Dificuldade em obter vacinas pode atrasar imunização
Avaliação foi feita por especialistas da UFMG, que também atestaram a segurança de imunizantes já aprovados.
20/01/2021 - 20:07A dificuldade em obter a quantidade necessária de vacinas contra a Covid-19 deve ser o principal obstáculo para que o Brasil consiga se livrar da pandemia ainda no primeiro semestre de 2021. Esta foi uma das conclusões de professores e especialistas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em apresentação transmitida nesta quarta-feira (20/1/21) pela TV Assembleia e pelo canal da Coordenadoria de Assuntos Comunitários da UFMG.
O webinário, que tratou do tema “A corrida às vacinas: imunizar a população para controlar a pandemia”, recebeu o apoio da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Além de analisar as dificuldades para imunização da população brasileira, os participantes também atestaram a segurança das vacinas já autorizadas e alertaram para a necessidade de nacionalizar o processo de fabricação dos imunizantes, a fim de garantir a continuidade da proteção em anos futuros.
O chefe do Serviço de Imunologia do Hospital das Clínicas da UFMG, Jorge Andrade Pinto, lembrou o trabalho realizado pelo Brasil em 2009, por ocasião da epidemia de gripe suína (H1N1), quando a estrutura do SUS conseguiu vacinar 90 milhões de pessoas em oito semanas. Ele avaliou que esse desempenho pode se repetir, desde que não ocorra um desmonte da estrutura existente. “Infelizmente, não é o que estamos vendo até agora”, lamentou.
Para alcançar a imunidade coletiva de sua população, o Brasil precisaria vacinar entre 60% e 70% de seus 210 milhões de habitantes. De acordo com Andrade, no entanto, as 6 milhões de doses de Sinovac, a única vacina obtida pelo Brasil até agora, são suficientes para vacinar apenas 30% da população prioritária.
“Se tivéssemos vacina, poderíamos vacinar 90 milhões (de pessoas) até março”, estimou o médico infectologista Unaí Tupinambás, que também é professor da Faculdade de Medicina da UFMG. Um dos problemas, segundo ele, é que a capacidade de produção mundial é de 2 a 4 bilhões de doses por ano, o que não permitiria vacinar toda a população mundial antes de 2023 ou 2024.
O governo brasileiro tem a expectativa de receber da Índia 100 milhões de doses da vacina Oxford-AstraZeneca, mas gargalos de produção e desentendimentos políticos devem atrasar esse fornecimento para o final de fevereiro, segundo Tupinambás. Questões políticas também têm prejudicado as relações com outro grande fabricante de vacinas, a China.
A vacina é fundamental, segundo Tupinambás, porque sem ela a imunização da população brasileira poderia só ocorrer após um longo período e um grande número de mortes. As estimativas, segundo o infectologista, estariam entre 500 mil e 1,2 milhão de mortos, apenas para o Brasil.
Para reitora, população deve aderir à vacinação
Mesmo diante das dificuldades, a vacinação é a grande esperança para superação da pandemia de Covid-19, segundo a reitora da UFMG, professora Sandra Regina Goular Almeida, na abertura do webinário. “A questão da vacina vai muito além de uma decisão individual”, afirmou a reitora. Ela lembrou que a epidemia só acaba no país se a grande maioria da população participar da vacinação.
Os tipos de vacinas existentes foram analisados pelo professor Flávio Fonseca, do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG, que é o atual presidente da Sociedade Brasileira de Virologia. São 93 vacinas em estudos clínicos hoje no mundo, dez delas já aprovadas para uso prévio ou emergencial.
Essas vacinas utilizam três técnicas principais: vetor viral, que introduz um gene do novo coronavírus em um vírus de outro tipo; inoculação do próprio vírus depois de inativado; e ácido nucleico, que manipula apenas o genoma do novo coronavírus. De acordo com ele, possivelmente, os ganhos técnicos e clínicos desse último tipo serão uma herança da pandemia para o futuro.
As vacinas autorizadas no Brasil até o momento são a Oxford-AstraZeneca e a Sinovac, respectivamente, do primeiro e segundo tipo. Ambas, segundo Fonseca, são seguras e eficazes, mesmo diante das mutações já identificadas no novo coronavírus. Ele ressalva, no entanto, que novas mutações podem inutilizar tais vacinas no futuro. Por esse motivo, ele considera fundamental que o Brasil tenha capacidade para identificar novas mutações e fabricar vacinas específicas em nosso próprio território.
Também defendendo a ampla vacinação, a professora da Escola de Enfermagem da UFMG, Sheila Ferreira Lachtim, disse que se devem pensar em leis para incentivar e garantir a imunização, mas sem se falar em criminalização de quem não quer tomar a vacina.
Ela destacou que há várias leis no País que estimulam a vacinação, citando um dispositivo da Constituição Federal que reafirma a primazia do direito coletivo sobre o individual. Lembrou ainda do Código Penal e da lei de enfrentamento à pandemia, que prevê a possibilidade de medidas compulsórias em nome da saúde pública.
A professora enfatizou a importância do Plano Nacional de Imunização, que apesar de vir sendo desvalorizado pelo atual governo, garante aos brasileiros 36 mil salas de vacinação onde atuam 250 mil profissionais e é uma referência internacional. No entanto, o desafio atual do plano, segundo ela, é garantir o acesso da vacinação a todos.
Também doutora em Ciências da Saúde, Sheila Lachtim lembrou que, para atingir a imunização, é fundamental que as pessoas confiem na vacina. E a tarefa se torna difícil quando o presidente do País afirma que ninguém pode obrigar uma pessoa a se vacinar. Na opinião da pesquisadora, esse fato e o grande número de notícias falsas têm levado muitos a colocarem em dúvida a vacinação.
Infodemia leva sociedade à desinformação
Tratando do fenômeno da desinformação, Geane Alzamora, do Departamento de Comunicação Social da UFMG, considerou que nesse universo, além das fake news (notícias falsas), há outro tipo: as notícias confusas, atualizadas fora de contexto, para gerar dúvidas.
“O crescimento exponencial e desordenado de informações, falsas e verdadeiras, levou a Organização Mundial de Saúde a cunhar o termo Infodemia”, afirmou. Na opinião de Geane, atualmente se vive a emergência de uma sociedade da desinformação, em que muitas vezes fontes legítimas são desqualificadas, tendo o problema se agravado na pandemia.
Como resposta a esses dilemas, a professora propôs, entre outras medidas: a ampliação da divulgação científica, de forma que informações especializadas sobre a vacina cheguem a mais pessoas; a realização de campanhas de comunicação em todas as novas mídias sociais sobre a vacinação.
Ela defendeu também o acesso gratuito de toda a população às tecnologias da informação; e a alfabetização de crianças, jovens e especialmente idosos sobre o que diferencia uma informação falsa de uma verdadeira.
Hostilidade à China – Para o professor de Política Internacional da Faculdade de Ciências Humanas da UFMG, Dawisson Lopes, a política externa brasileira atual tem se notabilizado por uma certa hostilidade à China. “Este é um problema diplomático com o qual o Brasil já tem que se defrontar, fazendo algum tipo de modulação de discurso”, aconselhou.
Na opinião dele, a visão míope da atual gestão não enxergou que a China é responsável hoje por 30% de toda a produção industrial do mundo. Além disso, esse país, mais a Índia, fabricam 70% de todos os produtos farmacêuticos mundiais.
Em relação à Índia, Lopes avalia que a questão diplomática parece ser mais simples, pois o país asiático só estaria buscando favorecer seus vizinhos no abastecimento de vacinas contra a Covid. Na visão do especialista, uma política semelhante poderia estar sendo realizada pelo Brasil junto a seus vizinhos na América do Sul, mas o pais, infelizmente, abdicou do protagonismo como líder regional na produção de vacinas. “Vacinar primeiro significa reativar os circuitos econômicos“, concluiu.