CPI da Barragem de Brumadinho ouviu, nesta segunda-feira (8), duas testemunhas do rompimento da estrutura
Manoel Souza disse que não escutou nada que indicasse uma detonação no período em que ficou no local
Funcionário da Vale revela que barragem estava condenada meses antes do colapso

Testemunha relata vazamento de lama antes de tragédia

Segundo parlamentares, depoimento de operador mecânico da Vale traz fato novo à investigação.

08/07/2019 - 19:45

Um vazamento de lama na grama da barragem da Mina Córrego do Feijão, da Vale, cerca de sete meses antes do seu rompimento em 25 de janeiro deste ano, em Brumadinho (Região Metropolitana de Belo Horizonte), foi relatado pelo funcionário da empresa Fernando Henrique Barbosa Coelho. Ele foi uma das testemunhas da tragédia ouvidas, nesta segunda-feira (8/7/19), pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Barragem de Brumadinho da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

Segundo Fernando Henrique, funcionário da Vale há quase 18 anos, e que na época do ocorrido atuava como operador/mantenedor mecânico, sendo responsável pelo bombeamento de rejeitos da barragem, esse fato teria sido anterior à constatação de excesso de líquido na estrutura, durante a instalação do 15º dreno no local, em junho de 2018.

O funcionário acrescentou que o ocorrido teria feito com que funcionários da empresa, entre eles a engenheira geotécnica Cristina Malheiros, buscassem seu pai, Olavo Coelho, em casa, às 22h40 daquele dia, para verificar o que estava ocorrendo. Conforme a testemunha contou, seu pai trabalhava há cerca de 40 anos na Vale e, embora não tivesse estudo formal, tinha muita experiência com a barragem. 

De acordo com Fernando, seu pai ficou até de madrugada no local, constatou que os danos eram irreversíveis e informou aos presentes, inclusive Cristina Malheiros, que a estrutura poderia se romper a qualquer momento. “Se a barragem estava assim por fora, imagina como estava dentro dela”, disse. Em conversa com o filho no dia seguinte, Olavo falou que, se algo acontecesse, era para ele se deslocar para uma parte mais alta.

Emocionado, Fernando disse não ter dado muita importância para o que ouviu. Ele, que trabalhava em turnos na Vale, não estava no local no momento do rompimento, que acabou vitimando seu pai. Ainda de acordo com o funcionário da Vale, foi comunicado a Olavo, depois de sua constatação, que contratariam uma empresa em caráter emergencial para fazer intervenções na estrutura.

Fernando relatou que essa empresa teria permanecido no local durante uma semana e teria inserido uma lona no espaço, onde nem mesmo os supervisores puderam ter acesso. “Ninguém sabe o que foi feito direito e para onde foi essa lama”, afirmou.

O funcionário acrescentou ainda que, após a ida de seu pai à barragem, diversas medidas foram tomadas, como a instalação de sirenes e a realização de treinamentos.

Segundo parlamentares, depoimento traz novidade

Para os deputados Sargento Rodrigues (PTB), vice-presidente da CPI, e André Quintão (PT), a informação apresentada por Fernando é nova. Sargento Rodrigues relatou que, até então, a impressão era de que a presença da lama e o contato com Olavo Coelho estavam ligados à instalação do 15º dreno. “Já ouvimos mais de 90 pessoas na CPI e ninguém falou sobre isso”, enfatizou.

De acordo com André Quintão, o depoimento é importante. “A CPI tem ouvido muitos diretores, superintendentes e gerentes da Vale que chegam às reuniões com advogados. Percebemos que estão conectados numa rede para blindar as instâncias superiores da empresa”, disse.

Fernando Henrique se dispôs a participar de acareações com gestores da Vale. Conforme destacado na reunião, esse dado deverá ser desdobrado em encontros futuros da CPI da Barragem de Brumadinho.

Foi aprovado, na reunião, requerimento para que ele seja convocado a participar de acareação a ser realizada com os gestores Cristina Malheiros, Renzo Albieri e Artur Ribeiro Bastos, além do geólogo César Grandchamp.

O requerimento é de autoria da deputada Beatriz Cerqueira (PT) e dos deputados Sargento Rodrigues, André Quintão, Cássio Soares (PSD), Sávio Souza Cruz (MDB) e Gustavo Valadares (PSDB), que preside a comissão.

Funcionário questiona alegação de desconhecimento de situação da barragem

O operador mecânico Fernando Henrique também colocou em dúvida a informação apresentada por pessoas com cargos de chefia na Vale de que não tinham conhecimento prévio de indicadores relativos a riscos na segurança da barragem.

Para ele, isso seria desmentido pelo relato feito pelo seu pai, que disse ter informado sobre a gravidade da situação da barragem no momento em que foi chamado a verificar a estrutura, cerca de sete meses antes do rompimento.

Outro aspecto que Fernando relatou foi a existência de um software, chamado por ele de Sistema Geotec, no qual são introduzidos todos os problemas das barragens, desde os que não têm muita importância até os mais graves. “Quando a questão não é resolvida, o sistema alerta as instâncias superiores”, contou. Segundo o funcionário, o problema pode chegar até o presidente da empresa.

A deputada Beatriz Cerqueira (PT) enfatizou que, em reuniões anteriores da CPI, gestores da Vale negaram a existência de um sistema para compartilhamento de informações, como o Sistema Geotec.

De autoria dos mesmos parlamentares do requerimento já citado, foi aprovado outro para que a Vale informe ocorrências registradas no Banco de Dados Geotécnicos da Barragem B1, entre janeiro de 2018 e janeiro de 2019.

Operador de equipamentos faz relato sobre dia do rompimento

Também na reunião, foi inquirido o operador de equipamentos de instalação da Vale Manoel Souza, que chegou à barragem da Mina do Córrego do Feijão minutos depois do rompimento. Ele disse que não ouviu qualquer barulho, nem viu e nem sentiu qualquer sinal que indicasse a realização de uma detonação no período em que ficou no local, até às 16 horas.

Questionado por André Quintão e Sargento Rodrigues sobre seu horário de trabalho no dia 25 de janeiro, Manoel respondeu que chegou às 8h30, na Mina Jangada. E que se deslocou para a Mina Córrego do Feijão, de caminhão, chegando a esta última entre 12h40 e 12h50. “Antes desse horário, eu estava na outra mina e não daria para ouvir. No deslocamento, também ficaria difícil ouvir, pelo barulho do caminhão ligado”, ressalvou.

Mas o funcionário, que completou cinco meses de Vale em janeiro deste ano, acrescentou que, da tenda onde se instalou após chegar, a cerca de um quilômetro da cava onde ocorriam as detonações, não ouviu nenhum barulho que indicasse detonação. Além disso, lembrou que, antes de todo procedimento desse tipo, a Vale sinaliza as áreas próximas, alertando para que ninguém se aproxime.

Depoimento - Sargento Rodrigues registrou que o funcionário da Vale Edmar de Resende afirmou à CPI ter feito uma detonação na Mina do Córrego do Feijão após o rompimento da barragem, pouco depois das 13 horas.

Manoel comentou ter ficado surpreso com esse depoimento: “Como uma pessoa pode falar em fazer detonação depois duma tragédia como aquela?”, questionou. O deputado também perguntou se houve acionamento das sirenes ou outro aviso sonoro no dia 25, ao que Manoel respondeu negativamente.

A convocação das duas testemunhas nesta segunda foi requerida pelos deputados Gustavo Valadares (PSDB), presidente da comissão, Sargento Rodrigues, André Quintão e Noraldino Júnior (PSC).

Consulte o resultado da reunião.