Segundo atingidos, tragédia de Mariana segue sem reparação
Qualidade da água do Rio Doce é uma das principais preocupações dos moradores do entorno, que criticam Fundação Renova.
26/08/2019 - 15:17 - Atualizado em 26/08/2019 - 17:58A qualidade da água da Bacia do Rio Doce, afetada pelo rompimento da Barragem de Fundão, da mineradora Samarco, em 2015, foi um dos principais alvos de reclamações dos participantes de audiência pública da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), nesta segunda-feira (26/8/19).
A reunião teve como tema a atuação da Fundação Renova, criada pelas empresas Vale e BHP Billiton (controladoras da Samarco), para mediar a reparação dos danos da tragédia. A entidade foi acusada de negar direitos básicos da população atingida.
A Barragem de Fundão fica em Mariana, na Região Central do Estado. Ela rompeu em novembro de 2015, provocando ao menos 18 mortes (uma pessoa permanece desaparecida), a devastação do distrito de Bento Rodrigues e a maior tragédia ambiental da história do País.
A lama de rejeitos que percorreu toda a extensão do Rio Doce em 2015 mudou a cor e a qualidade da água utilizada pelos moradores dos municípios ao longo da bacia e, apesar de a Fundação Renova afirmar que hoje são boas as condições de consumo, os atingidos não confiam na informação. “Buscamos água nos poços artesianos de vizinhos”, contou Izaias Francisco, da Comissão de Cachoeira Escura do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).
O presidente da Associação dos Pescadores de Conselheiro Pena e Região (Aspesc), Lélis Barreiros, mostrou dois filtros de água, ambos com sujeira preta que, segundo ele, é composta por rejeitos de minério de ferro.
Animais comprometidos - Além de reivindicar a melhoria da água para consumo humano, Lélis destacou que os animais que bebem da água acabam morrendo ou abortando seus fetos. Ele ainda falou da qualidade dos peixes, que também gera desconfiança e impede a comercialização.
Um estudo realizado por pesquisadores da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), com os pescados da Bacia do Rio Doce no estado do Espírito Santo, apontou que alguns metais estão em concentração maior nos peixes da região do que em outras áreas do País. Quem apresentou o trabalho foi Milton Cabral de Vasconcelos Neto, analista de saúde e tecnologia do Grupo Técnico de Contaminante em Alimento da Anvisa.
Segundo nota técnica produzida a partir do estudo, que ele também apresentou, os pescados da região podem ser consumidos, mas não em alta quantidade, como acontece em locais onde essa é a principal fonte de alimentos.
Milton ressaltou, ainda, que o estudo não tratou da qualidade específica da água e, se ela não for boa para consumo, a quantidade de peixe a ser consumida deve ser reduzida, já que os metais presentes nos animais se somariam aos da água no organismo das pessoas.
O procurador Edmundo Antônio Dias Netto Junior, que tem atuado no caso desde 2015, questionou o estudo. Segundo ele, o trabalho não qualifica os peixes. Ele falou do fenômeno chamado de biomagnificação, que significa que um peixe grande, ao ingerir um médio que já havia se alimentado de um menor, acumulou os metais dos três peixes.
Desta forma, não seria possível falar de níveis gerais de concentração de metais sem considerar as especificidades de cada espécie. Ele afirmou que os órgãos da Justiça que têm atuado conjuntamente no caso não recomendam o consumo dos peixes da Bacia do Rio Doce. O procurador acrescentou que estudos independentes estão sendo realizados e deverão ser apresentados em breve.
Esses trabalhos deverão, inclusive, incluir comparações entre comunidades atingidas e outras não, para identificar se há nexo causal entre o rompimento da barragem e problemas de saúde, sociais ou ambientais. De acordo com o procurador, a Fundação Renova tem negado esse nexo causal e, consequentemente, a responsabilidade da Vale e da BHP.
Por enquanto, além da nota técnica da Anvisa, há uma garantia da Copasa de que a água entregue pela empresa na casa das pessoas é própria para consumo. O engenheiro da companhia, João Bosco Senra, esteve na audiência pública e reafirmou essa garantia.
Renova nega direitos e divide atingidos, segundo moradores
Moradores da região da Bacia do Rio Doce lotaram o Auditório da ALMG e apontaram falhas na reparação dos danos causados pelo rompimento. Além de questões tratadas em outros encontros na Assembleia, como o fato de ainda não terem sido entregues as casas para aqueles que tiveram suas residências destruídas pela lama, falaram das estratégias utilizadas pela Renova, que tende a negar, segundo eles, informações aos atingidos e a jogar alguns grupos contra os outros.
O procurador Edmundo Júnior classificou como inaceitável que as empresas que causaram o dano decidam quem são suas vítimas e quanto dinheiro será direcionado para a reparação, como tem acontecido atualmente.
A gerente de Direitos Humanos da Fundação Renova, Christiana Galvão de Freitas, reafirmou a segurança no consumo do pescado da bacia, retomando a nota técnica da Anvisa anteriormente apresentada, e a falta de comprovação do nexo causal entre a presença de metais no organismo das pessoas e o rompimento da barragem.
Ela também apresentou as ações realizadas pela instituição, como recuperação de nascentes, monitoramento de qualidade da água e contratação de profissionais de saúde para atuar junto às equipes do Sistema Único de Saúde (SUS). Por fim, afirmou que a instituição vai contratar um ouvidor, com a função de receber e encaminhar todas as reclamações e críticas que os atingidos tiverem sobre a sua atuação.
A deputada Beatriz Cerqueira (PT), autora do requerimento de audiência, criticou a postura da Fundação Renova e disse que a entidade busca estabelecer acordos individuais, se furtando a negociar coletivamente, como forma de enfraquecer as demandas. A parlamentar também falou da falta de repasses de informações e da negligência em relação à saúde.
Para ela, há um grande descompasso entre as situações relatadas pelos atingidos e pelos representantes da fundação. Segundo a deputada, em nenhuma das vezes que visitou os locais atingidos conseguiu perceber as ações citadas pela Renova. Beatriz Cerqueira acrescentou que todas as demandas e reclamações específicas apresentadas na reunião serão compiladas num documento a ser enviado à fundação, cobrando respostas.
Reestatização – O deputado federal Rogério Correia (PT) defendeu a reestatização da Vale, o que, na opinião dele, aumentaria a responsabilidade social da empresa. O procurador Edmundo Junior apoiou a iniciativa e lembrou que a privatização da mineradora, em 1997, sofreu grande resistência popular.
Para ele, a empresa privada busca maximizar o lucro em detrimento do risco oferecido às pessoas e exemplo disso é a utilização de tecnologias de barragens ultrapassadas, que resultaram em tragédias, como a de Mariana e a de Brumadinho (Região Metropolitana de Belo Horizonte), em janeiro deste ano.