Parlamentares divergiram sobre avaliação de parceria entre governo e instituições privadas para seleção de recursos humanos
O advogado Antônio de Castro se disse preocupado com o que chamou de
Parlamentares questionam seleção para cargos comissionados do governo

Parlamentares questionam parcerias privadas do Estado

Programa Transforma Minas, para seleção de gestores públicos, foi financiado por fundações privadas sem fins lucrativos.

21/08/2019 - 19:19

Um programa implementado pelo Governo do Estado para seleção e desenvolvimento de recursos humanos, em parceria com instituições privadas, foi alvo de polêmica e debate em audiência pública realizada nesta quarta-feira (21/8/19) pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). A reunião, organizada pela Comissão de Administração Pública, mostrou uma oposição entre os que defendem o programa como um instrumento de qualificação do serviço público e os que temem a influência do setor privado na escolha de gestores públicos.

O programa, intitulado Transforma Minas, é voltado para a seleção de ocupantes de cargos comissionados, que podem ser nomeados pelo governador sem concurso público. De acordo com informações da Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (Seplag), já foram selecionados 121 profissionais desde o seu lançamento, 80 deles servidores de carreira do Estado. Ainda não foram preenchidas 18 vagas.

O Transforma Minas se viabilizou por meio de um acordo de cooperação técnica entre o Governo do Estado e a Aliança, uma associação de quatro instituições sem fins lucrativos financiadas pelo setor privado: fundações Brava e Lemann, e os institutos Humanize e República. A Aliança financiou todo o processo seletivo e contratou, para executar essa tarefa, a Vetor Brasil, também uma organização da sociedade civil sem fins lucrativos.

Autor do requerimento para realização da audiência pública, o deputado Raul Belém (PSC) manifestou preocupação com o fato de as fundações parceiras do Estado serem financiadas por grandes empresas privadas, tais como o Banco Itaú e a Gol Linhas Aéreas.

Ao secretário de Estado de Planejamento e Gestão, Otto Levy Reis, o deputado questionou se as fundações ou empresas indicaram algum profissional para os cargos a serem preenchidos. O secretário negou que isso tenha ocorrido.

Otto Levy salientou que o processo em análise não é um concurso público, uma vez que são cargos de recrutamento amplo. Ele defendeu o Transforma Minas como um instrumento de melhorar a qualidade da administração pública. “Eu não acredito que o Estado brasileiro, da forma como se encontra hoje, seja um sucesso. Minas está em uma situação de penúria”, argumentou.

Entre os cargos já preenchidos por meio do Transforma Minas estão vários subsecretários da própria Seplag, além de cargos gerenciais nas áreas de saúde, educação, meio ambiente, desenvolvimento social e Fazenda. Tanto o secretário como os representantes da Aliança e da Vetor Brasil ressaltaram que o modelo segue padrões bem sucedidos em países como Reino Unido, Chile e Peru.

Diretora da Vetor Brasil, Bruna Eboli afirmou que a instituição desenvolve atualmente processos seletivos e de desenvolvimento de recursos humanos em outros dois programas estaduais: o Qualifica RS, do Rio Grande do Sul, e o Líderes Públicos, do governo de São Paulo. Ela acrescentou que a atual secretária de Educação do município de Londrina (PR), Maria Tereza Paschoal de Moraes, foi selecionada pela Vetor Brasil.

Legalidade dos acordos de cooperação é motivo de questionamentos

Outro questionamento do deputado Raul Belém foi com relação à ausência de chamamento público para a escolha das instituições com as quais o Estado firmou parceria. Ele argumentou que a legislação obriga a adoção desse instrumento seletivo.

A subsecretária de Gestão de Pessoas da Seplag, Kênnya Duarte, afirmou que a legislação dispensa a realização do chamamento público quando não há transferência de recursos do Estado para as instituições parceiras.

O secretário de Planejamento, Otto Levy, admitiu que o relacionamento entre instituições públicas e privadas deve ser visto com cautela, mas acrescentou uma ironia: “em Curitiba há muitos presos porque confundiram o público e o privado”, afirmou.

Em resposta, o deputado Sávio Souza Cruz (MDB) devolveu a ironia ao se declarar admirado com a generosidade das empresas privadas em financiar a melhoria do serviço público. “Imagina se o governo do PT tivesse feito uma parceria desse tipo com a JBS”, afirmou, referindo-se à empresa envolvida em denúncias de corrupção em nível federal, em governos anteriores.

Também convidado para a audiência pública, o advogado Antônio de Castro, professor da PUC Minas nas áreas de administração e direito públicos, declarou-se preocupado com o que chamou de “incorporação da lógica privada no Estado”. “Há interesse nisso: implementar uma transformação de cultura na gestão pública. Eficiência pública não se confunde com eficiência privada”, argumentou.

O deputado Sávio Souza Cruz também questionou mais uma parceria firmada entre o Governo do Estado e outra instituição privada sem fins lucrativos, a Comunitas. Ele afirmou que essa instituição teria colaborado na reforma administrativa do Estado mesmo antes da formalização de um acordo de cooperação e que outras parcerias semelhantes foram consideradas ilegais em outros estados.

O deputado Guilherme da Cunha (Novo) ressaltou a transparência do programa implementado pelo Estado, inclusive com informações disponíveis a todos na internet. “A legalidade está clara. Fica a questão da desconfiança”, afirmou o parlamentar, complementando que essa desconfiança com a iniciativa e a filantropia privadas não se justifica.

O deputado Zé Guilherme (PRP), por sua vez, disse considerar que o processo ainda se mostra “nebuloso”.

Já a deputada Beatriz Cerqueira (PT) advertiu que o setor privado, ainda quando não recebe recursos financeiros, colabora com o setor público para exercer influência em políticas governamentais, lucrando com isso. Também negou que os superintendentes regionais de ensino tenham sido selecionados por critérios técnicos. "No final, o que prevaleceu foi a indicação política. Eu sei qual deputado indicou cada superintendente", disse.

O secretário Otto Levy admitiu que, apenas nos casos das superintendências regionais, há uma etapa final em que prefeitos ou deputados podem ser consultados. "Isso representa menos de um terço dos cargos", pontuou. O deputado André Quintão (PT) disse que o governo devia admitir que se trata de um processo híbrido, com um componente político. Ele afirmou que o governo faz apenas a propaganda da "moldura técnica".

O diretor de Projetos da Fundação Lemann, Weber Sutti, que representou a Aliança na audiência pública, afirmou que as instituições parceiras não receberam nenhuma informação sobre políticas públicas do Estado. Ele acrescentou que as fundações e institutos integrantes da Aliança não recebem recursos de empresas, mas doações de seus proprietários. Ele também informou que o custo do Transforma Minas foi de aproximadamente R$ 1 milhão, totalmente financiado por meio desse modelo de filantropia familiar.

Consulte o resultado da reunião.