Cleonice Amorim de Paula defendeu educação antirracista para servidores públicos e mudanças nos cursos de Direito
Reunião debateu os significados do Dia da Consciência Negra para as mulheres negras

Debate no Dia da Consciência Negra destaca aumento da fome

Violência doméstica também foi tratada na reunião, que discutiu em especial a situação das mulheres negras.

22/11/2021 - 18:30

O aumento da insegurança alimentar entre moradores das periferias urbanas e da violência contra as mulheres durante a pandemia de Covid-19 foram alguns dos problemas que foram lembrados em audiência pública nesta segunda-feira (22/11/21). A reunião, realizada pela Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), foi para debater os significados do Dia da Consciência Negra para as mulheres negras.

Consulte o resultado e assista ao vídeo completo da reunião.

“Foram as mulheres da comunidade que se juntaram para fazer máscaras de proteção e distribuir no início da pandemia. Mas como a situação se delongou, vieram problemas até mais graves, veio a fome. E foram de novo as mulheres que se organizaram para arrecadar e distribuir cestas básicas”, disse Iara Lopes, líder comunitária e coordenadora do Centro de Vivência Agro-ecológico do Taquaril. Segundo ela, esse grupo de mulheres atende hoje 300 famílias em situação de insegurança alimentar.

Também Denise de Castro, presidenta da Associação Habitacional 8 de Março do Barreiro e Adjacências, falou sobre o aumento da fome entre as famílias da periferia, em especial aquelas monoparentais, com apenas mulheres sustentando as casas. Segundo ela, o problema tem levado ao aumento de suicídios entre as mulheres nos últimos meses, já que elas nem sempre conseguem ajuda material e psicológica para lidar com as dificuldades.

A situação daquelas mulheres negras e periféricas que têm um companheiro nem sempre é melhor, como lembrou Denise de Castro. Nesses casos, a violência doméstica muitas vezes é o problema, segundo a convidada, que relatou a experiência de uma mulher atendida pela associação que ela representa, agredida pelo companheiro com fios elétricos, que deixaram marcas por todo o seu corpo.

Em coro com as participantes, a deputada Ana Paula Siqueira (Rede), autora do requerimento que deu origem à audiência, citou estatísticas que apontam que a população negra foi a que mais sofreu com a violência urbana e com o aumento da fome durante a pandemia. Ainda, as mulheres negras são mais vítimas de violência doméstica, crime que aumentou durante a crise sanitária.

Quilombos

Outra demanda apresentada na reunião foi a respeito das comunidades quilombolas, que têm sido ameaçadas por empreendimentos de infraestrutura e de atividades econômicas como a mineração nas proximidades dos seus territórios em várias regiões do Estado.

Segundo a presidenta da Federação das Comunidades Quilombolas de Minas Gerais, Edna Correia de Oliveira, alguns desses empreendimentos são aprovados sem qualquer consulta aos quilombolas. “É nessas terras que fazemos a manutenção da nossa ancestralidade, da nossa cultura, da nossa religião. O Estado precisa respeitar a nossa história”, clamou.

Representatividade e fortalecimento da identidade negra também mobilizaram as participantes

As tentativas de apagamento da identidade física das mulheres negras, que têm seus traços desvalorizados e são instadas a se encaixar em padrões brancos de beleza, também foi tema de algumas das participações. A presidenta do Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial, Valdinalva Barbosa Caldas, citou denúncias de que mulheres têm sido impedidas de usar fotos com os cabelos crespos soltos em documentos de identidade.

Cleonice Amorim de Paula, membro da Comissão de Heteroidentificação dos Candidatos às Vagas Destinadas a Negros e Pardos no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), defendeu uma educação antirracista no serviço público.

Ela também falou dos cursos de Direito, que precisam ter disciplinas que contemplem o caráter discriminatório da legislação historicamente utilizada no País. "Agora sabemos o que é racismo estrutural, antes não tinhamos nem nome para o que vivíamos todos os dias", disse Cleonice.

Representatividade

Muitas das convidadas também falaram da importância da representatividade, ou seja, da presença de mulheres negras em posições de destaque – seja no poder político, nos produtos culturais ou em profissões valorizadas. Só assim, para elas, é possível garantir que as crianças consigam se identificar com as pessoas que admiram e seguir caminhos que as levem também a posições de destaque.

Foram muitos os relatos na reunião sobre as dificuldades enfrentadas pelas convidadas para chegarem a esses espaços e até para conseguirem estudar e serem respeitadas em seus trabalhos. A cuidadora de idosos Eliângela Carlos Lopes, por exemplo, contou que uma empresa que agencia esse serviço enviou, em 2019, uma nota para grupo de profissionais em aplicativo de troca de mensagens na qual revelava a diretriz de não contratar mulheres negras nem gordas. O caso ainda está na Justiça. 

Ana Paula Siqueira lembrou que a atual legislatura é a primeira da história da ALMG em que mulheres negras foram eleitas. Ela agradeceu a oportunidade de ser uma dessas muheres e se comprometeu com o fortalecimento de outras candidaturas com o mesmo perfil em eleições futuras.

Políticas públicas devem considerar interseção entre gênero e raça, diz representante do Executivo

Como representante do Poder Executivo, Julye Beserra, servidora da Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedese), destacou o Plano Decenal de Políticas para Mulheres de Minas Gerais, publicado em 2018. Segundo ela, em vários dos eixos de trabalho propostos no plano, a interseção entre gênero e raça está presente.

Assim, ao tratar dos direitos reprodutivos, por exemplo, o documento aponta que a mortalidade materna no parto é maior entre as mulheres pretas e pardas; enquanto ao tratar da violência doméstica ele indica o aumento de feminicídios entre mulheres pretas e pardas enquanto entre as brancas esse número tem caído.

Por outro lado, no eixo que trata de participação política, apenas o gênero é considerado, sem levar em conta que as mulheres negras têm mais dificuldades de chegar a esses cargos do que as brancas. Assim, Julye Beserra defendeu a melhoria no plano.