquilo que é ensinado nas escolas ao falar da literatura daquela época, a gente pensa na história do Ulisses e em tudo o que ele viveu, todas as aventuras que ele viveu na guerra de Tróia. Mas, quando a gente está falando da Odisseia, a gente também está falando da história de Telêmaco, que é filho de Penélope e filho de Ulisses. Em Odisseia, ele também narra a história do seu crescimento, do seu amadurecimento e de como ele se tornou homem. Existe uma cena, Leninha, descrita no livro em que a Penélope desce as escadas e vai até o salão do palácio, onde está rolando uma apresentação musical. Essa apresentação é sobre as dificuldades encontradas pelos guerreiros e os heróis da época para voltarem para casa depois da guerra. A música não estava agradando a Penélope, e ela pediu que a música fosse trocada. Nesse momento, o filho Telêmaco interveio e pediu que ela retornasse aos seus aposentos, voltasse para o tear, voltasse para a roca, voltasse para os afazeres domésticos.
E ele disse também que os discursos são coisas que pertencem aos homens e que, naquela casa, então, o discurso são coisas que pertencem a ele, que é o poder masculino dentro de casa. Naquela época, deputada Macaé, as vozes femininas não eram ouvidas no espaço público. As ruas não pertenciam a nós, mulheres, e uma das formas mais claras de dizer isso era quando a gente observava que as ruas não tinham nem banheiro feminino. Todos os banheiros pertenciam aos homens. E toda essa longa discussão a que temos assistido, nos últimos anos, de banheiro para um ou para outro mostra muito bem que essa não é uma discussão pequena. Ter banheiro ou não quer dizer se aquela pessoa pode ou não ocupar aquele espaço. Não havia banheiro feminino público porque o espaço público não era lugar de mulher.
Quando eu estou falando sobre tudo isso, sobre a urgência que aqueles homens tinham de cercear o discurso e o direito à voz das mulheres, a gente percebe que isso é muito maior do que o que eu estou falando hoje. Essa mudez que foi imposta a nós, mulheres, não se trata apenas de cercear a gente em tudo aquilo que envolve o mundo público. É sobre algo muito maior, é sobre algo mais antigo e mais remoto. O direito ao discurso, à fala pública, ao pronunciamento, tudo isso está historicamente ligado a tornar-se homem. A oratória, então, não era só uma coisa que era proibida para as mulheres; era uma das práticas e uma das habilidades que definiam o masculino enquanto gênero. Tonar-se homem, então, era ter o direito de reivindicar a fala.
Havia um famoso chavão da Roma antiga que definia o homem comum como vir bonus dicendi peritus: homem de bem, perito na fala. Então uma mulher que falasse em público não era por definição uma mulher. E aí eu busco, na memória de vocês, colegas, deputado Ricardo Campos, a memória da Medusa, da Medusa, que era um dos maiores e mais antigos símbolos do poder ilegítimo da mulher – a Medusa, que gerava medo, especialmente nos homens, e nos homens que tinham a ousadia de olhar para essa mulher. Quando a gente pega a saga de Perseu ao buscar destruir a Medusa, a gente percebe que essa foi uma implícita afirmação do poder do homem, em que a dominação e o poder, legítimos do homem, foram violentamente reafirmados contra o poder ilegítimo da mulher.
A história e a humanidade caminharam, mas a representação da mulher que ousa utilizar o discurso – essa transgressora – continua semelhante. Em sete dias, colegas, sete parlamentares foram ameaçadas, e eu fui uma delas. Em um longo e-mail, li detalhes sobre como planejam o meu estupro e a minha morte. Li também que está planejado me alimentarem com restos de comida mastigados e que está planejado também matarem a minha sede com urina. Li, ao final, uma frase que determina, de forma sintomática, que essa ameaça não é sobre violência de gênero apenas; é violência política de gênero. “Eu juro que vou vingar todo homem que teve o desprazer de ser governado por uma vagabunda ordinária feito você.” Eu peço desculpa ao presidente por usar essas palavras aqui, mas foram as palavras usadas contra mim.
Com tudo que aconteceu, eu procurei as Polícias Civil e Militar de Minas Gerais. E, após dias de demora e omissão do governo de Minas em relação à escolta solicitada por outra amiga parlamentar, nossa proteção foi finalmente permitida. Havia o argumento de que estavam sendo feitas apurações técnicas para verificar a real necessidade da escolta. E é preciso ressaltar que, dentro da Assembleia de Minas, recebemos todo o apoio e o suporte necessários da força da Polícia Legislativa, que está sob o comando do nosso presidente, deputado Tadeu. Antes que alguém tente divagar sobre a hipocrisia da esquerda, que detesta polícia, mas que, quando se sente ameaçada, recorre a ela, cabe dizer que todos do Bloco Democracia e Luta ficaram ao lado das Polícias Militar, Civil e Penal em todas as suas reivindicações aqui, na Casa. Ficamos ao lado da polícia na luta pela recomposição, na luta pelas nomeações, na luta por mais concurso público. E há que se dizer que, vez ou outra, deputados que utilizam da farda para angariar votos não fizeram a mesma luta, mas a gente fez. Sobre nossas ameaças, enquanto as recebemos e continuam a ser produzidas em sites na internet, onde dividem espaço com pedofilia, zoofilia, feminicídio e necrofilia, andamos escoltadas pela Polícia Militar e aguardamos a devida investigação da Polícia Civil. E eu digo aqui, de público, da responsabilidade que a Dra. Letícia tem em fazer com que a Polícia Civil leve esse assunto a sério.
Cabe ressaltar que, salvo engano, essa não é a primeira ameaça que nenhuma de nós sofre, e parece que, em Minas Gerais, agir como Telêmaco, tentando silenciar as mulheres ou tentando ser Perseu, ameaçando-as de morte, aparentemente não traz grandes ameaças. Há quem fale, deputada Bella, que essa é uma questão ideológica contra a esquerda. É preciso dizer que não é, deputado Tadeu, porque há, nesta Casa, aqui, homens de esquerda, parlamentares de esquerda que não foram ameaçados. Essa é uma questão de gênero, estritamente de gênero, e isso precisa ser pontuado. Apesar disso, eu sigo confiando na Polícia Civil e faço aqui o apelo público, ciente do efetivo defasado e da sobrecarga dos profissionais: que as investigações levem a sério as ameaças que sofremos, afinal, não queremos ser o Estado que produz Marielles e que coloca sobre o colo do governador as consequências da inoperância e do descaso com a vida de mulheres, parlamentares ou não.
A maior parte das mulheres é mineira, o que mostra, com clareza, o movimento de afunilamento do ódio e do extremismo que está com seus canhões, mais do que nunca, virados para Minas Gerais. Recentemente o Senado fez um levantamento de informações sobre a percepção da população brasileira em relação à violência política de gênero. É importante dizer que 37% dos entrevistados afirmam que as mulheres representam muito bem a população, apesar do número de mulheres não ser suficiente, ou seja, nós somos poucas, mas nós somos boas de serviço. Há, sim, uma violência política contra a mulher hoje, feita para que nós não tenhamos voz e vez necessárias para atuar politicamente. Um silenciamento, um cerceamento, uma limitação antiga, injusta, inconstitucional, ilegal, imoral e, portanto, indefensável e que precisa ser modificada com urgência.
Por isso está em pauta hoje o Projeto nº 2.309, da deputada Andréia de Jesus – para finalizar, presidente – e de outras colegas parlamentares, que trata justamente sobre a violência política de gênero e a nossa proteção. É urgente e necessário aprovar hoje, aqui na Casa, esse projeto em 1º turno. É urgente pela vereadora Iza, é urgente pela vereadora Cida, é urgente pela deputada Bella, é urgente pela deputada Andréia, é urgente pela minha vida e é urgente por todas as outras parlamentares que são e que foram ameaçadas na história da política de Minas Gerais por serem transgressoras e ousarem a ocupar o direito à fala, o direito ao discurso e o dever de representar a população deste Estado, que ainda precisa caminhar tanto quando a gente fala de respeito às nossas mulheres. Peço, então, que esse projeto não apenas seja aprovado; peço que seja abraçado por cada uma e cada um de nós como sinônimo de que Minas Gerais, presidente, não se curva ao machismo, à misoginia, ao ódio e à perseguição de suas mulheres.
Para fechar, presidente, é importante dizer que, nos últimos dias, eu recebi uma ligação que me deixou, no mínimo, aflita; uma ligação de uma amiga que está com um inquérito instaurado contra um ex-namorado, que a está ameaçando e perseguindo. E ela me disse assim: “Lohanna, se não respeitam e não resolvem nem quando uma deputada é ameaçada, isso desmotiva a gente demais de acreditar na justiça.” Passa uma mensagem, presidente, a todos os homens violentos de Minas Gerais. Quando nem mesmo mulheres, em espaço de poder, têm sua segurança garantida, passa uma mensagem para a mulher na periferia, para a mulher na zona rural, para a mulher que finalmente tomou coragem e saiu de um relacionamento abusivo, uma mensagem muito clara de que, se mulheres, mesmo em espaço de poder, não têm ação do setor público para protegê-las e punir os bandidos que as perseguem, o que será da mulher que não tem esses instrumentos?
Então eu peço voto favorável ao projeto hoje e peço também, presidente, que os colegas que discordam façam isso com argumentos e não utilizando de bravatas ideológicas. Obrigada.