Comissão de Educação iniciou série de visitas a escolas afetadas por rompimento de barragem

Alunos e professores de Brumadinho pedem apoio psicológico

Após sete meses do rompimento de barragem, comissão ouve relatos de dor e pedidos de ajuda, em visita a escola.

23/08/2019 - 18:10

Entre trabalhadores da educação, há desamparo para lidar com a tristeza ou identificar aqueles adolescentes que precisam de mais apoio emocional. Entre alunos afetados, existe a procura de um espaço para aliviar a dor

Passados sete meses do rompimento da Barragem do Córrego do Feijão, da Vale, esses foram os sentimentos manifestados em Brumadinho (Região Metropolitana de Belo Horizonte) por professores e estudantes da Escola Estadual Paulina Aluotto Ferreira, que nesta sexta-feira (23/8/19) recebeu a visita da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

A escola é uma das três da rede estadual no município e o objetivo da visita foi escutar a comunidade escolar sobre a situação vivida com a tragédia, para verificar as atuais condições do estabelecimento, conforme destacado pela presidenta da comissão, deputada Beatriz Cerqueira (PT), que solicitou a visita.

“Não só a escola, a cidade toda ainda está em luto”, resumiu à comissão a professora Gabriela Borges, que dá aulas de informática na unidade, onde há 50 professores e 600 alunos do ensino médio.

Cinco desses alunos tiveram pais mortos pelo desmoronamento da barragem. De forma geral, todos conhecem alguém que perdeu parentes, amigos ou vizinhos na tragédia, que vitimou 270 pessoas, sendo 248 mortos e 22 desaparecidos.

Apesar de terem recebido apoio psicológico inicial após o rompimento, para lidar com a situação, segundo destacado por gestores presentes, professores como Gabriela ainda se ressentem de um apoio mais permanente. “Às vezes me sinto despreparada e desamparada”, manifestou ela, citando o exemplo de quando chegou a ser procurada pela mãe de uma aluna que perdeu o pai na tragédia.

Nesses casos, professores relataram que a família procura por informações quanto ao comportamento na escola ou manifesta o temor sobre possíveis sinais de automutilação ou mesmo de algo que possa indicar risco de suicídio no aluno.

Alunos expõem perdas e pedem cuidado emocional

Da parte dos alunos, foi Maria Eduarda Barbosa, 16 anos, estudante do 2º ano, quem tentou controlar a emoção ao defender que a escola seja um espaço agradável e que desperte no aluno a vontade de estar nela.

“Perdi três tios. Tudo isso afetou minha família de uma forma difícil. Chego em casa e encontro minha mãe chorando, e ainda falando coisas delicadas de escutar. Para onde vamos?” questionou ao dimensionar o papel da escola nesse momento.

Para Maria Eduarda, seria preciso que os professores tivessem mais contato com os alunos e que a rotina, segundo ela de muita matéria, fosse aliviada no horário integral exigido para a presença de parte dos alunos.

Foi nesse sentido que ela fez coro à defesa de que o ensino integral, ainda em fase de implementação na escola, seja de livre opção para aqueles alunos que queiram passar mais tempo na escola, reivindicação feita pela maioria dos estudantes que falaram à comissão.

Também com 16 anos e no 2º ano, a estudante Maria Célia Jardim ainda ponderou que seria preciso equilíbrio. “Temos muitos professores de qualidade, mas os alunos não são máquinas. Tem a questão emocional também e, se eles não estiverem saudáveis mentalmente para absorver o conhecimento, não adianta. Não queremos só pensar nos frutos sem cuidar da raiz”, disse ela.

Maria Célia também relatou a percepção de que alunos mais afetados pela tragédia estão mais reclusos para falar, mais cansados, mais esgotados, e ainda mais desanimados com o futuro. “A maioria deles já se vê em outra cidade, porque estão muito inconformados com tudo”, revelou.

Problemas de saúde, principalmente respiratórios, na comunidade escolar, e tráfego intenso dentro da cidade, não só de mais carros como de caminhão de minério, o que seria proibido, foram também destacados por professores e outros trabalhadores na educação como heranças do rompimento da barragem da Vale.

Foi mencionado, ainda, que tem sido frequente a chegada de pessoas de fora para trabalhar na cidade, por exemplo em obras da própria Vale, gerando não só trânsito intenso de automóveis como falta de casas para alugar.

Gestoras ressaltam apoio inicial à escola, e comissão defende continuidade

A superintendente Regional de Ensino (SRE) Metropolitana da Secretaria de Estado de Educação, Rosa Maria da Silva Reis, informou à comissão que cada escola contou com apoio inicial de um psicólogo, que durante um mês ia semanalmente à unidade, para auxiliar dirigentes e professores a avaliarem situações de maior crise ou que demandam maior atenção ou encaminhamento para tratamento.

Conforme acrescentou a secretária municipal de Saúde, Sônia Maciel, nas demandas por tratamento o procedimento adotado inclui o encaminhamento à rede de saúde municipal, que, segundo ela, após o rompimento em Córrego do Feijão, recebeu o reforço de psicólogos, médicos, terapeutas, agentes sociais e agentes de saúde, entre outros.

Esse reforço cobriu inclusive o Programa de Saúde da Família, disse a secretária.

Protocolo - A deputada Beatriz Cerqueirao destacou a necessidade de que o Estado mantenha um processo constante de assistência psicológica a esses docentes e alunos. “O sistema de educação tem que dar apoio permanente a essas escolas, pois são elas que estão na vida dos professores, dos alunos e das famílias”, cobrou.

A parlamentar esteve ainda na Escola Municipal Ilza Maria e destacou que outras instituições de ensino ainda deverão ser visitadas no município pela comissão, com o mesmo intuito. “As consequências desse crime são de longo prazo e por isso a importância dessa escuta de profissionais e alunos agora”, disse Beatriz Cerqueira.