Os participantes da audiência concordaram que os maiores avanços no combate à pedofilia foram feitos entre 2008 e 2011, ao longo da CPI do Senado
Para Carlos Fortes, a privacidade dos filhos não pode ser maior que o dever de protegê-los
Aliciamento virtual de crianças e adolescentes cresce na pandemia

Mobilização nacional contra pedofilia é cobrada em audiência

Isolamento social e imersão on-line de crianças e adolescentes na pandemia criaram condições para nova onda criminosa.

30/11/2021 - 20:10 - Atualizado em 01/12/2021 - 11:11

O isolamento social e a imersão on-line de crianças e adolescentes durante a pandemia criaram um terreno fértil para a ocorrência de abuso sexual de crianças e adolescente, os chamados crimes de pedofilia.

Embora ainda não existam estatísticas confiáveis que corroborem essa relação, essa foi a impressão unânime compartilhada na tarde desta terça-feira (30/11/21) pelos participantes de audiência pública da Comissão de Segurança Pública da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

Consulte o resultado e assista ao vídeo completo da reunião.

Na mesma linha, foi consenso entre os participantes que algumas medidas podem fazer frente à ameaça, como a mobilização e atuação integrada entre os órgãos do poder público e a sociedade civil e o reforço na conscientização tanto de jovens quanto dos seus familiares sobre os riscos.

E, claro, o aprimoramento dos mecanismos tecnológicos e legais de investigação e punição dos criminosos que vão permitir vencer essa guerra, ainda mais acirrada após o advento dos smartphones.

Requerimento

O debate atendeu a requerimento das deputadas Delegada Sheila (PSL), vice-presidenta da Comissão de Segurança Pública, que comandou a audiência, Celise Laviola (MDB) e Ione Pinheiro (DEM) e, ainda, do deputado Gustavo Mitre (PSC). Os quatro são integrantes da Frente Parlamentar Mista Juntos Contra a Pedofilia, criada em setembro de 2019.

Segundo Delegada Sheila, no âmbito policial, ainda faltam recursos humanos e materiais para fazer frente a essa grave ameaça. A frente parlamentar tem justamente o objetivo de reunir informações e pressionar os Poderes Executivos estadual e federal para superar essas dificuldades.

A parlamentar lembrou que os maiores avanços foram feitos entre 2008 e 2011, ao longo da CPI da Pedofilia realizada no Senado, que criou as condições necessárias tanto para o aumento das denúncias quanto para a atualização da legislação que permitiu a punição dos culpados. Segundo ela, uma mobilização semelhante precisa urgentemente ser reeditada.

“A internet e as redes sociais são sedutoras por natureza e, como estamos vivendo cada vez mais em um mundo sem limites, a corrida por views (visualizações) e curtidas podem levar a depressão e situações de risco, ameaçando nossas crianças”, alertou a deputada.

Para ilustrar esse dilema, a pedido dela foi exibido na audiência o clipe “Desconstrução”, do cantor Thiago Iorc sobre as desilusões de uma adolescente frente às expectativas impostas pelo mundo de relações cada vez mais virtuais.

Desdobramentos

Como desdobramento da audiência, o deputado Gustavo Mitre sugeriu ainda a criação de uma Semana Escolar de Combate à Pedofilia. “É um crime que depois que acontece marca a vítima para sempre”, lamentou. A deputada Celise Laviola sugeriu ainda que a frente parlamentar leve o tema à discussão da Confederação Parlamentar das Américas (Copa).

Os deputados Heli Grilo (PSL) e Sargento Rodrigues (PTB) também prestaram seu apoio à causa do combate à pedofilia. “Este é um tema que sempre vai merecer a atenção e o repúdio desta Casa. São situações repugnantes que acontecem muitas vezes próximas da gente, mas não conseguimos ver”, alertou Sargento Rodrigues.

CPI do Senado foi marco na mobilização da sociedade

A audiência reuniu dois dos mais reconhecidos especialistas mineiros no combate à pedofilia, ambos membros do Ministério Público (MP) Estadual. O promotor da Comarca de Divinópolis (Centro-Oeste) Carlos José e Silva Fortes auxiliou a CPI do Senado e, além de sua atuação profissional, percorre o Estado ministrando palestras educativas.

Já a promotora Vanessa Fusco Nogueira Simões, que hoje é a coordenadora do Gabinete de Segurança e Inteligência do MP, participou da instalação da Promotoria de Combate aos Crimes Cibernéticos, com grande atuação na investigação dos crimes de pedofilia ao longo dos últimos 13 anos.

Para o promotor, a CPI do Senado é, até hoje, o grande marco no combate aos crimes de pedofilia no Brasil, com avanços na legislação frente ao que já trazia o Código Penal e o Estatuto da Criança e do Adolescente. O maior deles foi a aprovação da Lei 11.829, de 2008, que intensificou o combate à pedofilia e criminalizou condutas como a aquisição e a posse de material pedófilo por meio da internet.

“Foi a CPI mais longa da história, quase três anos, e essa lei foi aprovada ainda durante a atuação dela. Foram elaborados 14 projetos de lei, que ainda rendem frutos. Um deles, que transforma pedofilia em crime hediondo, voltou a tramitar no último dia 18”, relatou. O projeto está pronto para ser votado no Plenário da Câmara dos Deputados após ser aprovado na Comissão de Constituição e Justiça.

“A internet é uma maravilha desde que usada com ética e responsabilidade. Nas minhas palestras, sempre lembro do dever de exercer o chamado poder familiar, e igualmente pelo pai e pela mãe. Vigiem seus filhos. O direito à privacidade deles não pode ser maior do que o dever de protegê-los”, afirmou Carlos Fortes.

Celulares

A promotora Vanessa Simões também lembrou o desafio de fiscalizar a rotina on-line das crianças e dos adolescentes que, cada vez mais cedo, têm acesso aos celulares. “Antes, o conselho era limitar o tempo on-line, mas com a pandemia, isso não foi mais possível”, lamentou.

Segundo ela, o avanço tecnológico incessante impõe, além do aprimoramento permanente da legislação, que as forças do Estado também atualizem suas ferramentas de atuação.

Segundo ela, existem páginas criminosas abertas com material pedófilo que não aparecem nos mecanismos de busca e só podem ser rastreadas por meio dos chamados cookies, pequenos arquivos criados por sites visitados e que são salvos no computador do usuário, por meio do navegador.

Há ainda a esteganografia, prática criminosa de esconder arquivos criminosos dentro de outro, insuspeito. 

“A pedofilia é um crime transnacional, no qual a vítima pode estar no Brasil, mas o abusador pode estar do outro lado do planeta. O conselho que eu dou à frente parlamentar é que ela precisa unir sua atuação aos grandes organismos internacionais de proteção das crianças”, afirmou Vanessa Simões.

Polícias Civil e Militar também atuam na detecção e repressão

A titular da Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente, delegada Renata Ribeiro Fagundes, lembrou que, diante da impossibilidade de instalação de um atendimento especializado em todas as cidades mineiras, a opção foi por capacitar os servidores de forma que os abusadores sejam efetivamente caçados e punidos.

“Antigamente, nossos pais nos ensinavam a não conversar com estranhos. Na internet, para crianças e adolescentes, esse ensinamento ainda é válido”, destaca a delegada. “Infelizmente, muitas pessoas ainda não sabem o que é e como acontece o crime de abuso sexual e por isso deixam de denunciar. Ficam pensando que precisam de muitas provas, mas, para a Polícia Civil, basta a palavra da vítima para que possamos começar a atuar”, disse Renata Fagundes.

O superintendente da Polícia Técnico-Científica da Polícia Civil, Thales Bittencourt de Barcelos, destacou o trabalho de implantação de um protocolo padronizado de atendimento no interior do Estado.

O subdiretor de Operações da Polícia Militar, tenente-coronel Breno de Souza Reis, lembrou que a corporação, embora não tenha um trabalho específico de combate à pedofilia, integra a rede de apoio ao bem-estar de crianças e adolescentes.

Ele lembrou os telefones a serem acionados em caso de denúncias: 190 (PM), 181 (Disque-Denúncia) e 100 (Disque Direitos Humanos).