Fausto Júnior, do Dieese, considerou  a PEC 32/20 um retrocesso em vários aspectos
Israel de Moura (na tela) pontuou que é preciso desfazer mitos, como o de que a reforma combateria privilégios
Deputados enalteceram o trabalho de servidores públicos
Cidadãos serão os mais prejudicados com a reforma administrativa, dizem especialistas

Reforma federal prejudica servidor e precariza serviços

Em reunião nesta sexta (13), sindicalistas e parlamentares criticaram PEC 32/20 e defenderam greve geral no dia 18/8.

13/08/2021 - 21:08

Entidades que representam servidores públicos e parlamentares criticaram a reforma administrativa proposta pelo governo federal. Para todos eles, a Proposta de Emenda à Constituição Federal (PEC) 32/20, que contém o projeto da reforma, vai retirar direitos dos servidores e sucatear o serviço público prestado à população brasileira.

Como forma de impedir a aprovação da reforma, a maioria defendeu a participação dos servidores de todas as esferas – federal, estaduais e municipais - na greve geral da categoria, que contará com ato no dia 18 de agosto, na Praça Afonso Arinos, em Belo Horizonte, às 17 horas.

O encontro realizado nesta sexta-feira (13/8/21) pela Comissão de Administração Pública cumpriu dois papéis. Na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), contou como uma audiência pública, solicitada pela deputada Beatriz Cerqueira (PT); e na Câmara dos Deputados, equivaleu a um seminário estadual realizado pela Comissão Especial que analisa a PEC 32.

Consulte o resultado e assista ao vídeo completo da reunião.

Reforma de Estado - Abrindo as explanações, o diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Fausto Augusto Júnior, fez um resumo da reforma e seus impactos na vida dos servidores e da população. Na sua avaliação, a PEC não é apenas uma reforma administrativa, e sim, uma reforma de Estado. “Altera-se a relação do Estado com a iniciativa privada, transferindo para esta a execução de direitos sociais dos brasileiros, por meio do artigo 37-A”, detalhou.

Fausto Júnior acrescentou que a PEC quebra também a harmonia entre os Poderes, abrindo a possibilidade de o Executivo, discricionariamente, mudar as estruturas do Estado sem qualquer interferência do Legislativo ou do Judiciário.

Quanto aos servidores, a proposta acaba com a estabilidade e com o regime jurídico único. “São esses dois instrumentos que garantem que não haja interferência política na administração”, alertou. A principal mudança nesse aspecto, de acordo com o especialista, seria a substituição do conceito de função pública pelo conceito de vínculo empregatício. “São criados cinco tipos de vínculos, dos quais três são precários, trazendo para o Estado o conceito de rotatividade”, explica.

Vínculos precários - Conforme o diretor do Dieese, os vínculos serão: a seleção simplificada, que permitirá contratos temporários na administração pública; contrato de experiência (que não se confunde com o estágio probatório); assessoria, que será ampliada chegando a mais de 50 mil cargos à disposição do Executivo; cargos de contratação por tempo indeterminado; e, por último, as carreiras típicas do Estado, as únicas que manterão sua estabilidade.

Fausto Júnior procurou desmascarar a fala do governo de que as novas regras só valeriam para os novos servidores. Um dos exemplos dados foi que a alteração de função pública para vínculo acabaria com a paridade dos vencimentos dos aposentados com os da ativa. Além disso, o novo vínculo vai fazer com que os servidores migrem para o regime geral de previdência, gerando desequilíbrio financeiro nos regimes próprios. E ao final, os atuais servidores poderão ter que bancar contribuições mais altas, impedindo a insolvência desses regimes.

Por fim, o especialista do Dieese expôs as vedações impostas pela PEC 32, como a proibição de férias de mais de 30 dias. A eliminação de quinquênios, férias-prêmio e outros benefícios baseados no tempo de serviço também está no script. E, ainda, as promoções na carreira serão também proibidas.

Seminário - Membro da Comissão Especial que analisa a PEC, o deputado Rogério Correia (PT-MG) disse que, na ALMG, estava sendo realizado o segundo seminário para tratar da reforma administrativa. O primeiro ocorreu no Rio Grande do Sul e outros dois aconteceriam no Rio de Janeiro e em São Paulo, nos dias 18 e 25 de agosto.

Ele esclareceu que a Comissão de Constituição e Justiça já havia concluído pela legalidade da proposta e que a sinalização do presidente da Casa é para que, até o início de setembro, a matéria seja votada em dois turnos. “Temos um prazo curto – só do mês de agosto – para discutirmos essa PEC; como ela está, vai retirar muitos direitos e desmanchar o serviço público no País”, advertiu.

Rogério Correia apresentou alguns números do serviço público brasileiro, mostrando que, do total de 10,3 milhões de servidores públicos, 55% são municipais, 28% estaduais, 9% federais e 8% estatais. Esse número de servidores representa 12,5% do total de trabalhadores no País, enquanto esse percentual é de 21,1% em média para os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Entidades sindicais apoiam greve geral e “Fora Bolsonaro”

Foi comum nas intervenções das entidades sindicais a constatação de que a reforma representa a precarização do trabalho do servidor e o desmonte do serviço público brasileiro, com consequências nefastas para o atendimento à população, especialmente a mais pobre.

Para Israel de Moura, presidente do Sindicato dos Servidores e Empregados Públicos de Belo Horizonte (Sindibel), é necessário desfazer mitos propagados pelo governo, como o de que a reforma combateria privilégios. “Ela não está mexendo com a carreira de quem ganha 50 mil ou tem auxílio-paletó, e sim, com quem está na linha de frente, que recebe baixos salários”, ponderou.

Ele exemplificou com a remuneração do técnico de enfermagem da PBH, que recebe apenas R$ 980 para uma jornada de 30 horas. “Mais de 50% dos servidores do Brasil são municipais, que tem renda abaixo de 4 salários mínimos. São principalmente esses servidores que serão atingidos pela PEC”, criticou.

Já Maria do Rosário Oliveira, diretora de Articulação Nacional do Sindicato Nacional dos Técnicos de Nível Superior das Instituições Federais de Ensino Superior, lembrou dos efeitos nocivos da PEC dentro das universidades. “Teremos redução de servidores públicos, que poderão ser substituídos por empregados de cooperativas ou de empresas terceirizadas. Sem novos concursos, não teremos mais servidores efetivos, o que dificultará o custeio das aposentadorias”, adiantou.

Marconi Soares , diretor do Sindicato dos Médicos de Minas Gerais, ressalvou que a categoria defende que uma reforma administrativa é possível, mas não a atual proposta. “A PEC 32 não apresenta nenhum dispositivo para melhorar o serviço público. São vários ataques à categoria. É um retrocesso civilizatório, com ideologia próxima da lei da chibata”, comparou.

Sobre os médicos, ele destacou que a PEC promovia a fragilização do vínculo, perdas remuneratórias e risco para a aposentadoria. “Essa fragilização do SUS coincide com a valorização de grupos privados de saúde”, denunciou.

Outro ponto criticado foi a ampliação da atuação da iniciativa privada nos serviços públicos: “A experiência brasileira na saúde com organizações sociais (OSs) não é boa. Vemos atrasos de salários, que são muito baixos, e uma tendêcia à judicialização”.

Desmonte ambiental - Além de criticar a PEC 32, Regina Assunção, presidente do Sindicato dos Servidores Públicos do Meio Ambiente (Sindsema), revelou sua postura contrária ao desmonte da legislação ambiental e à militarização do meio ambiente. “É muito importante mostrar à população que a degradação do meio ambiente pode ser irreversível”, alertou.

Vanessa Portugal, diretora do Sindicato dos Trabalhadores em Educação da Rede Pública Municipal, considerou importante destacar a unidade dos servidores públicos em todas as esferas na perspectiva de derrotar o governo Bolsonaro. “É preciso pôr para fora não só a PEC, mas todos os projetos que vêm deste governo. Temos que travar o Congresso”, propôs ela, conclamando a participação no ato do dia 18.

Também participaram da reunião, repudiando a PEC 32, os deputados federais Reginaldo Lopes e Odair Cunha, ambos do PT mineiro. 

Heróis - Presente à reunião, o presidente da Assembleia, deputado Agostinho Patrus (PV), afirmou ter a honra de participar da audiência em defesa dos servidores, que, durante a pandemia, foram verdadeiros heróis. “Fico pensando nas pessoas que tanto criticaram os servidores no passado e, hoje, tiram foto com trabalhadores do SUS. Elas tiveram que repensar suas posições, diante da morte de milhares e milhares de brasileiros com a pandemia”, refletiu.

Nesse sentido, Agostinho Patrus defendeu que o trabalho dedicado dos servidores públicos seja reconhecido. Por fim, parabenizou Rogério Correia e Beatriz Cerqueira pela audiência e sua luta constante em prol da categoria. “Que essa reunião se some à luta no Congresso para que a reforma administrativa represente não a retirada de direitos, mas sua ampliação”, concluiu.

Vacinas - Em meio às dificuldades apontadas na audiência, a deputada Beatriz Cerqueira fez questão de exaltar uma boa notícia. Ela divulgou que R$ 30 milhões, parte dos recursos do acordo do governo com a Vale, seriam destinados às pesquisas da vacina da UFMG contra a Covid-19. “Quem está fazendo este trabalho? São servidores públicos. É o serviço público que está nos salvando. E esta PEC está completamente na contramão dessa constatação”, disse ela.