Entrevista com Ailton Krenak retoma o Memória e Poder
Programa vai ao ar neste sábado (1°) e traz as reflexões do líder indígena sobre o modo de vida predatório da sociedade.
29/07/2020 - 12:40As palavras do líder indígena e ambientalista Ailton Krenak ganharam novos significados com a pandemia do novo coronavírus. No ano passado, com o livro “Ideias para Adiar o Fim do Mundo”, ele se tornou um best seller ao propor à humanidade um outro modo de vida e consumo. Agora, em meio à contagem de mortos pela Covid-19 e às incertezas do que está por vir, o convite ganhou sentido de urgência.
“A realidade do planeta se associou com a ideia de fim de mundo”, sintetiza Krenak, entrevistado do Memória & Poder, da TV Assembleia. O programa, que será exibido neste sábado (1º/8/20), às 20 horas, marca a retomada de estreias da atração.
Assista aos vídeos do programa Memória & Poder.
Confira a sintonia da TV Assembleia na sua cidade.
Gravada em fevereiro de 2020, antes da primeira morte por Covid-19 no Brasil, a entrevista deslumbra um cenário de crise, causada não por um vírus, mas pela maneira predatória como temos agido com a natureza. “Nós estamos invertendo a ecologia do planeta. As nossas montanhas, nós transformamos em buracos pela mineração. E nos nossos mares, nós criamos montanhas de plástico. O resultado disso é gente morrendo soterrada em lama. Estamos criando a ecologia do desastre”, afirma.
Comparar a catástrofe ecológica e a sanitária não parece deslocado, tendo em vista que, nesta quarentena, krenak passa a maior parte do tempo em lives que debatem justamente o “fim do mundo”.
Questão indígena - Nascido em 1953 na aldeia dos krenak, em Itabirinha, do lado esquerdo da margem do Rio Doce, Ailton vive em exílio desde que nasceu. A luta pelo direito à terra e as constantes ameaças por governos, colonos e fazendeiros fizeram os índios da etnia se acostumarem à ideia de fuga. “Se há alguma coisa que nos iguala hoje é que estamos todos em rota de fuga”, crava. “Qualquer criança que tenha a experiência da infância com seus pais tendo de fugir do lugar de origem desperta desde cedo a consciência de ter de fazer alguma coisa. Esta consciência foi quase como apender a andar para mim”, lembra a liderança indígena.
Apesar dos holofotes conquistados pelo sucesso do livro, Ailton Krenak não é um fenômeno produzido pelas redes sociais e as novas tecnologias. Desde os anos 1980, é reconhecido como liderança entre os indígenas. Ajudou a criar a União das Nações Indígenas e teve um papel decisivo na Assembleia Nacional Constituinte. O discurso dele, no plenário da Câmara dos Deputados, em 1987, que ele conta em detalhes no programa, selou a aprovação da emenda constitucional que garantiu, entre outras coisas, os direitos dos povos indígenas à propriedade das terras.
“O efeito daquele discurso foi um ponto final na ideia de que os índios acabaram. Os povos indígenas, hoje, são protegidos por uma convenção internacional. Não somos um assunto brasileiro, somos um assunto planetário. Aquele gesto nos vinculou a uma teia de relações de direito nacionais e internacionais”, considera.
Ao refletir sobre o atual momento vivido pelos povos indígenas, sujeitos à contaminação pelo coronavírus e tendo suas terras ameaçadas por interesses econômicos, o autor das ideias para adiar o fim do mundo espera que sua tardia carreira literária possa repetir os efeitos daquela fala na tribuna da Câmara: “Se o Brasil não conseguiu acabar com os índios até a Constituição de 1988, não é agora que vai acabar”.
Reprises – Esta edição do programa Memória & Poder será reapresentada no domingo (2), às 15h30; na segunda-feira (3), à meia-noite; e na terça-feira (4), às 21 horas.