Para os participantes, a homenagem a criminosos do passado traz sofrimento aos povos perseguidos
Diva Moreira fez retrospectiva da origem do racismo no Brasil
Proposta de proibir homenagens a pessoas escravagistas recebe apoio

Ativistas defendem proibição de homenagens a racistas

Em reunião, eles apoiaram PL que veta que estabelecimentos públicos tenham nomes de pessoas ligadas à escravidão.

19/11/2021 - 19:44

Na véspera do Dia da Consciência Negra, deputadas, historiadores e ativistas defenderam a proibição de se denominar os próprios públicos (vias, prédios, monumentos ou qualquer obra pública) em homenagem a pessoas relacionadas à escravidão e participantes do movimento nacional eugenista, que pregava a segregação dos negros e o “embranquecimento da raça brasileira”. O assunto foi debatido nesta sexta-feira (19/11/21) pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

Consulte o resultado e assista ao vídeo completo da reunião.

A proibição está contida no Projeto de Lei (PL) 2.129/20, das deputadas Ana Paula Siqueira (Rede), Leninha (PT) e da presidenta da comissão, Andréia de Jesus (Psol), que tramita em 1º turno na Assembleia. A proposição já recebeu pareceres favoráveis das Comissões de Constituição e Justiça e de Direitos Humanos, que apresentaram propostas de mudança.

Originalmente o PL 2.129/20 proíbe as homenagens por meio de qualquer tipo de expressão a todos os órgãos da administração direta e indireta. Determina, ainda, que as pessoas jurídicas de direito privado que se utilizam de qualquer sinal ligado à escravidão ou ao movimento eugenista providenciem a mudança em até seis meses. Por fim, dispõe que a Junta Comercial se recusará a registrar marcas que façam alusão aos períodos vetados.

Os pareceres mudaram o conteúdo e passam a alterar a Lei nº 13.408, de 1999, que dispõe sobre a denominação de estabelecimento, instituição e próprio público do Estado. O novo texto proposto pelas comissões insere na referida norma a proibição das homenagens a pessoas que tenham participado de ato de lesa-humanidade, tortura ou violação de direitos humanos; praticado crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional; integrado o movimento eugenista brasileiro; ou tido participação notória e histórica no tráfico de negros e indígenas, na propriedade ou posse de pessoas escravizadas ou na defesa e legitimação da escravidão em geral.

Resgate histórico

Uma das autoras do projeto, a deputada Andréia de Jesus lamentou que ainda haja muitos monumentos em Minas Gerais com nomes de criminosos racistas, que “escancaram um passado sangrento”. Ela citou o exemplo da estátua de Borba Gato, em Sabará, um bandeirante que caçou e escravizou indígenas; e da Escola Estadual César Lombroso, em Ribeirão das Neves, ambos municípios da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), que exulta o cientista italiano defensor da teoria do criminoso nato, que seria identificado por suas características físicas e deveria ser separado da sociedade já no nascimento. “Não por acaso não tinha traços europeus”, acusou.

O coordenador da Especialização em Conservação e Gestão do Patrimônio Cultural da PUC-Minas, Raul Amaro de Oliveira Lanari, considerou o projeto muito adequado porque essas homenagens causam sofrimento a quem transita pelas ruas.

“Foram (os homenageados) criminosos que se aproveitaram de corpos de pessoas negras”. Segundo ele, a proposição abre caminho para problematizar as políticas de patrimônio cultural brasileiro que foram construídas sob o ponto de vista do colonizador.

Segundo o historiador, o Instituto Histórico Brasileiro defendia que o Brasil era civilizado por ter sido colonizado por Portugal. A ideia permaneceu durante o período imperial e ainda está presente nos patrimônios, que exibem a estética europeia. “Apenas 1% dos monumentos tombados em nível federal fazem referência às culturas afrodescendentes”.

Em sua opinião, a nomeação de logradouros públicos é fundamental para autoestima dos povos perseguidos e para o cumprimento de dever de memória: “de lembrar para que isso nunca mais aconteça”.

Ativista de Movimentos de Ressurgência e Retomadas de Povos Originários da Rede de Mulheres Puri, Soraia Feliciana Mêrces considerou que ainda hoje se vive um processo de perseguição e dispersão de povos por raça, cor ou etnias. “Importante um projeto para nos dizer o óbvio: de que não convém homenagear escravocrata ou eugenista”.

Avanço

A deputada Leninha, também uma das autoras do projeto, considerou um avanço a aprovação, pelo Senado, de projeto que passa a tratar injúria racial como crime inafiançável e imprescritível, mas lamentou que tem percebido o crescimento de muitas práticas racistas no Estado.

Também ressaltou que embora os negros representem 56% da população brasileira, ainda são minoria nos espaços de decisões políticas. “Temos compromissos com as vidas que nos antecederam e com as que virão. É uma luta de todos nós”, afirmou.

Racismo estrutural

A cientista política e ativista do Movimento Negro, Diva Moreira, fez uma retrospectiva da história brasileira para mostrar como foi se estruturando o racismo, responsável, ainda hoje, pela situação de desigualdade e opressão sobre essa população. Ela lembrou que dos 521 anos do Brasil, mais de 350 foram de escravização dos negros e 133 de um sistemático racismo.

A especialista disse que desde que se começou a discutir a redução do trabalho escravo, a premissa era acabar com os negros e construir uma “nação europeia nos trópicos”. O pensamento permaneceu durante a República, que priorizou a imigração para a substituição da mão de obra negra.

Chamou atenção para os símbolos que passaram a identificar a nova pátria, a partir do nome República dos Estados Unidos do Brasil, que perdurou até 1968, ao hino francês Marselhesa para representar o novo regime, também simbolizado, ainda hoje em notas de reais, com a face de Marianne, símbolo da Revolução Francesa.

Por muito tempo a cultura europeia, sobretudo da França, ocupou os espaços de escolas e de culturas ao mesmo tempo em que os negros e indígenas eram segregados. “Nosso povo só pôde votar em 1985, quando os analfabetos obtiveram esse direito”.

Diva Moreira advertiu para o aumento da população carcerária negra a partir de 2016, em contraponto à redução do encarceramento de jovens brancos. “Nunca fomos protegidos pelo guarda chuva da democracia. A lei não é para todos”, lamentou.