Pronunciamentos

DEPUTADO VIRGÍLIO GUIMARÃES (PT)

Discurso

Comenta o transcurso dos 58 anos do movimento que levou à ditadura militar.
Reunião 23ª reunião ORDINÁRIA
Legislatura 19ª legislatura, 4ª sessão legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 02/04/2022
Página 7, Coluna 1
Assunto ADMINISTRAÇÃO FEDERAL.
Indexação

23ª REUNIÃO ORDINÁRIA DA 4ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 19ª LEGISLATURA, EM 31/3/2022

Palavras do deputado Virgílio Guimarães

O deputado Virgílio Guimarães – Boa tarde, Sra. Presidenta, deputada Ana Paula Siqueira, Srs. Deputados e Sras. Deputadas. Hoje são 31/3/2022. Estamos no ano da democracia, um ano de eleições gerais no Brasil, em que se debatem ideias, projetos para o nosso país, projetos para o nosso estado, as diferentes alternativas, tudo isso a ser submetido democraticamente ao voto das urnas. Estamos em um regime republicano, portanto um regime republicano democrático. Essa é a herança que a história nos legou depois de vários momentos de assistir à nossa democracia passar por vertigens, por crises e até por graves interrupções.

Falo isso, Sra. Presidenta, Srs. Deputados e Sras. Deputadas, porque há uma enorme polêmica não só sobre o futuro como também sobre o passado. Um futuro que preocupa, porque muitos temem que possa haver ainda um retrocesso em nosso país e muitos acham que este momento também é de se fazer uma reflexão sobre o passado. E é isso que venho colocar aqui também neste momento: uma reflexão histórica absolutamente necessária. Necessária para constatar que o 31 de março foi o início de um longo período de uma ditadura militar, acima de tudo, de uma ditadura, seja ela militar, seja ela civil; seja ela fruto de um golpe democrático, portanto de um golpe que veio num processo de democracia; seja uma ditadura oriunda de um movimento brutal com derramamento de sangue ou sem ele.

Falo isso para tentar fazer neste momento uma reflexão histórica, de alguma maneira, olhando para trás de seus 58 anos já transcorridos desde aquele trágico 31 de março, quando se começou a caminhada que foi até o Rio de Janeiro, com a derrubada do presidente no dia 2 de abril, e que interrompeu o processo constitucional de 1946. Foi, sem dúvida nenhuma, um golpe de estado. Podemos dizer que foi um golpe revestido de aspectos de revolução ou de contrarrevolução, se preferirem, porque o Brasil estava também a caminho de alguns avanços democráticos importantes: reforma agrária, reforma bancária, reforma urbana; reformas que muitos confundiram com um processo que caminhasse inexoravelmente para o que chamavam de caminhar para um regime totalitário. Não sei se isso seria verdade ou não, mas houve mobilização popular, houve mobilização da Igreja Católica, de vários organismos da sociedade civil, sem dúvida. Foi portanto uma intervenção militar brutal que depois caiu numa ditadura, mas que teve esse respaldo, digamos assim, de um movimento popular. Nisso, as Forças Armadas, como hoje lançaram o seu manifesto, fazem questão de chamar a atenção dos historiadores. Mas, sobretudo, os políticos que refletem sobre os procedimentos históricos têm que entender isso. Diferente até da República, que foi também fruto de um movimento militar sem o mesmo respaldo naquele momento.

Falo isso para dizer que esses momentos históricos controversos, houve ou não um movimento popular que respaldou? Havia ou não risco para a democracia? O movimento foi democrático, mas redundou numa ditadura. Isso é defensável ou não é defensável? Tudo isso faz parte de processos históricos que não podem nos levar a alguns equívocos. Primeiro, não esquecer jamais que a ditadura, seja militar ou civil, seja de golpe ou de revolução, seja oriunda de movimentos originalmente a partir do voto ou originalmente oriundos de quarteladas, de conspirações, é algo inaceitável. Sobretudo aquelas que redundam em tortura, em perda de vidas, em perda das liberdades, em censura, ou seja, em elementos que compõem uma ditadura mais ou menos feroz.

Temos que lembrar também que esses momentos, seja a ditadura Vargas, o Estado Novo, seja a ditadura militar de 1964, tinham características também de projetos nacionais. Esse reconhecimento tem que ser feito. Vargas, naquele período, trouxe junto conquistas importantes para os trabalhadores, avanços sociais da maior relevância, e depois até descortinou avanços democráticos que vieram no bojo da Revolução de 1930, que nós chamamos de revolução, mesmo que tenha havido a derrubada do governo de Washington Luís com uma quartelada, com o movimento militar que entregou o poder aos vitoriosos de 1930, que foram Getúlio Vargas, junto com os gaúchos, os mineiros e os paraibanos que venceram aquela batalha que se seguiu aqui à fraude eleitoral das eleições presidenciais.

Portanto, eu queria diferenciar muito, em alguns aspectos, isso que se pretende no Brasil de hoje, que se teme no Brasil de hoje. Trata-se hoje de um governo eleito, mas que tem elementos perigosos, elementos de ditadura no seu interior, e que diferentemente daquelas outras duas ditaduras: seja a do Estado Novo, que trouxe uma renovação, uma industrialização do País, uma transformação do modelo agrário-exportador para um modelo urbano-industrial, inclusive algumas conquistas sociais importantes; seja a do movimento militar, que tinha uma visão de Brasil grande, que tinha uma visão nacionalista em vários aspectos, não apenas entreguistas, como muitos dizem, muito mais avançado nesse sentido de visão nacional, de projeto nacional, de projeto desenvolvimentista. E trouxe inclusive alguns avanços em termos das estatais, de algumas reservas minerais importantes para o desenvolvimento de empresas estatais, à época, a Vale, a Petrobras, o nosso sistema bancário, os bancos públicos, tudo isso fez parte daquela ideologia naquele momento.

Portanto cabe a rejeição dos processos totalitários, das ditaduras, mas temos que ter as lições também daquilo que cada um trouxe de positivo para ver a diferença de hoje. Um governo militarizado oriundo de um golpe democrático, vamos chamar assim. Se é que se pode hoje classificar dessa maneira o golpe que vitimou a presidenta Dilma e que depois teve como sequência uma eleição direta vencida pelo próprio presidente da República, ao eliminar da concorrência o seu principal adversário. Portanto tem elementos golpistas no próprio processo democrático, como eu disse no início. Mesmo esses regimes que trazem a marca da eleição direta podem ter elementos também da negação da própria democracia, como é o caso do governo atual. Sobretudo é um governo que não tem projeto nacional; tem projetos que desmentem, inclusive, algumas questões que foram marcas do regime militar de 1964, como o nacionalismo, a defesa das estatais, como foram as 200 milhas. Havia projetos de um Brasil grande, um projeto desenvolvimentista. Havia uma afirmação nacional em relação a uma política internacional e uma diplomacia brasileira que se marcava também pela independência e pelo sentido da defesa de princípios nacionais.

Falo isso muito à vontade porque temos críticas duras. Esquecer jamais para não repetir! Mas também não podemos fazer tábula rasa de tudo, achar que tudo foi igual, que não teve mérito algum, que foi apenas um ato de banditismo. Nada disso! As nossas Forças Armadas, muitas pessoas, muitos daqueles militares estavam imbuídos de sentimentos de afinamento, estavam afinados com o sentimento popular e nacional. Eu costumo dizer que talvez nos devêssemos ter datas nacionais para que todos comemorassem juntos: a Independência, Tiradentes, a República, o Dia da Mulher, o Dia da Democracia. São sentimentos que marcam a nossa nacionalidade. Mas devia haver também algumas datas da memória nacional, em que alguns podem preferir exaltar algumas conquistas; e outros, criticar, mas que nada fosse proibido. Não devíamos proibir nenhuma manifestação em torno das datas nacionais. Essa é a renovação que proponho aqui neste momento, ou seja, que as datas nacionais... Como o 9 de julho, que é comemorado em São Paulo, mas não em Minas. Foi um enfrentamento entre Minas e São Paulo naquele momento, que era um movimento contraditório, que hoje se exalta, porque naquele 9 de julho, que eles passaram a chamar Revolução Constitucionalista, tinha elementos fascistizantes graves, elementos integralistas graves ali: de hegemonismo, de racismo, de tudo aquilo. Mas que fica a marca que os paulistas pretendem dar ao 9 de julho, de Revolução Constitucionalista, de defesa da Constituição e o voto direto. Isso vale mais do que fazer uma exegese daquilo que aconteceu: se aquelas vítimas eram estudantes ou não; se havia o hegemonismo ou não, se havia o poder do café, o poder do capital financeiro da Avenida Paulista ou não. Enfim, são elementos contraditórios, controversos. Minas Gerais se confrontou com aquele movimento, venceu aquele movimento. Enfim, nada disso. Ninguém aqui está querendo desmerecer os que foram os lutadores daquele momento; dentre eles, pessoas da nossa Polícia Militar como os oficiais médicos, Juscelino Kubitschek, o JK, e Guimarães Rosa. Eles tiveram ali uma disposição de se apresentar como voluntários nessa disputa. São datas da memória nacional, e vale a pena haver uma reflexão sobre ela, e não uma imposição disso ou daquilo. Não podemos tomá-la como exemplo disso ou daquilo. E agora a manifestação dos comandantes das Forças Armadas no Brasil tem uma falha grave de passar por cima do que foi a autocrítica necessária sobre os elementos de ditadura que foram exercidos durante aquele período; preferem exaltar os elementos positivos, que, sem dúvida, estiveram presentes também.

Então, não creio que devemos fazer disso um caminho para execrar as Forças Armadas. De maneira nenhuma. É o que chamo de datas nacionais. Alguns são contra; e outros, a favor. Merecem ser lembradas e tirar as lições da controvérsia, mas, sobretudo, tirar dali algumas questões basilares da nacionalidade; entre elas, a democracia. Nenhuma ditadura, por mais que tenha tido elementos positivos, como ocorreu no Estado Novo, como ocorreu no regime militar, pode justificar a liquidação, a morte das liberdades públicas ou das liberdades individuais. Mas nada justifica também fazer uma espécie de demonização das pessoas que dali participaram, de proibir as pessoas de manifestar opiniões diversas e de ressaltar alguns aspectos ou outros aspectos. Falo isso muito à vontade, porque nós já nos preparamos para um momento novo no Brasil. O presidente Lula reassumindo, com a grandeza que ele teve em seu primeiro governo, em seu segundo governo, e o governo da companheira Dilma, que nunca tiveram como meta dos seus governos um embate com as Forças Armadas, desarmar o Brasil. Pelo contrário, foi ali que houve uma valorização das carreiras militares, que houve também um fortalecimento da nossa Aeronáutica, da nossa polícia judicial, enfim, das Forças Armadas em geral.

Portanto fica aqui: hoje, 31 de março, é um dia da democracia, em todos os sentidos. Que opiniões divergentes apareçam, mas sobretudo que haja uma afirmação única de todos os brasileiros em defesa da Constituição. Isto está também no manifesto dos comandantes Militares de hoje: defesa da Constituição daqui para frente, defesa das leis, defesa das liberdades, defesa da hegemonia do povo na definição dos rumos de nosso Brasil. Tenho dito.