Consequências de decisão do STF motivam debate
Criminalização da LGBTfobia foi apontada como positiva por convidados, mas deve ser apenas o começo.
02/07/2019 - 22:09A criminalização da LGBTfobia pelo Supremo Tribunal Federal no último dia 13 de junho e suas consequências para a comunidade LGBTI+ foram debatidas em audiência pública na reunião conjunta das comissões de Direitos Humanos e Defesa dos Direitos da Mulher realizada na noite desta terça-feira (2/7/19) na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
Pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher (Nepem) da UFMG, Thiago Coacci disse que a criminalização não resolve o problema da LGBTfobia, que é um fenômeno social mais complexo, que ultrapassa as vivências e punições individuais.
"A questão LGBT demanda e tem demandado atuação dos três Poderes em uma série de pautas. A criminalização como está feita pelo STF abre a possibilidade de uma regulamentação específica feita pelo legislativo. E qual o modelo de criminalização desejamos? Não queremos apenas punir os crimes, mas que eles não aconteçam mais. Buscar a prevenção a curto prazo e uma mudança social a longo prazo. Precisamos criar um sistema protetivo, não só punitivo", reforçou.
O coordenador estadual de Políticas de Diversidade Sexual da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese), Bruno Leonardo Seixas, disse que já propôs plano de trabalho para definir de que forma a criminalização será colocada em prática. "Questionamos a Segurança Pública para saber quais serão os próximos passos", explicou.
Ele também ponderou que, apesar de já ter um ano, o decreto que determina a carteira com o nome social ainda não está efetivamente em vigor. "Verifiquei que ainda está em desenvolvimento sistema para imprimir a cédula com os certificados necessários", contou.
Bruno falou também da atuação da Delegacia Especializada em Repressão aos Crimes de Racismo, Xenofobia, LGBTfobia e Intolerâncias Correlatas (Decrin) em Belo Horizonte, que ainda não tem delegado designado nem escrivão. "Em 2018, 20 procedimentos foram instaurados, enquanto que em 2019, até maio, foram 50, sendo 30 deles de LGBTfobia. E atualmente temos duas adolescentes trans cumprindo medida socioeducativa em uma unidade feminina", pontuou.
Decisão histórica - O promotor da Promotoria de Defesa dos Direitos Humanos da Comarca de Belo Horizonte, Mário Konichi Higuchi Júnior, disse que a decisão ajudará na responsabilização jurídica de homofônicos que, até então, eram enquadrados apenas no crime de injúria. "A própria vítima que tinha de promover uma ação penal e tentar. Em casos contra o Pátio Savassi e o Beb's só conseguimos uma medida compensatória, o que não é o ideal. Por isso considero a decisão do Supremo histórica. Para os agressores entenderem que acabaram as piadinhas. Já é um começo".
O defensor público da Defensoria Pública de Minas Gerais, Vladimir de Souza Rodrigues, pediu que o Executivo "arregace as mangas" e trabalhe em prol da população LGBT. "A atuação do judiciário tem limite. Precisamos de políticas públicas verdadeiras para a resolução de problemas cruciais. Implantar nas redes de saúde o atendimento aos LGBTs, dar a eles o acesso ao mercado de trabalho formal, lutar pelo fim da evasão escolar. O Judiciário não foi criado pra dar essas respostas", reforçou.
O secretário de Formação e Movimentos Sociais da ABGLT, Carlos Magno Silva Fonseca, disse que o Brasil sofre com uma narrativa falsa, de ter democracia racial e sexual. "Isso esconde uma situação muito perversa, já que estamos em condições de subcidadania". O procurador regional dos Direitos do Cidadão da Procuradoria da República no Estado de Minas Gerais, Hélder Magno da Silva, chamou a atenção para o “simbolismo da coisa”. “Agora podemos dizer que é crime”, enfatizou.
Mulheres trans no sistema prisional e socioeducativo
A deputada Andréia de Jesus (PSOL) demonstrou preocupação com a presença de adolescentes trans no sistema socioeducativo. "O Estado não pode ser omisso". A diretora da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), Anyky Lima, também falou sobre a questão. "Me preocupo com as meninas no sistema prisional. As pessoas têm de cumprir a pena delas com dignidade e respeito. Desde a entrada do novo gestor não tivemos reunião com ninguém do governo para ouvir os nossos anseios", reclamou.
A deputada Marília Campos (PT) enfatizou que quem está no poder hoje quer negar a existência de quem é LGBT. "E nesse sentido o Supremo Tribunal Federal tem sido nosso aliado, agora com a criminalização da LGBTfobia e em 2011 com a legalização da união homoafetiva. Mas acreditamos que só punir não basta, tem de haver a construção de um marco legal que ampare a comunidade".
A deputada Beatriz Cerqueira (PT) reforçou a importância de se pensar medidas educacionais para que a sociedade, desde sua base, internalize mais aceitação e compreensão com quem é LGBT. Ela também falou da sua dificuldade, como parlamentar, de passar seus projetos pelas comissões de mérito da casa, um ambiente que chamou de “violento” com quem é diferente. “Esse ambiente se interessa pelo que conversamos, vestimos, e quando discordamos e nos pronunciamos somos desqualificadas em nossas falas e opiniões. Existe a incapacidade de parlamentares de conviver com o diferente”.
O deputado André Quintão (PT) celebrou a medida do STF, mesmo sabendo que "o caminho é longo para colocar em prática. É algo positivo em meio ao que o Brasil está vivendo, a era da intolerância e fundamentalismo". A deputada Leninha (PT) endossou a fala dos colegas, dizendo que a medida do STF precisa impulsionar os legislativos do País todo a agir. "Objetivo não é punir, mas prevenir".
Requerimento – Representando a Rede Afro LGBTI, Liliane Martins pediu a realização de nova audiência pública para acompanhamento de desdobramentos dos assuntos discutidos, no que foi prontamente atendida por requerimento formulado e aprovado.