Professores de várias cidades de Minas também participaram da reunião
O conselheiro do TCE disse que o ideal seria que os gestores tivessem criado carreiras e plano de cargos e salários
Professores cobram rateio do Fundeb para valorizar a categoria

Para TCE, Estado deve usar Fundeb para valorizar professor

Comissão ouve conselheiro, parlamentares e sindicalistas, que criticam postura dos governos estadual e municipais.

29/11/2021 - 21:09

Dos pontos de vista legal e técnico, é possível oferecer aos profissionais da educação alguma forma de valorização salarial, seja por meio de um reajuste ou de um abono, atendendo ao que prevê a nova lei do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). E isso sem desrespeitar a Lei Complementar (LC) 173, de 2020, que institui um regime fiscal provisório para enfrentar a pandemia de Covid-19.

Essa é a principal conclusão que se pode extrair da audiência pública que a Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) realizou nesta segunda-feira (29/11/21). A informação se baseia em posição já firmada pelo Tribunal de Contas de Minas Gerais (TCEMG), segundo o conselheiro do órgão, Cláudio Couto Terrão, que participou dessa reunião, solicitada pela deputada Beatriz Cerqueira (PT).

Consulte o resultado e assista ao vídeo completo da reunião.

Segundo o conselheiro, o TCE fez o cotejamento da Emenda Constitucional 108, de 2020, que prevê a aplicação de 70% do Fundeb na remuneração dos profissionais da educação, com a LC 173, de 2020. E o entendimento foi o de que deve prevalecer a política pública de Estado para a educação. “Cabe aos gestores públicos, tanto prefeitos quanto governadores, fazer cumprir a Emenda Constitucional 108, para que se estruture uma política de educação”, afirmou.

Cláudio Terrão reconheceu a dificuldade do momento da pandemia para os gestores, especialmente para planejar gastos e políticas públicas. Por outro lado, ressaltou que, uma vez não alcançado esse planejamento de ações, as administrações municipais e estadual devem optar pela valorização dos professores, por meio de reajuste salarial ou de abono.

Ele completa que o ideal seria que as gestões tivessem realizado esse planejamento, com propostas de reestruturação do setor, incluindo a realização de concursos, criação de carreira e de plano de cargos e salários. “Mas, para que os recursos (do Fundeb) não sejam subutilizados e o direito dos professores não seja restringido, é possível, sim, o pagamento do abono ou do reajuste; no entanto entendemos que essa é uma medida excepcional”, concluiu.

Falta de planejamento

Essa falta de planejamento por parte da maioria dos gestores municipais mineiros e do Governo do Estado foi enfatizada por Diego Rossi de Oliveira, economista do Dieese no Sindicato Único dos Profissionais da Educação de Minas (Sind-Ute/MG). Ele informou que os orçamentos municipais e estadual foram encaminhados para os respectivos Legislativos até setembro do ano passado.

E nessas peças, continua Diego Rossi, foi majoritária a previsão de que a arrecadação do Fundeb para 2021 seria maior que a do ano anterior: 73% dos municípios previam aumento nessa verba e, dos 834 orçamentos municipais com previsão do Fundeb, 26% esperavam crescimento de 15% e 76%, de 5%. “Todas essas prefeituras esperavam aumento na despesa com educação. Em média, se gastassem todo o Fundeb nessa área, 50% desses gastos estariam pagos”, reforçou.

O economista ainda apresentou um painel sobre a aplicação do mínimo de 70% do Fundeb por 786 municípios: 617 prefeituras não estão cumprindo essa determinação enquanto apenas 169 cumprem. Do total, 668 estão com mais de 10% do saldo do Fundeb sem aplicar, o que contraria a lei do Fundeb, que prevê esse percentual como limite máximo a ficar sem aplicação no mesmo ano de recebimento do recurso.

Em relação ao Estado, Diego Rossi destacou que os recurso do Fundeb não aplicados em 2021 somam R$ 1,5 bilhão. Mas o saldo da conta do fundo está em R$ 4,189 bilhões. Ele acrescentou que os recursos do Fundeb ainda vão para o caixa único do Estado, o que contraria a nova lei desse fundo. “No caixa único, o dinheiro está financiando outras áreas que não a da educação”, alertou.

“As falas do governador e da secretária (de Estado da Educação) não vão no sentido de valorizar esses profissionais; o último reajuste foi em 2016”, constatou. Ele considerou que o excesso de arrecadação sem a devida previsão de gastos por parte do Estado e da maioria dos municípios mineiros mostra a total falta de planejamento desses gestores.

Orçamento - Ele ainda detalhou que o Dieese procura avaliar a aplicação de recursos tomando como base os valores alocados em liquidação, diferentemente do governo, que enfatiza os valores empenhados. “Quando se empenha, você sinaliza que quer gastar, não que vai gastar. O valor empenhado fica alto e o executado, não. E no fim do exercício, a diferença vai para a conta ‘Restos a pagar’ e a despesa pode ser cancelada no ano seguinte”, explicou.

Receita do Fundeb estaria toda comprometida

Presentes à reunião, os dois representantes do Governo de Minas tentaram rebater as críticas. Fábio Rodrigo Assunção, subsecretário do Tesouro Estadual da Secretaria de Estado de Fazenda, apresentou outros dados sobre o Fundeb. Ele afirmou que, na conta do fundo, R$ 10,01 bilhões são receitas e R$ 8,5 bilhões, despesas, sobrando um saldo de R$ 1,5 bilhão.

Mas faltariam os pagamentos do quinto bimestre, o que reduziria o saldo para R$ 590 milhões. Com o pagamento do 13º salário e dos vencimentos de dezembro, os recursos seriam todos comprometidos. “A despesa está comprometida com o custeio e com a folha de pagamento até o fim do exercício. Mas vamos cumprir os 70% (previstos na lei do Fundeb) e o índice constitucional de 25% para a educação”, confirmou Fábio Assunção.

Ações

Já Evânio de Araújo Júnior, assessor da Subsecretaria de Administração da Secretaria de Estado de Educação (SEE), disse que o planejamento permeia o trabalho da pasta para que garanta o pagamento do mínimo constitucional de 25% na educação e dos recursos do Fundeb. Ele destacou algumas ações realizadas pela SEE que demonstrariam esse planejamento, como a destinação de R$ 380 milhões para a compra de computadores.

O gestor utilizou o exemplo dessa compra para tentar explicar o descasamento entre o empenho e a execução do pagamento. “Já empenhamos o valor a ser pago, mas leva-se um tempo para produzir os computadores e entregá-los ao Estado. Então, a execução só será lançada quando as máquinas chegaram às escolas e o pagamento for efetuado”, explanou. Sobre os “Restos a pagar”, Evânio disse que a preocupação da SEE é de mantê-los num limite razoável.

Parlamentares criticam Governo de Minas e prefeituras

Parlamentares das esferas federal, estadual e municipal fizeram coro nas críticas ao Governo de Minas, considerando que o Estado não prioriza o ensino em suas políticas. A deputada Beatriz Cerqueira denunciou que o governo tem criado programas na educação para utilizar recursos que seriam da área em questões alheias à valorização dos profissionais.

“O Mãos Dadas foi uma verdadeira farra. Em um município, começou-se a negociação em R$ 599 mil e ao final, o valor chegou a R$ 5 milhões”, indignou-se. Ela se referiu ao programa do Estado que oferece um valor a prefeituras que aceitem municipalizar escolas estaduais. Ela também disse que requereu a retirada do Fundeb do projeto Somar, que oferece incentivos à privatização de escolas.

Maranhão - O deputado Professor Cleiton (PSB) elogiou a atitude do governador do Maranhão, Flávio Dino, que, informado da boa situação financeira do Estado, optou por recompor o salário dos professores em vez de destinar recursos ao metrô de São Luís (MA). “Hoje, o salário dos professores no Maranhão é de R$ 6.500”, admirou-se.

Já o deputado federal Rogério Correia (PT-MG) listou todas as leis aprovadas em nível estadual e federal em prol dos professores e a própria decisão do TCE nesse sentido. E buscou deixar uma provocação aos presentes. “Precisamos fazer uma cobrança junto ao Governo do Estado para que cumpra essas leis”, defendeu ele, informando que se Minas cumprisse a Lei do Piso Nacional o salário dos professores ficaria em torno de R$ 3.200.

Vereadoras de vários municípios também reclamaram da postura de seus prefeitos, que estariam desviando verbas do Fundeb para aplicação em áreas distintas da educação.

Sindicalistas presentes condenaram a ausência na reunião da secretária de Estado de Educação, Júlia Sant’Anna. Denunciaram o sofrimento de professores especialmente no interior de Minas, muitos cozinhando em fogão a lenha por não terem um salário digno. No Estado, os professores não têm reajuste desde 2016.

Representação ao TCE - Ao final, a deputada Beatriz Cerqueira, o deputado federal Rogério Correia e a diretora estadual do SindUte-MG, Maria Mirtes de Paula, entregaram ao conselheiro Cláudio Terrão uma representação ao TCE. No documento, apelam ao órgão para que reprove as contas do governador pelo fato de o Executivo vir reiteradamente descumprindo várias leis de valorização da educação no Estado.