Para participantes da reunião, o empreendimento vai trazer danos sociais e ambientais aos 13 municípios da RMBH que serão cortados pela intervenção
Segundo Euler Cruz, a documentação apresentada pelo governo não responde questões básicas sobre a obra
Entidades dizem que rodoanel, na RMBH, vai trazer impactos negativos nas áreas ambiental e social

Comunidades querem suspensão de rodoanel na RMBH

Em audiência pública, representantes de movimentos sociais apontam deficiências e riscos de projeto do governo estadual.

04/05/2021 - 21:00

Representantes de movimentos sociais, parlamentares de oposição e profissionais das áreas de engenharia, geologia e arquitetura querem a suspensão do processo de construção do Rodoanel de Belo Horizonte, apresentado pelo Governo de Minas e cujas obras estão previstas para iniciar em 2023. Eles participaram de audiência da Comissão de Administração Pública da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), nesta terça-feira (4/5/21).

Por unanimidade, todos os convidados da reunião apontaram deficiências no plano do governo e denunciaram que o empreendimento vai trazer danos sociais e ambientais aos 13 municípios da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) que serão cortados pela intervenção.

Consulte o resultado e assista ao vídeo completo da reunião.

O coordenador do Centro de Apoio Operacional do Meio Ambiente (Caoma) do Ministério Público, Carlos Eduardo Pinto, afirmou que o órgão já recebeu diversas representações contra o projeto. Segundo ele, o MP está atento aos impactos que a obra possa provocar não só no meio ambiente natural, como também cultural, urbanístico e socioeconômico.

A obra está orçada em R$ 4,5 bilhões, dos quais R$ 3,5 bilhões serão custeados pela mineradora Vale, como previsto no acordo com o Poder Executivo para compensação dos danos causados pelo rompimento da Barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho (RMBH). Os recursos faltantes devem ser cobertos por pedágios que serão instalados no anel e cobrados pela futura concessionária.

O empreendimento foi apelidado de “rodominério” pelos participantes da audiência, por considerarem que vai beneficiar apenas a própria mineradora. “A gente sabe que essa rota do rodoanel é para circular o próprio minério a ser exportado”, afirmou o deputado federal Rogério Correia (PT/MG).

Seu colega de partido, o deputado federal Padre João lembrou que a obra, em seus 100 quilômetros de extensão, prevê acessos apenas a cada cerca de oito quilômetros, dividindo bairros, municípios e inviabilizando o tráfego para os cidadãos. 

“Vão usar recurso de um crime ambiental para gerar outro crime ambiental”, protestou a vereadora de Belo Horizonte Duda Salabert (PDT). A obra, de acordo com a vereadora, vai gerar problemas socioambientais incalculáveis para os municípios atingidos. Duda anunciou que já está sendo criada uma rede intermunicipal entre os vereadores da região para defender as nascentes que podem ser atingidas pelo empreendimento.

Risco de desabastecimento e aprofundamento da desigualdade 

Integrante do Movimento SOS Vargem das Flores, Adriana Cristina Souza alertou que o projeto vai causar grande devastação de áreas de preservação e pode gerar insegurança hídrica, pois passa por uma área de recarga de nascentes na represa, responsável pelo abastecimento de água da RMBH. A ameaça à represa Vargem das Flores também foi destacada por outros participantes da reunião. 

Adriana Souza ainda citou outros locais preservados que serão atingidos pelo anel, como Lajinha, em Ribeirão das Neves (RMBH), que possui grandes mananciais de água, além de ricos exemplares da fauna e flora. Ela advertiu para o risco de destruição de remanescentes de Mata Atlântica e do Cerrado, existentes na área da construção.

Também foi unânime entre os participantes da audiência a preocupação com a população que será desalojada pela obra, especialmente os povos tradicionais e os mais pobres.

O representante do grupo Articulação dos Movimentos Sociais de Betim (RMBH), do Movimento Negro Unificado e da Frente Brasil Popular em Betim, José Luiz Rodrigues, disse que de 5 a 6 mil famílias, além de centenas de empresas, agricultores familiares e outras instituições serão removidos das áreas por onde vai passar o rodoanel. 

Essa preocupação já é presente entre a população, especialmente moradores em remanescentes de quilombolas, segundo informou a deputada Andréia de Jesus (Psol). Ela sugere que a consulta popular, aberta pelo governo estadual, seja ampliada para as comunidades tradicionais. 

Participação popular – Na mesma linha, outra reclamação recorrente foi a elaboração do projeto sem a participação das comunidades atingidas. Muitos reclamaram que as poucas audiências públicas foram realizadas em março, durante a onda roxa da pandemia, de forma virtual.

Os representantes dos movimentos sociais denunciaram que essas reuniões não permitiam o debate efetivo.“As articulações foram feitas a toque de caixa para passar um trator”, criticou o representante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), José Geraldo Martins.

A deputada Beatriz Cerqueira (PT), autora do requerimento que motivou a audiência, também lamentou a falta do debate. Ela lembrou que a descrição do empreendimento é parte de um anexo de um projeto de lei, que trata sobre o acordo com a mineradora Vale. “Nosso objetivo é escutar a população para direcionar nosso trabalho parlamentar”, afirmou.

Já o deputado Duarte Bechir ressaltou os benefícios que acredita que a obra trará para a região. “Vai beneficiar todo o colar metropolitano”, disse, ao considerar que o tráfego na região será melhorado.

Religioso cita os “pecados capitais” da proposta

Frei Gilvander Moreira, coordenador da Comissão Pastoral da Terra de Minas Gerais, apontou o que ele chamou de “sete pecados capitais” do projeto. Entre eles, estaria o fato de que o traçado proposto foi feito para beneficiar mineradoras, de forma que, no lugar de cobrir crateras abertas pela extração mineral, cobre reservas ambientais e nascentes de água.

Outro “pecado” seria usar o dinheiro do acordo com a Vale para beneficiar a própria empresa e ainda criar outros problemas ambientais e sociais para a RMBH.

Esses novos problemas seriam resumidos em dois outros “pecados” listados por Frei Gilvander. Um seria o caráter eleitoreiro da obra, que prevê as remoções de casas só em 2023, ou seja, depois das eleições estaduais. O outro seriam os danos para os recursos hídricos da região, aumentando a crise de desabastecimentos que já assola alguns bairros.

Licenciamentos – A falta de estudo de impacto ambiental do projeto, que impossibilitaria uma discussão séria com os envolvidos, foi destacada por Henrique Oliveira, morador de Ibirité (RMBH) e um dos possíveis atingidos pelo rodoanel caso o projeto se concretize. Ele lembrou que o governo estadual pretende fazer uma inversão no processo, colocando a licitação na frente do licenciamento ambiental.

Além disso, Henrique Lazarotti salientou que não há um plano de reassentamento das famílias que perderão suas casas e que a proposta ignora os planos diretores dos 15 municípios envolvidos.

Estudo aponta falhas no projeto

O representante do Fórum Permanente de Defesa do São Francisco, o engenheiro Euler Cruz, apresentou um estudo realizado por um comitê técnico formado por engenheiros, geólogos e consultores com grande experiência no mercado. Foi feita uma análise dos documentos disponibilizados pelo governo sobre o rodoanel.

Esse estudo identificou, segundo ele, que o projeto não tem sustentação técnica, ambiental nem financeira. Os relatórios foram encaminhados ao MP e solicitada a interrupção imediata do processo.

A análise foi feita apenas sobre a alça Sul do empreendimento, considerada a principal do anel, por passar por importantes áreas de preservação ambiental, como a Serra da Moeda e o Parque Rola Moça.

Segundo Euler Cruz, a documentação apresentada pelo governo não responde questões básicas sobre a obra, como os impactos ambientais, sociais ou econômicos. Também não é apresentada qualquer justificativa para realizar uma nova obra, no lugar de melhorar o anel já existente no local.

O engenheiro também estranhou a falta de estudos geológicos sobre os túneis previstos na obra. Ele explicou que eles vão atravessar rochas e aquíferos, mas não há menção nos documentos do governo sobre os impactos. 

Falta, ainda, transparência sobre os investimentos, segundo o técnico. Há previsão de se aplicar 28% dos recursos em desapropriações, sem se explicar valor, quantidade ou como serão realizadas. Para a área do meio ambiente, está previsto o direcionamento de 1,2% dos recursos, mas o único item destacado é a plantação de gramas.