Pesquisadores defendem Estatuto do Desarmamento em reunião
Decretos presidenciais que facilitam posse de armas são criticados, em especial nas mudanças em avaliações psicológicas.
19/05/2021 - 19:40Dados de estudos que demonstram a efetividade do Estatuto do Desarmamento na redução do número de homicídios no País e os perigos da facilitação da posse de armas foram apresentados em audiência pública nesta quarta-feira (19/5/21).
Durante a reunião, realizada pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), a deputada Andréia de Jesus (Psol), que requereu o debate sobre o tema, se comprometeu a atuar, em Minas Gerais, para reforçar o conhecimento da população sobre o assunto e a manutenção do Estatuto do Desarmamento.
Consulte o resultado e assista ao vídeo completo da reunião.
Motivada por decretos do presidente Jair Bolsonaro que flexibilizam e facilitam a posse de armas, a reunião teve a participação de pesquisadores da área de segurança pública e psicólogos. Estes trataram em especial das avaliações de aptidão para que a licença de posse seja garantida, que foram também alteradas pelos decretos. Todos os convidados se posicionaram contrariamente às flexibilizações e disseram que não há nenhum critério científico que valide essa estratégia como boa do ponto de vista da redução da violência no País.
Quanto mais armas, mais homicídios, explicou especialista
Robson Sávio Souza, presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, afirmou que todos os estudos consistentes apontam que a maior regulação sobre a posse de armas implica em redução de homicídios. Ele lembrou que o Brasil, que tem cerca de 3% da população mundial, é o palco de aproximadamente 10% dos homicídios do mundo e que esse cenário pode piorar com o aumento do número de armas de fogo em circulação.
“Um por cento menos armas em circulação significa 10% a menos de homicídios”, afirmou Robson Souza. Ele exemplificou com uma pesquisa realizada no estado de São Paulo, que aponta queda de 10 mil para menos de 4 mil no número de homicídios anuais, nos anos posteriores à entrada em vigor do Estatuto do Desarmamento.
Outro estudo citado por ele é o que indica que tentar se defender de um assalto com uma arma de fogo aumenta em 180 vezes a chance de ser assassinado. “Isso por si só desmonta a ideia de que ter arma é fator de proteção. Essas armas vão ser roubadas, vão chegar às redes ilegais e é possível que seus donos originais sejam mortos nesse processo”, afirmou. Ele falou, ainda, do impacto na saúde pública, já que aqueles que conseguem sobreviver a um ataque com armas de fogo tendem a ficar muito machucados e, frequentemente, carregarem sequelas pelo resto da vida.
A demanda de certos setores da população por mais armas, porém, precisa ser ouvida, como defendeu Nádia Carvalho, secretária geral da Comissão de Direitos Humanos da OAB/MG. Deve, porém, ser ouvida pelo Estado como um sinal da insatisfação desses setores com a provisão de segurança pública e, assim, é necessário responder com políticas de emprego, educação, redução de desigualdades e prevenção criminal, como defendeu a advogada.
Desigualdades - Já José Luiz Quadros, professor da PUC/MG e presidente da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Belo Horizonte, ressaltou que o momento atual, no qual os ânimos estão exaltados e o ódio tem se infiltrado nas relações sociais, não é adequado para se discutir a facilitação de acesso a armas. Ele disse, ainda, que a única forma de mudar o quadro de violência no Brasil é transformar as estruturas sociais, econômicas e simbólicas que o sustentam.
O membro do Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais (CRP/MG) Reinaldo da Silva Júnior lembrou do conceito de necropolítica. Entre outras coisas, o conceito trata de um tipo de política construída sobre o dualismo entre o bem e o mal que se dá na correlação de forças das classes sociais. Assim, o mal é associado com costumes, músicas, roupas, aparências da classe que está na base da pirâmide e, contra ele, deve se investir com violência.
Assim, armar a população seria sinônimo de voltá-la contra alguns grupos, notadamente os mais pobres, que tendem a ser desumanizados ao serem representados como a personificação do mal. “Dizer que mais pessoas armadas levariam a mais segurança é o mesmo que dizer que o Velho Oeste era um oásis de segurança”, completou. Ele, por fim, ressaltou que ter armas nunca foi proibido no Brasil, e sim regulamentado.
Psicólogos criticam mudanças na avaliação para posse de armas
Alguns pontos da facilitação do acesso a armas promovida pelos decretos presidenciais dizem respeito especificamente à avaliação psicológica dos interessados em ter a licença de posse. Durante a reunião, tanto representantes do Conselho Federal quanto do Conselho Regional de Psicologia (CRP) se posicionaram contrariamente a essas mudanças.
Conforme explicaram os presentes, a avaliação permite acessar aspectos cognitivos e comportamentais que ajudam a entender se há riscos para si ou para outros se aquele indivíduo possuir uma arma de fogo.
Uma das alterações que sofreu críticas é a ampliação de cinco para dez anos do prazo para o licenciado se submeter a nova avaliação. Elza Lobosque, da Comissão de Avaliação Psicológica do CRP, lembrou que o prazo de cinco anos foi estipulado depois de uma série de estudos científicos e que a sua ampliação não tem nenhum embasamento técnico.
Outro ponto foi o de retirar a necessidade de que o psicólogo avaliador seja cadastrado na Polícia Federal e no Conselho de Psicologia. Akauito Elcino Teixeira, especialista em Avaliação Psicológica pela PUC/MG, destacou que essa mudança compromete a garantia de independência e capacidade técnica do psicólogo responsável.
Ao fim da reunião, a deputada Andréia de Jesus lembrou dos riscos que a disseminação de armas representa, em especial para mulheres e crianças, frequentemente vitimadas em suas próprias casas. Tal situação tende a ser fatal quando há arma de fogo envolvida.