Geraizeiros de Grão Mogol relataram suas angústias frente ao empreendimento minerário na região e suas lutas para manterem seu modo de vida
Adair de Almeida disse que os geraizeiros reivindicam a regularização da posse das terras pelo governo

Geraizeiros de Grão Mogol veem mineração como ameaça

Povos tradicionais temem ser expulsos de suas terras, caso projeto de grupo chinês seja aprovado.

20/06/2022 - 20:47

Entre chapadas, tabuleiros e grotas, os geraizeiros de Grão Mogol (Norte de Minas) lutam para garantir o direito a continuar existindo com seu modo de vida. Nesta segunda-feira (20/6/22), a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) conheceu de perto a resistência desse povo tradicional contra um grande projeto de mineração que pretende se instalar na região.

Os geraizeiros são agricultores familiares que produzem mandioca, milho, feijão, andu, abóbora e banana. Do cerrado, eles extraem frutas como o maracujá nativo e plantas medicinais como a batata de pulga, utilizada como vermífugo. No passado, criavam gado à solta, mas a atividade acabou se tornando impraticável com o avanço da monocultura do eucalipto.

Encurralados pelas florestas plantadas, eles tiveram que deixar as chapadas (áreas planas em grandes altitudes) e hoje vivem dispersos por tabuleiros (encostas) e grotas (baixadas). Nas terras frias da Serra do Espinhaço em Grão Mogol, foram apelidados de “cacunda de neblina”. E agora se veem ameaçados pelo projeto Bloco 8, da empresa Sul Americana de Metais (SAM).

O empreendimento, controlado pelo grupo chinês Honbridge, prevê a exploração de minério de ferro de baixo teor em Grão Mogol e nos municípios vizinhos de Padre Carvalho, Fruta de Leite e Josenópolis. Para o transporte do minério até o Porto Sul, em Ilhéus (BA), será construído um mineroduto, que por sua vez vai utilizar a água de uma barragem a ser construída no Rio Vacaria. 

Mineração pode afetar modo de vida de comunidades

Os geraizeiros têm medo do rompimento das barragens de rejeitos da mineração e do risco de ficar sem água. Muitos também estão apreensivos porque temem ser expulsos de suas terras. Além disso, veem a mineração como uma ameaça ao seu modo de vida tradicional.

Os relatos foram feitos à vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos, deputada Leninha (PT), em visita à comunidade de Lamarão, que vai ser diretamente impactada pelo empreendimento, ainda em fase de licenciamento ambiental.

Moradora mais antiga de Lamarão, Adelina Xavier de Morais tem 83 anos, mora lá a vida inteira e criou os cinco filhos na comunidade. Ela cria galinhas e planta milho, feijão, andu, mandioca e verduras e diz que chega a ficar doente quando pensa que pode ser obrigada a se mudar. “Eu sou contra a mineração mesmo! Caçar precipício por gosto? Isso não presta, não”, afirmou.

Para o geraizeiro Adair Pereira de Almeida, que vive na comunidade do Vale das Cancelas, a mineração vai impactar as nascentes e comprometer a disponibilidade de água que eles utilizam na agricultura.

Mas a maior ameaça, na sua avaliação, é o risco de destruição do modo de vida tradicional dos geraizeiros. “Nós convivemos com o cerrado de forma harmônica e preservamos as tradições dos nossos antepassados. Esse projeto vai provocar a perda da cultura e da memória histórica do nosso povo”, alertou.

Consulta pública teria sido irregular

Segundo Adair Almeida, os geraizeiros reivindicam a titulação de suas terras pelo governo e a realização de uma consulta pública livre, prévia e informada sobre o empreendimento da SAM, conforme determina a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). 

De acordo com Adair Almeida, as duas audiências públicas para ouvir a comunidade sobre o projeto Bloco 8 foram organizadas pela própria mineradora, e por isso foram boicotadas pelos geraizeiros. “Foi uma afronta, uma violação de direitos humanos”, reclamou.

Os geraizeiros alegam que a consulta pública organizada pela SAM não foi livre porque a empresa teria cooptado a população local com promessas e brindes. Por isso, eles querem que o processo seja conduzido pelo Governo do Estado, depois que as comunidades impactadas concluírem o seu protocolo de consulta, ainda em fase de elaboração.

“A empresa fica iludindo a população, dando presentes. Mas o que fica da mineração é irrecuperável”, afirmou a deputada Leninha. “Esse projeto ameaça uma região que já tem pouca água”, completou a parlamentar.

Segundo a deputada, um estudo de impacto ambiental está sendo elaborado por uma empresa alemã, por determinação do Ministério Público. “Esperamos que esse relatório tenha elementos para que possamos dizer que o projeto da SAM é inviável, depois de 12 anos em processo de licenciamento”, concluiu Leninha.

Enquanto isso, os geraizeiros seguem com seu modo de vida tradicional, prometendo resistir à ameaça de serem expulsos de suas terras. “Se eu sair daqui, vou viver de quê?”, questiona Hailton Morais da Silva, de 71 anos, que vive na comunidade de Batalha.