Comissão de Direitos Humanos da Assembleia realizou audiência pública sobre o tema
Delegada Sheila salientou que críticas são pessoais e covardes
Para Marlise de Matos, retomar Observatório da Violência é uma alternativa
Candidatas denunciam ataques sofridos durante a campanha eleitoral

Defendida lei para inibir violência política contra mulheres

Responsabilização judicial e o envolvimento do Estado para minimizar a prática foram apontados como medidas necessárias.

17/12/2020 - 14:10

Aprovação de uma legislação que busque inibir a violência política contra mulheres, tratativa com o Judiciário para que dê celeridade à responsabilização desses casos, e o envolvimento das diversas instâncias do Estado para minimizar a prática. Essas foram algumas medidas apontadas por participantes de audiência pública, realizada nesta quinta-feira (17/12/20), como necessárias para fazer frente a esse tipo de violência.

Na reunião da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), solicitada pelas deputadas Leninha (PT) e Andréia de Jesus (Psol), mulheres que têm cadeira no Parlamento, que disputaram as últimas eleições para câmaras municipais e prefeituras, tendo sido ou não eleitas, relataram ocorrências de violência política que sofreram no pleito deste ano e que se agravam ainda mais no caso de candidatas negras.

Consulte o resultado e assista ao vídeo completo da reunião.

Tainá Aparecida de Oliveira Rosa e Lauana Nara Chantal de Castro, que integram o Movimento Mulheres Negras Decidem e disputaram vaga na Câmara Municipal de Belo Horizonte, em uma candidatura coletiva, contaram que uma quadrilha invadiu uma plenária virtual da qual participavam e fez apologia e ameaça de estupro, além de violência racista. As duas acionaram o Ministério Público e esperam investigação.

“Até chegar a essa esfera, no entanto, percorremos muitos lugares. Há uma sobreposição de crimes. Então, houve uma dificuldade de resolver a questão”, disse Tainá. Ela também acrescentou que ainda não há políticas para fazerem frente à violência política.

Live – Vereadora eleita na Capital, Macaé Evaristo também contou sobre ameaças recebidas e também sobre live da qual participou, em que o espaço foi invadido e imagens pornográficas foram projetadas.

Para a vereadora eleita, é preciso discutir sobre o que configura a violência política contra mulheres. “Toda vez que nosso corpo é interditado de estar nos lugares, é uma violência. E somos impedidas de ter boas condições de trabalho, de acessar políticas de moradia e de educação, por exemplo”, disse.

A vereadora da Capital Bella Gonçalves relatou duas situações de abuso policial que vivenciou. Ela disse que fez representações no Ministério Público e na Ouvidoria da Polícia e também discutiu com a Polícia Militar um protocolo de atuação nessas situações. Bella Gonçalvez sugeriu que o assunto seja amplamente debatido com órgãos do Estado para que haja uma forma mais apropriada de lidar com os casos.

Deputadas estaduais sugerem ações

Para a deputada Leninha, que preside a comissão, é preciso avançar em legislação sobre o assunto para inibir a prática. “O Judiciário também tem que dar celeridade aos casos. Precisamos avançar nessas frentes”, defendeu.

A deputada, que disputou, neste ano, a Prefeitura de Montes Claros (Norte de Minas), também relatou violências sofridas no sentido de desqualificar sua candidatura. Ela contou que, no caso de mulheres negras, essa violência também ganha o contorno racista. “A nossa luta de mulheres não se encerra na bandeira partidária. Isso nos desafia a sermos melhores”, falou.

A deputada Delegada Sheila (PSL) enfatizou que a pena para quem difama e calunia é a mesma desde 1940. “Uma difamação feita naquela época ficava mais restrita. Hoje, com as redes sociais, roda o mundo todo e pode acabar com a vida da pessoa. Isso precisa ser revisto com a máxima urgência”, afirmou.

A parlamentar, que concorreu à Prefeitura de Juiz de Fora (Zona da Mata) neste ano, contou que vivenciou na pele o preconceito em relação às mulheres. Ela relatou que chegou a ser divulgado na imprensa que o partido não aceitaria seu nome, como candidata, por ser divorciada e ter a guarda compartilhada dos filhos.

Na opinião de Delegada Sheila, as críticas às mulheres no processo eleitoral não dizem respeito à capacidade profissional. “São críticas pessoais e covardes, Não raras vezes no processo eleitoral, fui chamada de vagabunda”, acrescentou.

Andréia de Jesus lembrou que as mulheres garantiram conquistas nas últimas eleições, com uma maior participação em espaços de decisão. Apesar disso, conforme relatou, o advento das redes sociais potencializou as agressões às mulheres.

“O Estado e o Judiciário devem agir com relação a esses fatos de violência para que a resposta não seja apenas individual”, afirmou.

A deputada Ana Paula Siqueira (Rede) concordou com as parlamentares que a antecederam. “Quando exercemos o mandato, a perspectiva é diferente. A violência existe de verdade e vai desde xingamentos na tribuna até atitudes. Sabemos o quanto é doloroso”, disse.

Para participante, violências relatadas configuram crime eleitoral

Para a presidente do Psol Belo Horizonte e integrante do Núcleo de Negras, Negros e Indígenas do partido, Kátia Cristina da Silva Sales, esses relatos das participantes da audiência configuram crime eleitoral e devem ser enfrentados pelo estado e também pelos partidos políticos.

Ela fez um histórico sobre a violência política que acomete mulheres. Kátia Cristina destacou o impeachment da então presidente Dilma Rousseff e o assassinato da vereadora do Rio de Janeiro, Marielle Franco

A vereadora eleita, neste ano, para a Câmara de Belo Horizonte, Izabella Lourença Amorim Romualdo, reforçou as palavras de Kátia Cristina. Em sua opinião, está claro que, ao fazer política no País, as mulheres não têm nenhuma segurança física e jurídica. “Os ataques objetivam limitar nossa atuação”, afirmou.

Retomada de observatório

A coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas Sobre a Mulher da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Marlise Míriam de Matos Almeida, lembrou que em 2018, por iniciativa da deputada Marília Campos (PT), foi criado o Observatório da Violência Política de Minas Gerais, com a intenção de ser uma rede emergencial de proteção a vítimas de intolerância política e eleitoral.

“Reunimos entidades como a UFMG e o Ministério Público na época, na tentativa de dar visibilidade a essa questão. Seria uma boa alternativa para que muitos dos casos que vimos hoje tenham uma resolução mais concreta e definitiva”, explicou.

A pesquisadora afirmou também que a violência política não é exclusivamente brasileira, sendo um fenômeno observado também em países da América Latina e nos Estados Unidos. “Está em curso uma ameça ao regime democrático. Aqueles que têm acesso ao poder político, homens brancos héteros e cis, querem impedir que os demais também elejam representantes. Precisamos buscar ações que tornem mais factível fazer frente a essa onda de conservadorismo mundial”, completou.

O presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos, Robson Sávio Reis Souza, apoiou a ideia de retomada do observatório. “Temos visto ameças de morte e tentativas de homicídio de vários grupos de extrema-direita e neonazistas. Fortalecer o observatório seria uma excelente medida da ALMG, que sempre foi o lugar onde conseguimos nos mobilizar, com segurança e estrutura”, enfatizou. A ideia foi acolhida pela deputada Andréia de Jesus.