DEPUTADA ANDRÉIA DE JESUS (PSOL)
Discurso
Legislatura 19ª legislatura, 2ª sessão legislativa ORDINÁRIA
Publicação Diário do Legislativo em 24/09/2020
Página 13, Coluna 1
Assunto ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE MINAS GERAIS (ALMG). COMPANHIA DE SANEAMENTO DE MINAS GERAIS (COPASA). DIREITOS HUMANOS. EDUCAÇÃO. MUNICÍPIOS E DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Observação Pandemia coronavírus 2020.
43ª REUNIÃO ORDINÁRIA DA 2ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 19ª LEGISLATURA, EM 22/9/2020
Palavras da deputada Andréia de Jesus
A deputada Andréia de Jesus – Boa tarde, presidente.
O presidente – Boa tarde.
A deputada Andréia de Jesus – Boa tarde, presidente; boa tarde, colegas deputadas e deputados; boa tarde àqueles que nos acompanham. Um bom início de semana para a gente.
Presidente, eu me inscrevi para trazer algumas preocupações, principalmente no que tange ao serviço público no Estado de Minas Gerais. Hoje cedo acompanhamos de perto a situação das comunidades, aqui em Ribeirão das Neves, que continua sem abastecimento de água. Fizeram atos, manifestações, e, até onde a gente conseguiu acompanhar, a assessoria da Copasa se comprometeu a garantir o restabelecimento da água, principalmente nas partes mais baixas dos bairros da região do Veneza.
Mas é isso. Estamos falando de serviço público, das fragilidades, das necessidades de melhorar, mas sempre defendendo aquilo que é público e que é direito de todos: garantir a água durante a pandemia, principalmente agora nessa situação em que as famílias precisam ter garantias dos direitos fundamentais, como o acesso à água, à eletrificação. Infelizmente as famílias continuam colocando suas vidas em risco, tendo que fazer manifestações para serem ouvidas pelo poder público. Infelizmente essa é uma realidade que não está só no abastecimento de água, direito fundamental.
Mas eu me inscrevi para falar da polêmica volta às aulas. Antes de estar como deputada, eu sou educadora infantil concursada, funcionária pública. O que a gente está acompanhando das famílias, o desespero dessa polêmica do retorno ou não às aulas, é um debate a que não dá para a gente se furtar. Bom que a Assembleia está retomando os trabalhos das comissões. Já provoco aqui a Comissão de Educação para a gente debater publicamente todos esses vieses e essa polêmica que está jogada nas mãos daqueles que precisam da educação, num momento em que toda a comunidade escolar está se perguntando se é ou não é o momento de se retornar às aulas, se é ou não é o momento de retornar às aulas presenciais. Nós sabemos que não há uma resposta só para essa questão, não é? Presidente, está me ouvindo?
O presidente – Estou ouvindo você perfeitamente.
A deputada Andréia de Jesus – Foi interrompido aqui, não entendi.
O presidente – Talvez seja aí mesmo. Aqui está sob controle. Fique à vontade.
A deputada Andréia de Jesus – Está bem. Está certo. Nós sabemos que não há uma resposta certa para a polêmica do retorno às aulas, para o formato, para o protocolo, mas é imprescindível, presidente e colegas, que criemos espaços que conectem os vários atores para esse debate. Não é possível achar uma solução que contemple alguns segmentos de estudantes e deixe outros para trás. A nossa preocupação está, principalmente no ponto central de ampliação da desigualdade social, em a gente não conseguir desenhar um protocolo de retorno da prestação do serviço de forma a garantir a equidade. A educação é um direito universal, precisa alcançar todos. Hoje a tutela majoritária está na mão do Estado, o controle da educação.
Então a gente precisa observar o que está na Constituição, que diz que a educação é direito de todos; é dever do Estado, das famílias promover, incentivar, em colaboração com a sociedade civil, com o poder público, e garantir o exercício da cidadania, qualificar as pessoas para o trabalho, para a própria vida, para o desenvolvimento do País, para o desenvolvimento do nosso estado. Então, se a Constituição está dizendo isso, a gente precisa, cada vez mais, consultar as nossas cartas orientadoras para a gente pensar o que fazer de agora em diante.
Nessa perspectiva, nós precisamos encontrar respostas, mas nós queremos que essas soluções sejam ouvidas pelos estudantes; que sejam ouvidas a rede privada, a rede pública, as instituições municipais, estaduais, federais e militares. Estamos falando de um contingente enorme. São milhões de alunos, milhões de cidadãos, porque o ECA diz que criança, jovem e adulto são cidadãos e precisam ser ouvidos. Para gerir esse grande sistema, enorme, que alcança todas as famílias, nós precisamos, sim, que cada vez mais o Ministério da Educação, as secretarias estaduais, municipais, os conselhos federal, estadual e municipal, os Sindicatos dos Trabalhadores do Ensino, em resumo, que todos esses órgãos, entidades, instituições e a sociedade civil debrucem-se num debate qualificado, para que a gente, de fato, tenha uma orientação que alcance todos.
Eu volto a dizer: a educação é coordenada pelo Ministério da Educação. Então não cabe a cada estado, a cada município ou a cada escola criar critérios individuais para esse retorno às aulas e para definir se o retorno das aulas deve se dar agora, já no final do 2020, no segundo semestre. Nós precisamos principalmente observar o princípio da equidade, porque nós precisamos tratar de formas desiguais aqueles que estão em situações diferentes mesmo. Não dá para padronizar, considerando que o avanço da educação universal, que chega para todos, é muito recente. Nós estamos falando da herança escravagista que persiste em manter boa parte da população sem acesso, sem acesso ao ensino formal dos primeiros anos, à creche, aos primeiros anos da educação fundamental, que não é para todos ainda - escolas lotadas. Repensar tudo isso em meio a essa situação pandêmica é muito grave e... Presidente, está me ouvindo?
O presidente – Estou ouvindo-a perfeitamente. Fique à vontade.
A deputada Andréia de Jesus – É porque houve um pico de luz aqui, em Ribeirão em Neves. Estávamos falando da prestação de serviços, que precisa ser qualificada e não entregue à iniciativa privada.
Voltando ao assunto da educação, gerenciar esse uso remoto do trabalho já é um desafio, imagine para os alunos – isso é outro ponto importante: aulas remotas, aulas on-line, videoaulas; alguns alunos recebendo tarefas; outros, apostilas; quer dizer, não há um nivelamento ainda da prestação de serviços. Internet ainda não chega para todos, a prestação de serviços básicos, como água e luz, também é um desafio para o tamanho do nosso estado. Então nós temos hoje uma parcela que precisa de assistência estudantil e de assistência social para estar em condições de oportunidades de estudo. E digo quem são esses em cujos locais a eletrificação ainda não chegou, a água não chegou, e a internet chega de forma muito precária. Tirando Ribeirão das Neves, nós temos vários estudantes indígenas, quilombolas, alunos do campo, da periferia, dos grandes aglomerados; majoritariamente, nós estamos falando de um povo negro que historicamente se mantém na disputa pelo direito. Estudar ainda é privilégio para esses, porque, nas condições normais, a gente estava buscando qualificar a educação em sala de aula, qualificando e também valorizando o trabalho dos professores, garantindo a inclusão dos alunos, de alunos que precisam de atenção especial... Como se dará? Qual será o protocolo possível para atender essa maioria?
Agora, neste momento, a gente percebe alguma estabilidade no caso das contaminações por Covid. Inicia-se agora uma nova discussão do retorno ou não das aulas, e esse processo está trazendo ainda mais sofrimento, principalmente porque nós temos vários estudantes para os quais o ambiente escolar é um ambiente mais seguro do que o doméstico. Nós sabemos do número de violência que as mulheres sofrem desde a infância. Então o ambiente escolar é também esse ponto de segurança para alguns estudantes. É preciso garantir que as aulas retornem com um debate que seja honesto e que não fique só na mão dos empresários, que lucram com a educação, proprietários de escolas privadas. Esse debate precisa alcançar todos os trabalhadores e trabalhadoras. As mães já voltaram a trabalhar, mães solo. A educação na escola, mesmo que não seja em horário integral, que não é o ideal ainda, é um reforço para essas mulheres que precisam trabalhar.
E, quanto a essa confusão armada, nós temos, cada vez mais, aqui, na Assembleia Legislativa, que cobrar do poder público um posicionamento, ampliar esse debate. Nós assistimos à tentativa de a escola militar retornar as aulas em Belo Horizonte, aí veio o Judiciário para dizer que não é o momento. Onde está o Poder Executivo neste momento em que é preciso posicionamentos seguros, firmes, honestos, ouvindo todos esses setores, para que a gente possa avançar, de fato, numa questão de equidade? E eu volto a trazer isso, porque é um desespero para os estudantes, no ensino médio, não saberem se haverá ou não Enem, como farão a prova do Enem. Porque, para nós, negros e negras, periféricos, marginalizados, o acesso ao ensino superior é a oportunidade de a gente inclusive conseguir se estabelecer do ponto de vista econômico e trabalhista; conseguir uma vaga de emprego, uma condição melhor para entrar no mercado de trabalho está associado a esse acesso ao ensino superior. Imaginem a situação desses jovens, sem saber como se dará essa concorrência com os alunos que estão na escola privada, que receberam algum tipo de suporte em casa; esses para quem a luz falha, a internet falha. E há famílias extremamente extensas, em que o ambiente doméstico também não é o ambiente propício para o estudo, para se dedicar à produção intelectual. Que justiça tem numa concorrência dessa? A manutenção do Enem? Em que momento vai terminar o ano letivo? Como vai se dar? Quem está retornando agora? Quem já retornou antes? É esse descompasso: cada escola responder individualmente por isso. Como vai se dar a matrícula no próximo ano? O ano letivo termina quando? O que será exigido desses alunos? Isso tudo precisa ser debatido antes de se jogar para cada ente federativo decidir. E cabe a nós aqui, fiscalizadores, também exigir que esse protocolo não seja... Porque todos nós seremos atingidos por isso, ou seja, quem tem filho na escola privada, quem tem filho na escola pública, quem tem filho em escolas que não têm condições de abrir. Todos os brasileiros dependem da prova do Enem para conseguir acessar as universidades. E as próprias universidades ainda não têm um protocolo para atender universalmente, porque isso acontece também. Você vai fazer a prova no Enem e vai se inscrever para qual universidade? Em relação às universidades mineiras, às de São Paulo, às do Rio, qual é o protocolo? Quais serão as aulas? Como se darão as aulas? Como se programa a vida, para que o futuro do nosso país, o futuro do nosso estado não esteja comprometido com uma política que deveria ser universal, em que deveria, cada vez mais, haver investimento não só para melhorar o desenvolvimento do Estado, mas para que as pessoas sejam atendidas por um serviço?
Eu finalizo, presidente, dizendo que o nosso compromisso de fiscalizar está sendo registrado. Eu pedi uma informação ao secretário de Educação. Achei outras movimentações que também nos preocupam, como o projeto de entregar as escolas públicas para a iniciativa privada. Mas, neste momento, eu quero deixar o registro de que faremos debates, faremos o que for possível, para que a sociedade seja ouvida e para que essa polêmica não sirva para, cada vez mais, impedir as pessoas de acessarem um bem tão precioso, que é a educação pública, universal e de qualidade. Obrigada, presidente.