Falta de pessoal prejudica atenção a mulheres em Santa Luzia
Delegacia da cidade tem apenas quatro investigadores para atender quase 200 ocorrências mensais de violência doméstica.
18/07/2019 - 19:05Com apenas um escrivão e quatro investigadores, a Delegacia Especializada de Crimes Contra a Mulher do município de Santa Luzia (Região Metropolitana de Belo Horizonte) atendeu 1.030 ocorrências de violência doméstica nos primeiros seis meses do ano, além de três casos de feminicídio – duas tentativas e um consumado.
O relato foi feito pela delegada titular, Bianca Prado, à presidenta da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), deputada Marília Campos, em visita ao local nesta quinta-feira (18/7/19).
A falta de pessoal é o principal problema enfrentado pela delegacia, que tem boas instalações, mas pouca gente para atender tanta demanda. Bianca Prado ainda acumula trabalho em outra delegacia da cidade. Em função da falta de profissionais, segundo a delegada, é preciso priorizar os casos mais graves.
Atualmente existem 4,5 mil ocorrências em curso e um inquérito tem levado até 3 anos para ser concluído. Bianca Prado explica que além dos casos de violência contra a mulher, a delegacia também atende outros tipos de violências domésticas como abusos sexuais e pedofilia, que são priorizados no atendimento. “Estamos quase nos tornando uma delegacia de proteção à infância e adolescência”.
A estrutura de proteção à mulher em Santa Luzia também tem falhas em outras instâncias. Não existe defensoria para atender as vítimas e só agora, dia 31, será instalado o Conselho Municipal de Defesa das Mulheres.
Para tentar minimizar a carência, a delegada tem estabelecido parcerias com profissionais ou instituições, que trabalham voluntariamente em atendimento psicológico e assessoria jurídica e programas de empoderamento para as vítimas. “Precisamos que a sociedade nos ajude” – apela.
Lei forte, mas de pouca aplicação
A delegada Bianca Prado lamentou que a Lei de Execução Penal acaba por enfraquecer a aplicação da Lei Maria da Penha, criada para proteger as mulheres. Segundo ela, dificilmente os agressores são presos em flagrantes e raramente ficam mais de um mês detidos. As penas também são brandas, normalmente menos de 3 anos de prisão, sendo que o agressor é liberado bem antes do prazo e, na maioria das vezes, volta a repetir o crime.
A mulher violentada também encontra dificuldade para sair do círculo da violência porque, muitas vezes, são dependentes financeiramente e têm pouco apoio do poder público para superar as dificuldades.
A delegada lembrou que o crime contra mulher é muito mais doloroso que outros crimes comuns – como os patrimoniais. Esses últimos causam um transtorno à vítima, mas são rapidamente superados. “A violência contra a mulher deixa marcas eternas”, compara.
A deputada Marília Campos reforçou o pensamento da delegada. Em sua opinião, sem uma política forte de proteção à mulher e com a escassez de recursos, os efeitos da lei acabam não atingindo os objetivos possíveis.
Marília Campos criticou a divulgação do governo sobre queda nos crimes e a omissão do aumento de casos de feminicídio. Segundo a deputada, de janeiro a junho de 2018 foram registrados 62 casos e, no mesmo período desse ano, 64. Ela atenta que os números podem ser bem mais, considerando que muitos assassinatos de mulheres não são classificados como feminicídio, mas sim como consequência de lesão corporal sem motivação por gênero.
Cidade se mobiliza para ampliar proteção
A visita a Santa Luzia trouxe um alento à deputada Marília Campos. Pelos relatos de outros, ela constatou que a rede de proteção à mulher no município está evoluindo e se consolidando. Além do Conselho Municipal que será empossado dia 31, a Polícia Militar local promove um trabalho de acolhimento e acompanhamento das vítimas e dos agressores.
“Atuamos até que o ciclo de violência seja quebrado e a segurança restabelecida”, explicou a sargento Cristiane Rodrigues Dias Rocha. A equipe conta com apenas mais dois policiais, número insuficiente para atender a demanda. “Priorizamos os casos mais graves ou de reincidência” – diz ela.
O presidente da Comissão de Prevenção à Violência Doméstica da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Santa Luzia, Fabrício Diego Cassanjo Costa, anunciou que a entidade vai oferecer assistência jurídica gratuita dentro da Delegacia.
O secretário Municipal de Desenvolvimento Social e Cidadania, Wander Rosa de Carvalho Júnior, comemorou a reativação do Conselho Municipal e avisou que também será implantada uma patrulha da violência, para tentar coibir as ocorrências. Muitos coletivos de mulheres também executam programas de acolhimento, de prevenção e de conscientização de mulheres vítimas de violência.
“A cidade está se mobilizando. E isso será muito importante para sensibilizar os poderes”, analisou a deputada Marília Campos. Ela explicou que as visitas às delegacias de mulheres têm por finalidade realizar um diagnóstico sobre a situação da violência na região metropolitana e propor políticas de proteção.
A Comissão já esteve nos municípios de Contagem, Betim, Ribeirão Neves e Belo Horizonte e ainda passará por Sabará e Ibirité. A ideia é promover uma audiência pública no segundo semestre, com representantes desses municípios, para traçar estratégias de mobilização pelo direito à vida e fortalecimento das políticas públicas.