Os prejuízos causados pela descontinuidade no tratamento foram outro ponto abordado
Para Marília Marques, judicialização se torna a única saída quando o poder público falha
Pacientes com doenças raras cobram regularidade de remédios especializados

Estado promete voltar a fornecer remédios para doenças raras

Pacientes se queixam de lacunas na distribuição e reivindicam nova logística. Judicialização também foi debatida.

21/08/2019 - 16:40

Até o início de 2020 o fornecimento de medicamentos para pacientes com doenças raras, em Minas Gerais, estará regularizado. A garantia foi dada por representantes da Secretaria de Estado de Saúde (SES) durante audiência pública da Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), nesta quarta-feira (21/8/19).

Na reunião, profissionais de saúde, pacientes e familiares de pessoas com doenças raras reivindicaram uma nova logística na distribuição de medicamentos por parte do poder público, com mais transparência no processo, de forma a agilizar a entrega, sem prejuízo no tratamento dos pacientes.

A judicialização da saúde foi outro tema debatido na audiência. Muitos participantes, entre eles alguns deputados e gestores públicos, concordaram que a irregularidade na entrega de medicamentos tem levado à banalização da judicialização da saúde e não à solução dos problemas.

Outros, porém, acham que é a saída quando o poder público não atende às necessidades e direitos dos cidadãos. O lobby da indústria farmacêutica e a burocratização do Sistema Único de Saúde (SUS) também foram alvos de críticas.

A reunião foi realizada a requerimento do deputado Douglas Melo (MDB) e teve por objetivo debater a falta de medicamentos na assistência farmacêutica no Estado e seus impactos para pacientes acometidos por doenças raras.

“O Estado informou que 79% dos problemas já estão solucionados. Mas não são essas as informações que nos chegam de diversas regiões”, afirmou o parlamentar, que diz não se lembrar “de outra crise tão grande relacionada à falta de medicamentos, sobretudo em se tratando de doenças raras”.

Descontinuidade gera transtorno tanto para o paciente quanto para o poder público

Os médicos Alexandre Rodrigues Ferreira, Gerente de Atenção à Saúde do Hospital das Clínicas, e Pedro Augusto Macedo de Souza, nefrologista da Santa Casa de Belo Horizonte, destacaram o alto custo dos medicamentos destinados a pacientes com doenças raras e afirmaram que a descontinuidade do uso gera impactos graves, como internações e rejeições.

Patrícia Mendes Santos Quintiliano, da Associação Mineira dos Portadores de Doenças Inflamatórias Intestinais, afirmou que é um desafio a questão da logística de distribuição. Segundo ela, os pacientes do interior são os mais prejudicados.

Na sua opinião, a descontinuidade no fornecimento gera consequências drásticas não só para os pacientes, mas também para os cofres públicos, porque agrava as doenças e acaba por exigir outros procedimentos, como internações.

Paciente com doença de Crohn, mal que provoca inflamações intestinais e não tem cura, apenas tratamento, Cynthia Santos pediu “mais responsabilidade e compromisso” do poder público e defendeu “um pensamento mais estratégico e mais transparência" no processo de fornecimento e prestação do serviço.

Judicialização da saúde é alvo de críticas

O presidente da comissão, deputado Carlos Pimenta (PDT), afirmou que a descontinuidade no fornecimento dos medicamentos por parte do poder público tem levado à “banalização da judicialização”. Sem acesso aos remédios necessários, muitos pacientes recorrem à Justiça para garantir os medicamentos. Carlos Pimenta também criticou o lobby da indústria farmacêutica e a pressão do mercado.

Outro crítico da judicialização é Geber Soares de Oliveira, da Superintendência Central de Administração Financeira da SES. Segundo ele, o Tesouro do Estado foi alvo de 31 mil bloqueios, sendo R$ 100 milhões para a saúde, informando que, por ordem judicial, foram obrigados a comprar até vitamina D, e com indicação de que fosse adquirida na rede de farmácias mais cara da Capital. “Acho que é preciso identificar o que é prioridade e o que não é”, disse.

O gestor admitiu deficiências na área de saúde, mas disse que o Estado trabalha no sentido de recuperar as finanças. “Este ano, os recursos para saúde não são suficientes, mas, pelo menos, já temos um planejamento, com uma cota semanal de R$ 39 milhões”, declarou.

Eduardo Menezes Pereira, do Núcleo de Judicialização da secretaria, também criticou a prática e, a exemplo de outros representantes da pasta, garantiu que até o início do próximo ano será regularizado o fornecimento de medicamentos.

Segundo ele, o desabastecimento ocorreu devido ao acúmulo de dívidas do governo passado, o que gerou desconfiança por parte dos fornecedores, que não aderiram aos pregões para compra de medicamentos.

Paciente com doença rara, o vereador José Osmar da Costa Júnior, presidente da Câmara Municipal de Guaranésia (Sul do Estado), fez um relato emocionado das dificuldades que enfrenta. “Falta planejamento, sensibilidade e principalmente comprometimento com o paciente”, queixou-se.

O deputado Doutor Paulo (Patri) defendeu um diálogo maior entre o Executivo e o Judiciário no sentido de se buscarem saídas de consenso. O deputado Doutor Wilson Batista (PSD) criticou a burocratização do SUS e a falta de planejamento, enquanto o deputado Carlos Pimenta, criticando a gestão anterior, disse que o governo precisa retomar a credibilidade.

A audiência também contou com a presença do deputado Zé Guilherme (PRP). Avô de uma criança com doença rara, o parlamentar mencionou as dificuldades que a família enfrenta.

Contraponto - Nem todos, porém, criticaram a judicialização. Para alguns, esta se torna a única saída quando o poder público falha em seu dever constitucional de garantir saúde a todos. É o que pensa, por exemplo, Marília Bonoto Marques, do Movimento em Defesa dos Direitos das Pessoas com Esclerose Lateral Amiotrófica.

Ela reconheceu que o Estado é deficitário e que “é preciso sanar distorções no SUS”, mas ressaltou que o paciente é a ponta mais fraca do problema.

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