Defesa do Parque Linear marca audiência na ALMG
Debatedores criticam proposta de venda de área no Belvedere e destacam preservação ambiental e promoção do turismo.
24/02/2022 - 22:25 - Atualizado em 24/02/2022 - 23:30Defensores da criação de um parque linear no bairro Belvedere, entre Belo Horizonte e Nova Lima (Região Metropolitana de Belo Horizonte), colocaram-se frontalmente contra a proposta do governo federal de colocar à venda a área onde a unidade seria instalada. Moradores da região, ambientalistas, especialistas em ferrovias e parlamentares participaram, nesta quinta-feira (24/2/22), de reunião da Comissão Extraordinária de Turismo e Gastronomia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), que discutiu o assunto.
Na audiência solicitada pelo presidente da comissão, deputado Mauro Tramonte (Republicanos), os participantes apresentaram os projetos envolvendo a estruturação do parque, que fica às margens da linha desativada da extinta Rede Ferroviária Federal. Pela proposta, a ferrovia seria reativada para fazer a interligação dos bairros Belvedere e Vila da Serra com o Instituto Inhotim, em Brumadinho (RMBH).
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Sérgio Motta, presidente da organização da sociedade civil de interesse público (oscip) Apito disse que a ideia é implantar na área um projeto parecido com o do Museu Inhotim, contemplando o paisagismo. Os usuários teriam que se cadastrar e pagar uma taxa mínima para passar o dia no parque, que funcionaria das 6 horas à meia-noite.
O local contaria com pistas de bicicleta e caminhada, cinco portarias, lanchonetes, pistas de skate e patins, áreas para ginástica, quadras de esporte cobertas e ao ar livre e campos de futebol, além de arena com arquibancada para shows. “É um projeto ousado, mas já temos um investidor interessado”, anunciou.
De acordo com Sérgio Motta, se o poder público ceder o espaço por um prazo de 99 anos, o investidor se compromete a iniciar os investimentos em 30 dias. “Com 150 dias, teríamos o parque já funcionando com algumas estruturas”, animou-se.
Infraestrutura
Elias Tergilene, da Fundação Doimo, fundadora da Rede "Uai Shopping", apresentou os planos da entidade para o parque. Conforme explicou, a área já funciona como um parque. “O que pretendemos fazer é colocar infraestrutura, com banheiros, bebedouros e outras estruturas”, disse.
O acesso ao parque seria feito por duas litorinas, que são vagões ferroviários a diesel, com condutores próprios, utilizados para excursões turísticas. Numa primeira fase, esse trem iria do Belvedere até o chamado Mercado de Origem, onde é produzida cerveja artesanal, no bairro Olhos D’água, polo gastrocervejeiro da Capital. Numa segunda etapa, desse ponto partiria um trem para o Museu Inhotim.
Berço do trem
Para Antônio Pastori, elaborador de Projetos de Mobilidade Urbana sobre Trilhos, a proposta do governo federal de colocar em leilão a área do parque é esdrúxula. Ele contrapôs a essa ideia o fato de que Minas Gerais é o berço do trem turístico, com quatro linhas funcionando: na Região Central, em Tiradentes/São João Del Rey e Ouro Preto/Mariana; no Sul de Minas, em Passa Quatro e São Lourenço. Há ainda vários projetos não finalizados, como em Lavras (Sul), de Viçosa a Cataguases (Zona da Mata) e Raposos (Central).
Na opinião de André Azevedo, da ONG Transporte e Ecologia em Movimento (Trem), “o Brasil é um País que anda para trás”, pois não faz sentido a discussão sobre aproveitar ou não uma ferrovia que já existe. “Essa linha férrea custou muito dinheiro e tem potencial para criar um novo atrativo turístico”, defendeu. Ele lembrou que, a partir das primeiras linhas, do Belvedere e do Inhotim, poderiam ser criadas novas, levando passageiros para Contagem, Betim, Ibirité e outras cidades da Região Metropolitana.
Crime
“O leilão da área do parque é um crime bárbaro contra todos nós, mineiros”, criticou Ubirajara Bahia, analista técnico na Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU). Munido de mapas, ele explicou que a ferrovia no local vai facilitar a interligação da malha ferroviária de Belo Horizonte e Região Metropolitana com outra variante, vinda de Conselheiro Lafaiete (Região Central). Conforme disse, com a construção de uma linha de um quilômetros seria possível unir esses dois ramais, o que se transformaria numa alternativa ao Anel Rodoviário.
Fernando Santana, presidente do Movimento das Associações de Moradores de Belo Horizonte, alertou que o leilão está marcado para março. “Precisamos da atuação efetiva dos deputados para suspender esse leilão”, conclamou.
Proposta de criação de bulevar é criticada
Logo no início da reunião, o deputado federal Newton Cardoso Jr. (MDB-MG) defendeu a criação de um bulevar, com um complexo rodoviário, em vez de um parque na área que a União pretende leiloar. Na sua visão, esse projeto atenderia não só ao interesse ambiental, mas também social, ao melhorar a logística do transporte na região.
“O primeiro olhar tem que ser para os mais de 100 mil trabalhadores que fazem o roteiro BH-Nova Lima e passam horas no trânsito, por causa do colapso logístico que ocorreu naquela região”, diagnosticou. Em sua avaliação, pode-se fazer um corredor de biodiversidade, unificando as bacias dos Rios Paraopeba e Velhas, o que geraria oportunidades para os turismos de aventura e ecológico.
Ele ainda se posicionou contrariamente à concessão do terreno do parque à iniciativa privada, pois considera que a construção e a manutenção do bulevar poderiam ser realizadas pelo poder público.
Diversos participantes da reunião criticaram a proposta do deputado federal. André Azevedo avaliou que a construção de mais pistas rodoviárias não melhoraria a mobilidade na região. “Quanto mais adensarmos a ocupação, pior vai ficar a situação; a água que nasce na Estação do Cercadinho vai acabar, se impermeabilizarmos o solo”, declarou.
Para Claudia Pires, arquiteta e assessora do Parque Linear, a ideia do bulevar deve ser completamente rechaçada. “Estamos propondo que a Assembleia faça chegar ao governo federal uma mensagem diferente da desse projeto que foi apresentado por Newton Cardoso Jr. Quero ver esforços desta Casa para cancelar o leilão”, cobrou.
Leis protegem área do parque
Na avaliação do deputado João Leite (PSDB), mesmo que o terreno seja vendido pela União, a legislação conta com fortes instrumentos de proteção para aquela área. Ele citou as Leis estaduais 15.979, de 2006, que criou a Estação Ecológica do Cercadinho, e 23.230, de 2019, que reconhece como de relevante interesse cultural do Estado as linhas e os ramais ferroviários existentes em Minas Gerais.
Também lembrou da Lei federal 9.985, de 2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e, em seu artigo 41, cria as reservas da biosfera. “O que são a Serra do Curral e a Estação do Cercadinho senão reservas da biosfera, reconhecidas pela Unesco?”, completou.
Já o deputado Mauro Tramonte mostrou-se preocupado com a possibilidade de o leilão ocorrer e, uma vez vendidas, as áreas se tornarem terrenos para especulação imobiliária. Ele citou proposta de emenda à Constituição (PEC) de sua autoria que trata do tombamento, para fins de conservação, da Serra do Curral. Ele ainda lamentou a ausência de representantes do governo federal na reunião.
O deputado Gustavo Mitre (PSC) defendeu o projeto de criação do parque linear. Segundo ele, é possível viabilizá-lo contemplando os interesses ambiental e social. Por isso, rechaçou a ideia de leiloar a área.