Comunidade se mobiliza contra mudanças em escola estadual
Em audiência na Comissão de Educação, profissionais, pais, alunos discordam de fusão com colégio militar em Araguari.
29/10/2020 - 15:37 - Atualizado em 04/11/2020 - 15:12A cessão do prédio da Escola Estadual Rainha da Paz para o Colégio Tiradentes, com a subordinação da primeira instituição à segunda, de orientação militar, foi bastante criticada por membros da comunidade escolar em Araguari (Triângulo). Em audiência pública da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), nesta quinta-feira (29/10/20), eles afirmaram não terem sido consultados no processo de tomada de decisão pela Secretaria de Estado de Educação.
Para a deputada Beatriz Cerqueira (PT), presidente da comissão e autora do requerimento para a audiência, ficou claro o desejo dos representantes da comunidade escolar, durante a reunião, de que a cessão não aconteça. “Por que mexer no que está dando certo, já que a estrutura da escola e seus indicadores de ensino são excelentes? Ninguém achou importante ouvir os pais, ouvir os alunos? O governo precisa fazer essa escuta antes de efetivar a expansão”, completou.
Consulte o resultado e assista ao vídeo completo da reunião.
Além do desempenho, a trajetória da Escola Estadual Rainha da Paz foi lembrada como argumento para sua manutenção de forma independente. A instituição existe desde 1964, funcionou por 36 anos num prédio alugado e mudou de endereço duas vezes enquanto a sede definitiva não era construída, o que aconteceu somente em 2008, depois da mobilização da comunidade escolar em Araguari.
Um dos líderes do protesto da comunidade escolar é o professor Cleberson Pinelli Ribeiro, que fez questionamentos com relação à autonomia administrativa da escola, que seria “perdida” para o Tiradentes, uma instituição militar. Isso implicaria em mudanças no processo seletivo para admissão dos alunos e demissão dos 50 profissionais de educação que trabalham na instituição.
“Queríamos saber por que o prédio está sendo cedido, por que não fomos comunicados desse processo em nenhum momento, de onde virá a ajuda de custos com uniforme e demais gastos dos alunos da Rainha da Paz, que terão de se adaptar a uma escola de modelo militar e que faz o processo de seleção de seus alunos de uma maneira bastante excludente das demais escolas estaduais”, pontuou. Ele também criticou o deputado Raul Belém (PSC), por ter feito parte do processo de intermediação de cessão do prédio sem consultar ninguém.
Infraestrutura - O professor reforçou, ainda, a luta histórica da comunidade pela sede própria da escola, que é um dos prédios mais novos de Araguari e tem uma das melhores infraestruturas de todo o Estado, com laboratório de informática, quadra poliesportiva, cozinha e dezesseis salas de aula em excelentes condições de uso, além de ser um prédio acessível e adaptado às demandas de pessoas com deficiência, algumas delas, inclusive, alunos.
“Em 2017, fomos uma das quatro escolas do Estado que conseguiram atingir o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) acima da meta estabelecida. Queremos garantias de que, quando os atuais alunos da escola se formarem, seja dada às demais crianças a oportunidade de estudar lá e não que elas sejam excluídas pela dinâmica de uma instituição militar”, reforçou.
Visita técnica deve ajudar a esclarecer questão
O deputado Raul Belém explicou que inicialmente foi procurado pela direção do Colégio Tiradentes, solicitando recurso de R$ 150 mil para expansão de suas instalações, mas, após conversa com a Secretaria de Estado da Educação, chegou-se à conclusão de que o prédio da escola estadual teria capacidade técnica para absorver os alunos do colégio militar, numa fusão que traria crescimento para ambos.
“Veio a pandemia e não tive mais notícias desse processo. Aí o Colégio Tiradentes há 30 dias me solicitou uma nova reunião, pedindo que eu concedesse, via emenda parlamentar, recursos para uniforme e material didático dos alunos da Rainha da Paz. Também me pediram que eu aportasse R$ 350 mil para a Escola Estadual Dona Eleonora Pieruccetti, para fortalecer a educação estadual na região. Após essa reunião, um assessor meu postou nas redes sociais sobre a cessão do prédio e isso assustou a comunidade, que não estava ciente até aquele momento”, esclareceu.
Quanto ao processo seletivo e a demissão de professores, o parlamentar disse que não havia sido informado. “Essa fusão teria 70% de alunos civis e 30% de alunos militares. E para mim está claro que quem vai administrar a escola é a Secretaria de Estado da Educação, a quem o Tiradentes é subordinado. E eu nunca soube que esses profissionais seriam demitidos. Sou colaborador da educação na minha cidade, quero fortalecer, não fechar a escola. Quem tem poder para decidir o que vai acontecer é o governo”, reforçou.
Uma visita técnica a partir da semana que vem deverá ser agendada pela Polícia Militar com a participação de pais, alunos e professores na Escola Estadual Rainha da Paz. Essa foi a promessa do diretor de Educação Escolar e Assistência Social da Polícia Militar de Minas Gerais, Tenente Coronel PM Wellerson Conceição Silva. Responsável pelas 30 unidades do Colégio Tiradentes em Minas Gerais, ele fez a promessa durante a audiência pública.
Convergência - “Queremos levar esclarecimentos e informações a todos, tranquilizar os pais e a comunidade. Nossas pautas são convergentes. Estávamos com demanda reprimida do Tiradentes em Araguari e constatamos que a Rainha da Paz teria salas de aula e espaço suficientes para receber nossos alunos. Então encaminhamos a demanda para a secretaria e acreditamos nessa fusão, que atenderá bem a todos”, explicou o Tenente Wellerson.
Medida teria sido baseada em parecer técnico
O subsecretário de Articulação Educacional da Secretaria Estadual de Educação, Igor Alvarenga, enfatizou que a cessão se baseia em parecer técnico do inspetor escolar, que mostra que o prédio da escola é grande e poderia ser melhor utilizado.
“Vimos que é possível sim a união das duas escolas para funcionamento e atendimento da comunidade. Isso é para atender demanda do comando da Polícia Militar. E os professores poderão ser remanejados para outras escolas, se isso for necessário”, completou.
A deputada Beatriz Cerqueira e os deputados Sargento Rodrigues (PTB) e Bartô (Novo), mesmo com pontos de vista distintos sobre a transformação da escola, concordaram que a falta de diálogo por parte do governo está na raiz da divergência. Bartô e Sargento Rodrigues são favoráveis à cessão para o Colégio Tiradentes, mas disseram entender a apreensão de pais, alunos e professores com a falta de informações sobre as decisões do governo.
Os dois últimos destacaram ainda, contudo, que os alunos que assim desejarem serão recebidos pelo colégio militar, sem processo seletivo ou fila de espera, o que consideram muito positivo, tendo em vista o alto desempenho de instituições congêneres no Estado.