Centenas de aprendizes estão mobilizados para evitar o fim de uma conquista prevista na Constituição
Mudanças podem reduzir vagas de aprendizagem, alerta auditor fiscal
Felipe Pessoa deixou o sistema prisional após a aprendizagem profissional
Menores aprendizes não querem mudanças no Programa de Aprendizagem Profissional

Jovens se mobilizam contra alterações na Lei da Aprendizagem

Especialistas veem riscos para o combate ao trabalho infantil e à evasão escolar e para a conquista do primeiro emprego.

30/09/2019 - 19:30

“Ei, pare de bobagem. Não vamos acabar com a aprendizagem”. Com esse grito de luta, centenas de jovens aprendizes lotaram a Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) nesta segunda-feira (30/9/19) para protestar contra mudanças que estão sendo propostas na Lei 10.097, de 2000, a Lei da Aprendizagem. Eles participaram de audiência da Comissão de Participação Popular.

As alterações ainda não tramitam no Congresso, mas as entidades que atuam na área já conhecem seu teor e, sobretudo, seu potencial para desmantelar as conquistas trazidas pela norma. Eles apontam riscos para a inserção dos jovens no mercado de trabalho e para o combate ao trabalho infantil e à evasão escolar, entre outros.

A Lei 10.097, de 2000, atualizou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e estabeleceu um contrato especial de trabalho para os jovens de 14 a 24 anos, no qual “a formação se sobrepõe ao aspecto produtivo”, conforme destacou Luciana Marques Coutinho, procuradora do Ministério Público do Trabalho (MPT/MG). “Sem a lei, o que teremos serão condições precárias de trabalho”, apontou.

Ameaças – Os dois pontos mais críticos em vias de mudança foram destacados por Antônio Alves Mendonça Júnior, auditor-fiscal da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego (SRTE/MG). O primeiro deles é a eliminação das entidades sem fins lucrativos que fazem a intermediação entre os jovens e as empresas. Sem elas, a relação jurídica se daria diretamente entre os jovens e o contratante.

Ainda segundo Antônio Alves, há uma pressão da Confederação Nacional da Indústria para que sejam retiradas 938 das 1.616 ocupações da base de cálculo que mensura as vagas para os jovens. Com isso, o total de vagas cairia para um quarto do número atual, estimado em mais de 1 milhão, considerando apenas a cota mínima exigida das empresas.

Keure Chamse de Oliveira, representante das entidades formadoras da Rede Cidadã, acrescentou que a proposta em estudo acaba com a interiorização da aprendizagem profissional, ao concentrar as cotas apenas nas grandes empresas da Capital. Além disso, limitaria os benefícios do programa apenas aos alunos no ensino médio.

Antônio Alves também rebateu alguns argumentos usados para desqualificar o programa de aprendizagem. “Ele não onera micro e pequenas empresas porque apenas as médias e grandes são obrigadas a contratar. E é tão bom que vem crescendo. Entre 2007 e 2017, cresceu, em média, mais de 400% no Brasil”, pontuou.

A permanência no mercado de trabalho, segundo ele, é da ordem de 47% (média de 2013 a 2017), sendo que 21,44% dos jovens permanecem na mesma empresa, o que é considerado muito positivo. De acordo com o auditor fiscal, em abril deste ano havia no País 496 mil jovens aprendizes, ou quase a metade da cota mínima. “A multa para a empresa que não cumpre a lei é ridícula”, justificou.

Aprendizes relatam impactos da aprendizagem

Vários jovens relataram, durante a audiência, as oportunidades de mudança de vida trazidas pela aprendizagem. Felipe Barros Pessoa, por exemplo, foi o primeiro aprendiz no Brasil a sair do sistema prisional, a partir de projeto da MRV Engenharia e Rede Cidadã. Hoje, ele cumpre pena em regime semiaberto e comemora a reinserção na sociedade.

“Nossa população carcerária é de 812 mil pessoas e 30% têm entre 18 e 24 anos. Elas poderiam ter uma chance com a aprendizagem”, reforçou. Luciana Marques, do MPT/MG, explicou que, além do sistema prisional, a aprendizagem dá oportunidade de trabalho também a adolescentes do sistema socioeducativo ou que vivem em abrigos.

Fabianes Morey, refugiada da Venezuela, também contou sua história e as dificuldades que os dez membros da família enfrentaram até se estabelecerem em Minas. Há quatro meses, ela e uma prima são jovens aprendizes e contribuem com o orçamento familiar. Fabianes chorou diante da possibilidade de perder essa conquista tão recente.

Os participantes pediram o aprimoramento da lei para ampliar seu alcance, não para reduzir seu impacto. Dos 2,6 milhões de crianças e adolescentes em situação de trabalho irregular, por exemplo, 2,2 milhões têm mais de 14 anos e poderiam ser aprendizes. O índice de 42% de evasão escolar no primeiro ano do ensino médio também poderia ser atacado.

Muitos pediram ainda o engajamento dos jovens não apenas nas redes sociais, mas nas ruas, para frear as mudanças pensadas para a legislação. O promotor de Justiça Márcio Rogério de Oliveira salientou que a aprendizagem existe desde os anos de 1940 e é direito garantido no artigo 227 da Constituição Federal. Segundo ele, O Ministério Público em todo o País vai assinar documento contra esse “retrocesso”.

Audiências públicas sobre o tema estão sendo realizadas em todos os Estados. Na ALMG, a reunião foi solicitada pelas deputadas Ana Paula Siqueira (Rede) e Laura Serrano (Novo) e pelo deputado Doutor Jean Freire (PT), que leu correspondência das colegas justificando as ausências. “A aprendizagem profissional é porta de entrada para a autonomia dos jovens”, destacou o parlamentar, que também elogiou a mobilização “contagiante” dos jovens.

Ele citou projeto de sua autoria que visa a obrigar as empresas que prestam serviço para o Estado a contratarem os jovens aprendizes. Patrícia Abate, coordenadora de Educação Profissional da Secretaria de Estado de Educação, reiterou que a escola pública precisa da ajuda da aprendizagem no desafio de lidar com 680 mil jovens no ensino médio e 1,1 mil no sistema socioeducativo.

Os deputados Professor Wendel Mesquita (SD) e Tadeu Martins Leite (MDB) também manifestaram apoio à causa. O primeiro, que foi aprendiz aos 16 anos, se comprometeu a envolver a bancada federal do partido Solidariedade na luta. Já o emedebista argumentou ser importante conhecer os argumentos em defesa da aprendizagem profissional, programa que quebra a dificuldade do primeiro emprego.

Consulte o resultado da reunião.