Escola indígena deve começar a funcionar em setembro
Anúncio foi feito em visita da Comissão de Educação da ALMG à aldeia Katuramã, em São Joaquim de Bicas, na RMBH.
20/08/2021 - 19:08Sem água potável, sem energia elétrica, sem segurança e, se continuarem sem o direito à educação, sem futuro. Mas ao menos uma esperança surgiu nesta sexta-feira (20/9/21) na trajetória das cerca de 20 famílias da aldeia indígena Katuramã, das etnias Pataxó e Pataxó Hã-Hã-Hãe, em São Joaquim de Bicas (Região Metropolitana de Belo Horizonte).
Uma escola indígena deve começar finalmente a funcionar no local em meados de setembro, conforme promessa feita por representantes da Secretaria de Estado de Educação durante uma visita técnica da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
A presidenta da Comissão de Educação, deputada Beatriz Cerqueira (PT), conheceu a estrutura em formato de oca onde vai funcionar uma sala de aula. O espaço ainda improvisado, com poucas condições para receber os alunos, foi erguido com a ajuda de parceiros.
“Saímos dessa visita técnica com um calendário combinado do início das atividades da escola, a contratação de professores indígenas e o apoio do Estado para garantir a estrutura mínima necessária para o início do funcionamento”, comemorou a deputada.
“Tudo o que eles têm hoje foi construído por uma rede de solidariedade e o Estado precisa investir para que crianças e adolescentes tenham efetivamente o direito à educação, que é garantido na Constituição Federal”, acrescentou Beatriz Cerqueira, autora do requerimento que possibilitou a visita.
“Viemos aqui para escutar a realidade do cotidiano deles e fazer a mediação daquilo que eles precisam, como ter a escola indígena, com a devida valorização da cultura e o respeito ao modo de vida deles. E não vamos descansar enquanto tudo não for resolvido. Assumo o compromisso de fazer o acompanhamento e a defesa dessa importante aldeia”, destacou.
Por lei, o Estado deve respeitar a matriz curricular própria dos povos indígenas, contratar professores das próprias aldeias e os jovens também têm o direito de estudar na própria comunidade. Na aldeia Katuramã, o levantamento inicial apontou 23 crianças e adolescentes a serem atendidos.
SRE - A titular da Superintendência Regional de Ensino (SRE) Metroplitana B, responsável pela área, Kátia Canguçu, acompanhou a visita e disse que a matrícula dos estudantes está garantida. A unidade local funcionará inicialmente como um anexo de uma escola estadual da região. “Aí poderemos contratar imediatamente os três professores que eles já nos indicaram para o ensino fundamental e para o ensino médio”, explicou.
“Esses profissionais vão entregar a documentação pedida e começarão a trabalhar logo depois do feriado de 7 de setembro. Já fizemos o inventário do que eles precisam pra dar aula e até para fazer a merenda escolar. Paralelamente, vamos levar à direção da Secretaria de Estado da Educação o pleito deles para que a escola seja uma unidade independente, com um nome indígena, caixa escolar e tudo mais que eles precisam”, completou Kátia Canguçu.
Aldeia no rastro de destruição da barragem da Vale
As famílias da aldeia Katuramã foram diretamente afetadas pelo rompimento da barragem da Vale em Brumadinho (RMBH), em janeiro de 2019. Eles viviam às margens do Rio Paraopeba, mas o local foi coberto pela lama da mineração.
As famílias migraram então para o bairro Jardim Vitória, na Capital, onde enfrentaram graves problemas para a sobrevivência. Entre eles, fome, preconceito e até alguns casos de Covid-19. A nova aldeia foi instalada, então, em São Joaquim de Bicas, no local conhecido como Mata Japonesa, no Bairro Vale do Sol, após receberam a doação de parte do terreno.
Mas ainda falta muito para a vida na aldeia retomar a normalidade, sobretudo mais atenção do poder público. Os indígenas, que vivem em barracas de lona, sobrevivendo de doações e da venda de artesanato, ainda precisam de acesso a água potável, energia elétrica e ao pagamento de verbas emergenciais. Isso sem contar com a garantia de mais segurança, já que a aldeia vive sob a constante ameaça de grileiros, que chegaram a lotear parte da Mata do Japonês e a vender terrenos que não possuíam.
São quase 40 hectares, que pertenciam à Associação Mineira de Cultura Nipo-Brasileira (AMCNB). A entidade doou 70% da área, que é de proteção ambiental, e a expectativa é de que os outros 30% sejam ainda custeados com uma indenização coletiva que viria da Vale.
Tristeza – A Cacica Angohó ainda lembra com tristeza do dia 25 de janeiro de 2019, quando o rompimento da barragem da Vale mudou para sempre o cotidiano da aldeia. “Meu povo foi protagonista dessa história triste. Nossa comunidade foi brutalmente atingida e, como filhos do deus da água, todos choramos até hoje por esse crime”, afirmou.
“Para meu povo, a educação é sagrada igual à água, pois representa o resgate da nossa cultura, da nossa língua. E são três anos que nossas crianças estão sem escola. Estamos recomeçando do zero e a primeira coisa que decidimos fazer foi reeguer a nossa escola”, completou o cacique.
Para Beatriz Cerqueira, cabe à ALMG não deixar que os indígenas continuem entregues à própria sorte. “Ouvimos várias demandas relacionadas à violação de direitos humanos, como o fornecimento de água potável, o que é muito grave, e os órgãos competentes precisam ser cobrados. Vamos cobrar também da Cemig que eles tenham direito à energia elétrica e das autoridades de segurança pública para que os protejam das ameaças que têm sido feitas por grileiros”, confirmou.
Em julho último, a Comissão de Direitos Humanos da ALMG também já havia visitado a aldeia e constatado as dificuldades enfrentadas pelos indígenas. Na ocasião, os deputados foram ainda à aldeia Naô Xohã (ou “espírito guerreiro”), distante alguns quilômetros.
Lá, os indígenas não tiveram que abandonar suas terras, mas a água do Rio Paraopeba já não pode mais ser utilizada como antes para manter o modo de vida da tribo, afetando a pesca e a agricultura. Como na Aldeia Katuramã, também falta energia elétrica para armazenar medicamentos e abrir o posto de saúde durante a noite, mas ao menos a escola ainda funcionava de maneira precária.
IBGE - No último censo do Instituto Brasileiro de Economia e Estatística (IBGE), em 2010, havia 817.693 indígenas no Brasil, dos quais 502.783 vivem no meio rural e 315.180 no meio urbano. Em Minas Gerais, de acordo com o Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva, há 13 etnias, pertencentes ao tronco lingüístico Macro-Jê, com cerca de 15 mil indivíduos aldeados.