A audiência da Comissão de Prevenção ao Uso de Crack e Outras Drogas foi realizada na Câmara Municipal de Juiz de Fora

Preconceito afeta tratamento da mulher dependente química

Audiência em Juiz de Fora aponta estigma social como barreira à recuperação de usuárias de drogas lícitas e ilícitas.

05/03/2020 - 19:50

Acolhimento inadequado, desrespeito e preconceito são apenas alguns dos entraves ao acesso das mulheres a tratamentos para a dependência química. Esses empecilhos foram citados em vários momentos da audiência pública da Comissão de Prevenção e Combate ao Uso de Crack e Outras Drogas da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), realizada nesta quinta-feira (5/3/20), na Câmara Municipal de Juiz de Fora (Zona da Mata).

Autora do requerimento para a realização da audiência, a presidenta da comissão, deputada Delegada Sheila (PSL), ressaltou a importância de descentralizar essa discussão, levando o debate ao interior, sobretudo a cidades maiores, como Juiz de Fora, que já sofrem com o aumento do número de dependentes de drogas lícitas e ilícitas, principalmente de crack.

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“Existe uma lacuna muito grande quando se fala da vulnerabilidade da mulher dependente de álcool e de drogas ilícitas, assim como da sua necessidade de tratamento e das dificuldades que enfrenta, sobretudo o preconceito e a falta de acolhimento. Por isso, precisamos discutir essa questão em todo o Estado e pensar juntos as melhores políticas públicas para modificar essa realidade”, avaliou a deputada.

Visão endossada pela subsecretária de Políticas Sobre Drogas da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese), Soraya Romina dos Santos, ao afirmar que “o Governo de Minas está empenhado em fortalecer a Política sobre Drogas”. Nesse sentido, ela informou que o Estado iniciará a elaboração do Plano Mineiro de Cuidados e Prevenção ao Uso de Álcool e Drogas, em parceria com a Organização Pan-Americana de Saúde, que deverá ser concluído em um ano. Ela convidou a comissão da ALMG para participar.

Acolhimento e apoio a famílias - Ex-dependente química e atualmente pastora, Raíssa Loures Novaes narrou a sua experiência, citando as dificuldades que as mulheres enfrentam ao ingressar no universo das drogas. Segundo ela, nessa vida da dependência química a família também necessita ser tratada. A pastora conclamou todos os presentes a fazerem a sua parte, ajudando

A presidenta da Comissão da Mulher da Subseção da OAB-JF, Cátia Fernanda Moreira de Paula, reiterou a afirmação de que as famílias precisam ser tratadas “porque não sabem como agir nesses casos”. Ela ainda informou que, a partir do segundo semestre, a Comissão da Mulher da OAB-JF pretende dar acolhimento às mulheres dependentes.

A gerente do Departamento de Saúde Mental da Prefeitura de Juiz de Fora, Maryene Conceição de Paula, afirmou que “o acolhimento é realmente a questão mais importante para vencer as barreiras”. O estigma social e a vergonha decorrente disso, que impedem muitas mulheres de buscar tratamento, foram citados pela assistente social no Hospital Ana Nery, Adriana Cristina de Souza e Silva. Ela informou que no hospital existem oito leitos específicos para mulheres e, muitas vezes, ficam vagos porque elas não buscam tratamento, em razão de vergonha e machismo.

Arlene Motta, coordenadora do Centro de Atenção Psicossocial – Álcool e Drogas (CAPS-AD) em Juiz de Fora, também abordou a fragilização dos vínculos familiares em razão do uso contínuo de drogas, além de ressaltar que “o estigma social é possivelmente a maior das barreiras de acesso aos tratamentos”, destacando a necessidade mais tolerância, convívio e diálogo.

Única mulher da atual legislatura da Câmara Municipal de Juiz de Fora, a vereadora Ana Rossignoli (MDB), membro da Comissão de Combate ao Uso das Drogas, lamentou o ingresso de jovens no mundo das drogas e lembrou o quanto essa situação afeta as famílias.

Alexander Jorge Pires, presidente do Conselho Municipal de Políticas Integradas sobre Drogas (Compid) de Juiz de Fora, ressaltou que é preciso um bom acolhimento para “dar às mulheres a oportunidade de voltar ao convívio social”.

Depoimentos reivindicam mais ajuda do poder público

José Carlos Dias Vieira, fundador e diretor da Comunidade Terapêutica Centro de Recuperação Resgatando Vidas, destacou a necessidade de o governo dar apoio a essas comunidades, que têm tido cada vez mais dificuldades de se manter e realizar o seu trabalho de apoio e tratamento a dependentes. Visão compartilhada por Daniel de Jesus Lage Ribeiro, psicólogo e gestor do Centro de Recuperação Viva a Vida.

Os vereadores Kennedy Ribeiro (MDB) e Júlio Obama Jr. (Podemos) também abordaram a necessidade de mais investimento público

O deputado federal Charlles Evangelista (PSL-MG), que preside a Frente Parlamentar de Enfrentamento às Drogas da Câmara dos Deputados, lembrou que “a dependência química é uma doença crônica e grave que se não for tratada pode levar à morte”. 

O monsenhor Luiz Carlos apresentou o trabalho da Pastoral da Sobriedade da Igreja Católica, que está sendo implantada em Juiz de Fora e em outros 36 municípios da Zona da Mata e visa a fazer o acompanhamento de dependentes e seus familiares.

Sucateamento - Durante a audiência, diversos dos presentes (ex-dependentes e familiares) questionaram a falta de apoio e as dificuldades de internação, como a falta de leitos, o sucateamento de órgãos de atendimento e afins, reivindicando mais suporte e apoio do poder público.